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O lado humano e mágico de Alvo Dumbledore

Todo ser humano precisa se sentir, de algum modo, acolhido. Com Harry Potter não era diferente, e sabemos bem que, ao longo da série, nosso herói muitas vezes deposita em Alvo Dumbledore a confiança de que estaria protegido e a salvo.

Apesar de vermos o diretor de Hogwarts como uma figura extremamente poderosa, não podemos nos esquecer de seu lado humano e frágil, que no final das contas, acaba evidente. Na coluna de hoje, trago uma reflexão acerca dessa outra face de Dumbledore. Leia e deixe seu comentário!

Por Luiz Guilherme Boneto

Reza a tradição que toda boa história de magia deve ter um velho sábio, de barbas longas e branquíssimas. Mesmo os contos mais antigos tinham tais personagens, como podem comprovar Gandalf – cujas barbas não eram assim tão alvas, mas vá lá – e Merlin. Em Harry Potter não poderia ser diferente; J.K. Rowling não só criou um grande personagem com essas mesmas características, mas o trouxe para perto da nossa realidade como somente ela é capaz de fazer.

Alvo Dumbledore é mencionado inúmeras vezes como o maior bruxo que a humanidade já produziu. Em seus mais de cem anos, teve grandes feitos, porém resumiu-se a dirigir e lecionar em Hogwarts, sem tentar obter um cargo de poder. Ainda assim, sua sabedoria e poderes impressionantes o destacavam entre os demais. Ao ler a série, somos o tempo todo impelidos a ter de Dumbledore uma imagem de extrema imponência e inteligência, de um homem cuja mera presença era sinônimo de conforto e segurança. E ele assim, de fato, o era,. Mas J.K. Rowling não deixaria isso barato: era preciso dissecar essa criatura fascinante, e ir além.

Ela dedica Harry Potter e as Relíquias da Morte a trazer Dumbledore, já morto, para um plano humano, não mais surreal, como críamos. Seu envolvimento com Grindewald, sua sede de poder e reconhecimento, seus erros, tudo desmontava a imagem do bruxo poderoso e onisciente. Quem um dia iria dizer que o grande Alvo Dumbledore cometeria um erro crasso? Pois ele o fez, quando feriu de modo letal a própria mão, quando “abandonou” a irmã problemática praticamente à própria sorte, quando juntou-se a Grindewald numa espécie de luta contra os trouxas. Os arrependimentos que Dumbledore trazia da juventude lhe constituíam um peso morto sobre os ombros envelhecidos.

Para J.K. Rowling, além dos erros, a idade talvez seja a característica que mais expõe a fragilidade humana. Por várias vezes, Harry nota os traços de velhice na expressão do diretor. Talvez a presença marcante de Dumbledore, como em tantas outras pessoas, fazia com que os que o rodeavam fossem simplesmente incapazes de enxergá-lo como um velho. Mas ele o era. Sua mente se mantinha jovem, e seu espírito possuía vitalidade, ainda que marcado pelas feridas do passado. Contudo, nem mesmo magia poderosa pode conter a cruel passagem do tempo – a não ser a incogitável pedra filosofal, que manteve o famoso alquimista Nicolau Flamel vivo por mais de seiscentos anos.

Despida de falsos pudores e da hipocrisia que imperam na sociedade em que vivemos, J.K. Rowling foi muito além das costumeiras exposições sobre o personagem. Em resposta a um fã, durante um evento nos Estados Unidos pouco depois do lançamento do último livro, ela foi categórica quanto à orientação sexual de Alvo Dumbledore: ele era gay. Era também apaixonado por Gerardo Grindewald, um velho amor da juventude – apaixonado pelo homem que se tornaria um dos mais poderosos bruxos das trevas de todos os tempos, e que perderia para ele, Dumbledore, uma batalha épica, mencionada já em Harry Potter e a Pedra Filosofal. O envolvimento dos dois fica implícito no último volume. Vejam vocês a grandeza de J.K. Rowling: ela criou em sua série um personagem fenomenal, grandioso, que acumula fãs nos quatro cantos do mundo. Aguardou o encerramento da história que escreveu com tanta minúcia para anunciar, assim como quem não quer nada, a homossexualidade do maior bruxo da história. Com isso, tia Jo tem um recado: ser homossexual não influencia em nada nas qualidades e nos defeitos de qualquer pessoa. Numa sociedade em que a homossexualidade é tratada por muitos como doença e intitulada por parte da imprensa como “opção”, a autora demonstra o quanto ela simplesmente não importa como característica fundamental de um ser humano. Em outras obras, personagens gays são descritos como promíscuos, fúteis, indignos. Em Harry Potter, a homossexualidade é corriqueira e posta como característica secundária, assim como é a cor dos cabelos ou dos olhos.

Pode ser presunção da minha parte afirmar que J.K. Rowling tinha em mente todo esse jogo de ideias ao anunciar o fato de que Dumbledore era gay. Contudo, acho muito provável que essa tenha sido sua pretensão. Sua obra demonstra o quanto ela é atenta ao que acontece no mundo, atenta ao ódio e ao preconceito que cercam a nossa sociedade. A sexualidade de Dumbledore formou um grande debate em 2007, quando Jo a anunciou ao mundo. O que me surpreendeu na discussão, já à época, foram dois fatores:

Em primeiro lugar, a negação. Muitos fãs negaram o fato, como se J.K. Rowling estivesse enganada, como se não tivesse dito o que disse. Mas ela o fez. Toda a grandeza de Dumbledore cabe na mente genial da autora. Ora, se ele nada mais é do que um produto da imaginação de tia Jo, a única que pode lhe determinar destinos é ela, e mais ninguém. Segundo, a homossexualidade não foi a única característica de Dumbledore exposta após o lançamento de Relíquias da Morte. Eu não vi, contudo, discussões acerca da inclinação do diretor a práticas pouco ortodoxas, quando planejava ações anti-trouxas unido a Grindewald. Isso foi, ao que parece, encarado como normal. A homossexualidade, contudo, foi alvo de longas discussões acaloradas. O conservadorismo estendeu-se à ficção e atingiu em cheio o maior bruxo do mundo; seu pecado, entretanto, não fora passível de escolha.

Recordando o primeiro parágrafo desta coluna, Alvo Dumbledore é o velhinho de barbas brancas de uma das maiores histórias de magia já vistas. E é tudo aquilo que cabe ao estereótipo: sábio, poderoso, justo, inteligentíssimo. Contudo, é também um ser humano, como J.K. Rowling fez questão de nos mostrar, dentro e fora da série. A humanização, no final das contas, foi bem-vinda: tornou Alvo Dumbledore um personagem ainda mais mágico, e evidenciou-o como um elemento que torna Harry Potter uma série ainda mais fascinante.

Luiz Guilherme Boneto – que sou eu! – ainda prefere a Hermione, mas Dumbledore vem logo em segundo lugar.