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A paixão – e o desbunde – segundo Caio Fernando Abreu

Um dos autores mais populares entre os jovens é Caio Fernando Abreu, morto em 96. Sua obra, com mais de 20 lançamentos, apresenta um espírito questionador, revolucionário e reflexivo que ecoa até hoje nos que são românticos, mas não piegas. [meio-2] A resenha de Thiago Terenzi fala sobre o livro de contos “Os dragões não conhecem o paraíso”, lançado em 88 e discute o significado das mensagens do autor e como elas invadiram os Twitter e Messengers dos brasileiros.

“Os dragões não conhecem o paraíso”, de Caio Fernando Abreu

A paixão - e o desbunde - segundo Caio Fernando Abreu Tempo: para ler pouco a pouco em intervalos durante a semana
A paixão - e o desbunde - segundo Caio Fernando Abreu Finalidade: para pensar
A paixão - e o desbunde - segundo Caio Fernando Abreu Restrição: para quem tem dificuldade com pontos de vista alternativos
A paixão - e o desbunde - segundo Caio Fernando Abreu Princípios ativos: contos, romance, paixão, rock.

Lygia Fagundes Telles classificava Caio Fernando Abreu como o escritor da paixão. Particularmente, sempre me referi a Caio como uma espécie de escritor do rock, uma vez que a literatura deste gaúcho de vida intensa é, não raro, apoiada sob o famoso trinômio que sempre caracterizou os roqueiros: o famigerado “sexo, drogas e rock ‘n roll”. “Os dragões não conhecem o paraíso”, livro tema desta resenha, mostra Caio num misto destas duas facetas: a do roqueiro e a do apaixonado.

A paixão - e o desbunde - segundo Caio Fernando Abreu

A paixão - e o desbunde - segundo Caio Fernando Abreu

Obra constantemente classificada nas livrarias como coletânea de contos, o livro se preocupa desde o princípio em negar-se: “Se o leitor quiser, este pode ser um livro de contos […] Mas se o leitor também quiser, este pode ser uma espécie de romance-móbile”. Classificação bem mais interessante, esta confere ao livro ares de romance, como se seus 13 contos, aparentemente independentes, formassem um todo unitário – e, de fato, forma. Se assim, obviamente, o leitor desejar.

Os contos – ou capítulos – do romance têm sempre uma temática em comum: a paixão. A forma ímpar com que Caio Fernando Abreu lida com este sentimento tão peculiar é de fato apaixonante. Negando qualquer senso comum ou saída fácil pelo viés romântico, Caio desconstrói a paixão remontando-a livremente ao seu modo: de forma torta e imperfeita, como lhe era comum.

A paixão em Caio Fernando Abreu abandona seus ares de sentimento nobre e ganha um novo rosto: multifacetado e paradoxal, por vezes cercado de alguma melancolia. “Eles se ignoram. Porque pressentem que […] se cederem à solidão um do outro, não sobrará mais espaço algum para fugas”, narra Caio em um dos contos.

O cenário, em “Os dragões não conhecem o paraíso”, é quase sempre a noite urbana: bares, festas, apartamentos ou ruas movimentadas. E aí Caio nos mostra sua faceta roqueira – e quando digo rock, abandono a definição musical e abraço aquela ligada ao comportamento. O rock em Caio Fernando Abreu é o desbunde, os exageros e a melancolia recalcada em drogas, álcool e sexo. Mais que isso: quando digo rock, refiro-me à desconstrução, à marginalidade, ao desejo de ir-se contra o socialmente aceito. “Os dragões não conhecem o paraíso” deseja a todo momento nos causar certo incômodo. Quer constantemente nos chocar. E consegue.

Caio Fernando Abreu é atual – morreu em decorrência da AIDS em 1996 – e, mais que atual, dialoga de forma direta com esta geração talvez tanto quanto ou mais do que dialogava com aquela pré e pós abertura política, da qual fez parte. Sua busca por um caminho que lhe fosse particular em meio a tantos outros que lhe eram estrangeiros é uma busca tão moderna quanto poderia ser.

Talvez isso explique sua atual popularidade entre os jovens. Entre Twitters e Messengers, há sempre uma frase de Caio espelhando nossos sentimentos.

Resenhado por Thiago Terenzi

157 páginas, Editora Companhia das Letras, publicado em 1988.