Livros ︎◆ O Enigma do Príncipe

Um relato de Londres

A Moonlight me enviou essa semana seu relato contando como foi esperar na fila em Londres para comprar o Half-Blood Prince.

Começamos a enlouquecer quando enxergamos o enorme relógio instalado na vitrine da livraria começar a marcar barulhentamente os últimos dez segundos de espera… Sabe noite de ano novo? Quando a gente começa no 10,9,8,7… pois é, foi assim. Gritamos cada segundo, todos juntos, centenas de pessoas na noite fria de Londres amontoadas na porta de um livraria de quatro andares… e as portas abriram.

O texto completo que ela escreveu pode ser lido aqui e contém spoilers do livro.

15/07/2005
INGLATERRA
LONDRES
ESQUINA DA OXFORD STREET, PRÓXIMO Á LIVRARIA WATERTONES, 311.
19:10

A fila já tem quilômetros de distância. Cheguei às 18:30, e quase tive um ataque cardíaco ao descobrir que precisaria dobrar dois quarteirões para finalmente entrar na linha a fim de conseguir o meu “pedaço de Harry Potter”. COMO essas pessoas conseguem chegar tão cedo?? Descubro rapidamente que alguém chegou às seis da matina…haha. Honestamene, eu não poderia. Quer dizer, meus pais não me mandaram à Inglaterra só para comprar “Harry Potter and the half-blood prince”, certo?? O meu inglês certamente agradece o meu empenho nas aulas diárias… resmungo para mim mesma essas explicações enquanto me acomodo num canto da calçada, preparada para uma longa e ansiosa espera. Engraçado, estou nervosa. Mas me sinto, finalmente, um pequeno pedaço do mundo de Hogwarts.

As ruas perto das livrarias estão irreconhecíveis. Quem passeia por Londres em dias comuns sabe do que estou falando. Mas hoje não é um dia comum. Exatamente à meia-noite e um minuto, uma espera de cerca de dois anos vai acabar… vamos apenas dizer que não sou a única que considera o fato um grande vento, a julgar pelos sorrisos que vejo ao meu redor a cada minuto que passa. Nem mesmo a fila absurda tira o nosso ânimo. Devo dizer que a festa preparada para nós, pobres fãs em expectativa, ajuda bastante. Atores vestidos a caráter, funcionários anunciando a cada meia hora quanto tempo nos resta de espera, bebidas, lanches e pequenos presentes nos sendo oferecidos constantemente enquanto aguardamos… por exemplo, acabei de ganhar uma capa de Harry Potter… vejam só, todos nós ganhamos… ah, e o refrigerante também está muito bom, obrigada!

À minha frente, um grupo de três adolescentes animadas conversam, as roupas cuidadosamente preparadas, fãs incondicionais que querem fazer parte de um mudo mágico… a cor verde dos uniformes não deixa dúvidas: Sonserinas estão diante de mim! Puxo conversa… pergunto se topam uma “entrevista” com uma solitária fã brasileira, e começamos.

Por que Sonserina, é minha grande e primeira curiosidade… elas riem, enquanto o nome de Draco Malfoy vem imediatamente à tona… ao que parece, o grande inimigo de Harry conquistou fãs fervorosas. Elas afirmam que a Sonserina é uma casa injustiçada… não é possível que ali só existem seguidores do Lord das Trevas… elas, pelo menos, não o são, afirmam categoricamente! Bons corações, é o que dizem… bom, pelo menos respeitam a fila,haha.

Somos subitamente interrompidas por um incidente agradável. Um pequeno Harry Potter passa à nossa frente, e a comoção é imediata. Fotos, abraços, expressões carinhosas… é a primeira vez que vejo sonserinos e grifinórios se abraçando, e devo dizer, é divertido! Enquanto isso,o nosso bruxinho se multiplica pelas ruas de Londres…
A conversa flui facilmente, e os assuntos se intensificam. Lembramos de Sirius Black, e uma onda de inconformismo toma conta da região da fila que ocupamos… digamos que não é um ponto bem-vindo. Alguém atrás de mim comenta que levou uma semana para “cair a ficha” de que o velho “Almofadinhas” se fora… Procuro a dona da voz, e me deparo com uma distinta mãe de 35 anos… que parece mais ansiosa que os próprios filhos!!! E a profecia, jogo lenha na fogueira. O que o nosso Harry terá que fazer? Qual o seu tão falado e secreto poder? Parece não haver dúvidas entre nós de que ele é “O escolhido”…

Enquanto conversamos muito seriamente, uma súbita aparição nos faz dar um belo berro. Murta-que-geme acaba de surgir diante dos nossos olhos… uma personagem perfeita, os óculos redondos num rosto de olhos grandes e tristes… ela percorre a fila inteira como um legítimo fantasma, e nos sentimos cada vez mais na maravilhosa atmosfera de Hogwarts. Para nós, não são atores ali, é um sonho que de repente se torna realidade. Eles começam a existir! Murta nos encara fixamente, e pergunta se sabemos onde fica o banheiro… sorrimos, tentamos ser delicadas. Não queremos que a pobre Murta se sinta desprezada. De uma forma distante e magoada, ela nos pede para visitá-la no dito toalete… diz que está solitária, e resmunga algo como “Aquele Potter me esqueceu, a pobre Murta…”. Concordamos todas temerosamente, a cada minuto esperando que ela caia no choro… felizmente, isso não acontece, e ela se afasta arrastando os pés, assustando um garotinho distraído às nossas costas.

Continuamos… os tópicos seguem-se rapidamente, numa miríade de idéias diversas… os olhos verdes de Harry são discutidos… o relacionamento do nosso bruxinho com Dumbledore… estamos particularmente ansiosas quanto a esse ponto, concordamos rapidamente. Afinal, quem melhor que o maior bruxo de todos os tempos para acompanhar Harry em sua jornada? É consenso entre nós que o jovem Potter precisa de Alvo Dumbledore… pra não dizer que ele é meu personagem favorito, puxando a sardinha para o lado dessa simples autora… devo dizer que temo pelo diretor… e agora que li o livro (sim, já terminei,ok?? Faz uma semana, na verdade – portanto, ISSO PODE SER CONSIDERADO UM SPOILER!!), percebo que não estava errada… vamos apenas dizer que nunca chorei tanto lendo um livro… e mais não digo, que isso é uma outra história, um outro assunto… cada um sabe de si, hehe.

Nesse momento da espera, paro para rir um pouco. Um grupo de grifinórios acaba de passar, e a hostilidade é evidente. Agora, definitivamente me sinto no salão principal de Hogwarts…

Passamos rapidamente para um dos assuntos preferidos… afinal, quem não gosta de um bom romance? Rony e Hermione são imediatamente citados. ”Feitos um para o outro” parece ser a frase padrão que todos têm a falar para esse casal. Remo Lupin também não é deixado de lado. As garotas parecem apreciar o sério lobisomem “do bem”. Sinto-me compreendida, obrigada. Ninphadora Tonks é eleita como a candidata ideal. Aparentemente, os opostos realmente se atraem. Finalmente…e Harry? Afinal, ele merece um pouco de diversão… um bom beijo na boca, se me desculpam a expressão. Nunca é demais. Nesse ponto, entramos em divergência. Corajosamente defendo Ginny Weasle, mas a ruivinha não parece ter vez entre as minhas colegas britânicas… duas delas apostam na estranha Luna Lovegood… outra opina que Harry será um eterno solteirão… protestamos imediatamente! Ah, mas me aguardem… veremos qual será o “objeto de desejo” de Harry, logo, logo… e, haha, sinto-me uma vidente! Sabem do que estou falando, não???

Nesse momento, um susto nos faz literalmente pular na calçada dura… gárgulas surgem do nada, se arrastando pelo chão e mexendo com os pobres fãs que aguardam pacientemente na fila… são meio assustadores, honestamente. Esses atores, er, personagens, sabem realmente o que estão fazendo… agarrou a minha máquina fotográfica como se me agarrasse á beira de um abismo… são momentos para serem registrados, minha gente!

Ah, eu estou me divertindo… mas juro, juro que não agüento mais… EU QUERO MEU LIVRO!! Faltam exatamente três horas, quarenta minutos e cinqüenta segundos agora… e a fila se move!!! Andamos rápido, animadas com o avanço… esqueci meu suco na calçada. Nevermind… uma fncionária da livraria acaba de me dar outro.

Eu trouxe um livro para ler durante a espera, juro que trouxe. Afinal, raciocinei, o que custa adicionar um pouco de cultura à minha espera? Aparentemente, muito caro. Não consigo me concentrar, honestamente. O único livro que quero ler no momento está a simples paredes longe de mim… ”Bloody hell!!”, como diria o nosso querido Rony Weasley.

Começa a escurecer… ainda bem que não tenho o costume de roer unhas. Se tivesse, elas simplesmente não existiriam mais. Ora, uma nova convidada se junta a nós, e pasmem, ela veio diretamente dos E.U.A para o lançamento, um uniforme da Lufa-lufa se sobressaindo… nos entendemos imediatemente, duas estrangeiras compartilhando a alegria de estarem no lugar certo, na hora certa… Madame Rosmerta, aquela mesma do “três vassouras”, acaba de se juntar a nós. Novamente, a minha máquina fotográfica.

Certo, nesse exato momento, começo a perder a cabeça. Faltam mais três horas… o relógio está lento. As garotas estão contando animadamente quantas fotografias já foram solicitadas a tirar vestidas a caráter.. cerca de trinta, se querem saber. Eu, como boa fã, já tirei umas cinco só delas. De repente, a fila torna-se mais animada: Alguém começou uma animada versão de “Weasley is our king”… e o coro se forma, cada vez maior, quatro quarteirões de Londres unindo-se na mesma canção. Só o que posso fazer é sorrir e me juntar ao grupo.

O clima vai se tornando mais tenso á medida que as horas vão passando. Agora, os gritos dos funcionários anunciando quanto tempo nos resta são mais freqüentes… olho para o relógio. Já são 22:00!! Mais duas horas e um minuto…

E de repente, todos parecem ter enlouquecido. Tento entender o motivo da histeria à minha frente, apenas alguns minutos antes de eu mesma começar a berrar como se meu futuro dependesse disso. No meio da multidão, um verdadeiro gigante abre passagem cos cabelos e barbas compridos e impossíveis de não reconhecer… Hagrid, Hagrid está entre nós!! Onde eles encontarram um ser humano tão parecido com esse querido personagem, em nome de Merlin?? Quando penso que as coisas já estão maravilhosas, os gritos subitamente se intensificam, e quase tenho um acesso quando os professores Snape e Macgonagall param ao meu lado E ME CUMPRIMENTAM. Er… acho que talvez os tenha cegado com minha máquina fotográfica. Acidente de percurso, eu diria. Esse ambiente de magia faz com que o tempo pareça correr… tudo se torna um borrão para mim quando percebo a próxima figura que se aproxima. Um perfeito Alvo Dumbledore de carne e osso sorri para nós carinhosamente, e meus dedos pipocam no flash fotográfico… caramba. Isso não é um simples lançamento, penso eu. É um verdadeiro show, um teatro vivo e espontâneo, e sou parte dele. Londres, eu, Harry Potter, quem diria…

“HAAALF AN HOUR TO GO!!!”… Os berros dos funcionários me fazem acordar dos devaneios, e percebo que o tempo agora passa em lapsos obscuros… trinta minutos. O silêncio agora começa, esmagador e ansioso. Ninguém mais grita a não ser pelos trabalhadores da livraria. Parece que a voz deixou a multidão, sumindo à medida em que os minutos correm. As pessoas agora conversam em voz baixa, os olhos mais preocupados com os ponteiros do relógio do que com as palavras que saem das suas bocas.

Tento conversar para aliviar o nervosismo, e surpresa!!! O som da língua espanhola chega aos meus ouvidos, e me deparo com duas garotas animadas ao meu lado, o castelhano fluindo rapidamente entre elas. Enxerida que sou, sorrio e as cumprimento, puramente feliz em escutar uma língua latina… E viva a América do Sul! É assim que conheço Rosa e Chiara, duas chilenas que, como a “brasileirinha” aqui, não podiam perder a oportunidade de estar aqui… e ofereço meu carinho a elas, quero dizer! Da meia-hora de fila que nos resta, essas duas meninas me ajudaram a passar pelos momentos supostamente mais difíceis. Compartilhamos juntas essa “longa” espera, contamos juntas os minutos até meia-noite… e agora, trocamos e-mails desde então, e digo que foi o melhor desse dia… de uma espra de mais de cinco horas na calçada dura, ganhei duas amigas que agora estão distantes de mim, mas mesmo assim fazem parte da minha vida! Rimos juntas ao longo do livro 6… choramos juntas também… e tudo começou meia hora antes da meia noite do dia 16 de julho de 2005…

Começamos a enlouquecer quando enxergamos o enorme relógio instalado na vitrine da livraria começar a marcar barulhentamente os últimos dez segundos de espera… Sabe noite de ano novo? Quando a gente começa no 10,9,8,7… pois é, foi assim. Gritamos cada segundo, todos juntos, centenas de pessoas na noite fria de Londres amontoadas na porta de um livraria de quatro andares… e as portas abriram.

A fila foi organizada. Exatamente à meia-noite e vinte e cinco, eu, Rosa e Chiara entramos na Waterstones, os olhos se enchendo ante a visão de prateleiras abarrotadas com “The Half-Blood…”. Sem perder tempo, nós agarramos as nossas cópias… seguro dois livros firmemente nas mãos, as capas adulta e infantil se encarando entre os meus dedos… pagamos. Temos o livro. Ah, e mencionei que o temos com um carimbo especial?? Entramos nessa fila, dentro da loja, para termos nossos exemplares com os seguintes dizeres (mais ou menos isso…): “ I Was a V.I.P (Very important Potter fan). I’Ve been in the queues and waited for my book on July 16, at midnight ,at Waterstones Books store, Oxford Street, 311, Okford Circus, London…”. Não canso de encarar essa página, vou ser sincera.

Saímos da loja com uma sensação de missão cumprida. Eu e Rosa nos separamos de Chiara, que mora no lado oposto ao nosso da cidade. Acenamos para a nossa amiga, cada uma agarrada firmemente aos prórprios livros (isso mesmo, PLURAL), e lembro que ainda preciso descobrir como faço pra voltar pra casa… os metrôs não funcionam após a meia-noite, e essa é minha condução usual para meu “alojamento”… não faço a menor idéia de que ônibus noturno devo pegar para chegar em segurança ao conforto do meu lar… o meu consolo é que não sou a única, haha. Rosa também está perdida.mas quer saber? Nós não ligamos. Valeu a pena, é o nosso consenso.

Depois de alguma confusão e várias perguntas a policiais, cada uma finalmente descobre o seu rumo… nos eparamos em pontos de ônibus diferentes. De longe, vejo Rosa entrando na sua condução, sentar-se num banco e abrir seu livro. Mal posso esperar pra fazer o mesmo. Finalmente, chega o famigerado N1, meu caminho pra casa… abro meu livro. Entro em outro mundo. Antes de me isolar completamente do exterior, percebo que não sou a única agindo assim no ônibus… contei cinco pessoas lendo vorazmente o seu exemplar ao meu redor, viram?

Devo dizer que não devia ter feito isso. Quer dizer, começar a ler o livro no ônibus. Mas só fui admitir esse erro para mim mesma às três horas da manhã, quando enfim abri a porta de casa após perder a parada certa de descida e andar durante uma hora perdida em Londres… com “Harry Potter and the Half-Blood Prince” nas mãos. E um sorriso no rosto, ainda que meus pés doessem. Boa noite, Harry.