Cada um de nós deseja profundamente que tudo aquilo que ainda não apareceu nos sete filmes venha, enfim, se realizar neste último. Nossa colunista Mariana Rezende foi menos exigente e depositou todas as suas esperanças em uma cena que realmente apareceu no teaser trailer: o momento em que Lupin e Tonks dão as mãos na batalha de Hogwarts.
Em sua nova coluna, ela mostra como o breve entrelaçar de dedos revela muito mais — a relação proibida, o preconceito, os atos de aparente covardia que desabrocharam no último livro — do que foi mostrado nas telonas até agora. Clique aqui e leia uma das colunas pró-Lupin mais bem construídas do Potterish. Não se esqueça de comentar e perdoar o personagem; afinal, errar é humano… e lobisomem.
Depois de assistir – chorando como um bebê – o teaser trailer de Relíquias da Morte: Parte 2 mais vezes do que eu conseguiria contar, enxuguei as minhas lágrimas e voltei a escrever essa coluna com energia renovada. Não vou entrar em detalhes sobre o trailer em si, para o caso de você não querer saber spoilers, mas preciso fazer um único comentário: a cena do Remus e da Tonks foi de cortar o coração.
Aquele pequeno segundo falou mais sobre o relacionamento deles do que os últimos dois filmes, onde todas as turbulências foram substituídas por uma ou outra frase mais carinhosa. Eu sei que é coisa de fã louco querer que todos os momentos do livro sejam retratados, até porque cada um de nós tem seus personagens favoritos, suas passagens favoritas e seria impossível nos saciarmos unanimemente o tempo inteiro. Ainda assim, por mais esquecidos que ambos tenham ficado nas telinhas do cinema, o relacionamento deles assume um papel importante – e simbólico – no último livro, ao morrerem lutando contra Voldemort para protegerem o filho da mesma forma que James e Lily fizeram em 1981. Portanto, vê-los inclusos no teaser trailer, mesmo num piscar de olhos, me deu uma pequena esperança de que talvez haja mais espaço para o desfecho da família Lupin neste derradeiro capítulo final. Até porque, pensando na linha lógica dos filmes, não faria muito sentido o Remus surgir na floresta para apoiar Harry na caminhada para a morte depois de ter aparecido só dois minutos por filme desde A Ordem da Fênix. Neste ponto, o problema da falta de profundidade do Remus nos filmes poderia ter sido sanado caso a discussão entre ele e o Harry no Largo Grimmauld tivesse sido inclusa na primeira parte de As Relíquias da Morte. Com essa única cena, a revelação da existência do Teddy (versão feto) e o fortalecimento tanto da relação entre Tonks e Lupin (que tornaria o vislumbre no trailer ainda mais dramático) como da relação entre Lupin e Harry teria se consolidado. Obviamente o meu conhecimento sobre produção de filmes é nula, mas isso não muda a minha opinião de que aquele pequeno diálogo apertaria alguns nós que, agora, inevitavelmente, ficarão meio frouxos.
O capítulo “O suborno” no sétimo livro, onde tal discussão é descrita, oferece o vislumbre mais íntimo de Remus como personagem. Até então, a figura de professor, de um homem equilibrado, corajoso e sensato, colocava a licantropia e suas consequências como um assunto que pairava no ar sem ser diretamente abordado. O preconceito contra lobisomens foi apresentado no terceiro livro, contudo só pudemos ter uma noção real de suas implicâncias, acumuladas em toda uma vida, após o desabafo comovente de Remus no Largo Grimmauld. Li diversos comentários espalhados pela internet expressando uma completa decepção com a atitude dele, julgando-o covarde assim como Harry havia feito; outras pessoas chegaram a acusar J.K. Rowling de descaracterizá-lo completamente durante o livro inteiro. As explicações mais frequentes para este tipo de revolta baseavam-se no descontrole súbito do maroto, como também na suposta facilidade dele em deixar sua mulher e filho para trás diante do primeiro obstáculo. Nada poderia estar mais distante da realidade, visto que os motivos dessa explosão remontam do final do sexto livro e expressam nas entrelinhas um amor intenso, porém facilmente interpretado como indiferença fora de seu contexto na trama.
Seja por conta do segredo que carregava ou simplesmente devido a uma personalidade introvertida, Remus sempre manteve firmes as rédeas dos seus sentimentos. Mesmo em meio às revelações de Sirius e Peter na Casa dos Gritos – como eu já havia comentado em outra coluna – ele administrou a situação de maneira racional. Esse quadro, a meu ver, mudou de forma depois da missão de espionagem entre os lobisomens em Enigma do Príncipe. Ter convivido com lobisomens que defendiam tudo o que ele passara a vida negando e contradizendo provocou um impacto muito mais psicológico do que físico; ainda mais após a morte de Dumbledore, o único que lhe ofereceu chances de aperfeiçoar suas potencialidades mágicas e conhecer pessoas que o aceitariam por completo. A dor do luto e a recusa em entregar sua humanidade para o lobo, como muitos de seus “iguais” haviam feito, renderam suas defesas e os sentimentos guardados para Tonks puderam, enfim, falar mais alto, temporariamente livres das amarras “velhas demais, pobres demais, perigosas demais”. Todavia, o casamento – celebrado em meio ao período de maior poder e influência das forças das Trevas – incitou o aumento das proporções de intolerância, justamente por simbolizar tudo que Voldemort e seus comensais condenavam. Não é difícil imaginar o que deve ter sido para Remus saber que Ted e Andrômeda não estavam de acordo com o casamento, assim como Bellatrix (’Belatriz’ respondeu ela [Tonks], ‘Me quer tanto quanto quer o Harry, Remo, fez tudo para me matar.’ (…) Um músculo tremia no queixo de Lupin. Ele assentiu, mas parecia incapaz de dizer qualquer outra coisa. – RdM, p. 64 e 65); que deu início à sua caça pela sobrinha, respaldada pela nova ordem vigente no Ministério da Magia ( (…) ‘Desculpe pela noite passada’ acrescentou a bruxa em um sussurro, enquanto o garoto os conduzia pelo corredor central da tenda. ‘No momento, o Ministério está se mostrando muito anti-lobisomem, e achamos que a nossa presença poderia prejudicar você.’ ‘Tudo bem, eu entendo’, respondeu Harry mais para Lupin do que para Tonks. O bruxo sorriu brevemente, mas, assim que os dois viraram as costas, o garoto percebeu que o rosto do ex-professor retomou as rugas de infelicidade. – RdM, p. 112).
A culpa por ter se deixado envolver resgatou os antigos temores, fundamentados no medo de que os efeitos colaterais da maldição afetassem Tonks pelo simples fato de tê-lo por perto. E Harry, por mais indignado que tenha ficado, agiu de maneira semelhante com Ginny quando, durante o funeral de Dumbledore, comunicou que eles não poderiam mais ficar juntos, pois Voldemort a usaria como isca e Harry não suportaria a ideia de ser o responsável pela morte dela. Os motivos, tanto no caso de Harry como Lupin, são os mesmos: a certeza de que partir é a melhor escolha, de que os problemas irão embora com eles e ambas ficarão seguras. A gravidez de Tonks, num primeiro momento, apenas acentuou para Lupin a necessidade de partir, uma vez que agora ele também acreditava que havia transmitido sua maldição para o bebê. Uma criança que já nasceria fadada a ser segregada e condenada pela sociedade bruxa por causa dos erros do pai. Talvez, se os tempos fossem outros que não os de uma guerra, a atitude de Remus não alcançaria níveis tão drásticos, mas continuaria sendo igualmente moldada pelo desejo de fazer o melhor para a sua família. Foi errado cogitar que “fazer o melhor” significava a ausência dele na vida de ambos? Sim, foi. Mas, para mim, ele pecou por amor e não covardia. Da mesma forma que Dumbledore errou ao esconder de Harry a existência da profecia, movido pela vontade de protegê-lo por mais alguns anos do impacto terrível que verdade causaria.
Nada disso, infelizmente, pode ser passado nos filmes. Como em toda boa obra, a excelência de personagens belamente montados acaba por gerar uma disputa por espaço nas filmagens, onde a abundância de detalhes e tramas pessoais de cada um se retraem em nome da trama principal. Cada criação de J.K. Rowling adicionou um sabor único para a história, e boa parte desta riqueza perdeu-se quando retirada de seu cofre de papel. Embora tendo o seu desenvolvimento limitado por estes fatores, Remus permanece (assim como Teddy e Tonks) ocupando um lugar importante neste capítulo decisivo da saga, e registro aqui a minha esperança mal contida de que todas as linhas censuradas pelo limite do tempo sejam vingadas por um final digno do livro, da espera e do amor dolorido, porém inquebrantável, que cada um de nós carregará no olhar ao sair do cinema no dia 15 de julho.
Mariana Rezende faria um filme só para Remus Lupin.