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Um coitado charlatão

Gilderoy Lockhart ocupa indubitavelmente um lugar de honra entre os professores mais detestados de Hogwarts. Seu personagem não era propriamente um vilão, contudo, a maneira como ele se portava agradava a poucas pessoas.

Heitor Garcia estreia no Potterish com um texto referente a esse professor tão controverso. Não esqueça de prestigiar nosso colunista com o seu comentário

por Heitor Garcia

Entre os perfeitos e delicados cachos dourados, com vestes chamativas e estupendas, um aventureiro em série com grande elegância e excelência no mundo bruxo, principalmente por entre as mulheres, estará esperando a todos com um sorriso de orelha a orelha para uma maratona de seus disputados autógrafos e, se você for um sortudo, poderá até sair em uma belíssima foto estampada na primeira página do Profeta Diário. Sim, esse texto é inteiramente dedicado ao nosso elegante, engraçado, patético e covarde Gilderoy Lockhart.

Quem nunca ouviu falar de Narciso, o jovem da mitologia greco-romana? Se não, vos contarei a seguir. A história tem início em Téspias, Beócia, quando o belo jovem rejeitou o amor da ninfa Eco que o amava tão fervorosamente. Então, como castigo, a deusa Nêmesis, que observava tudo do Olimpo, lançou em Narciso uma espécie de maldição, na qual ele se apaixonaria incrivelmente pelo seu próprio reflexo na lagoa da ninfa, cujo amor não teve correspondido.

Apaixonado pela própria imagem, Narciso deitou-se às margens do rio e ficou lá, olhando sua infinita beleza que, segundo ele, comparava-se a de um deus. Os dias passaram, e seu corpo não sabia mais o que era comida e nem a sede ousava aproximar-se, fazendo com que seu corpo definhasse. As cores, o vigor, a vida, abandonavam-no como um “adeus” definitivo de um velho amigo, mas nada lhe interessava, pois ele estava com alguém que realmente amava, falecendo poucos dias depois.

Com pena, as ninfas deixaram lágrimas escorrerem em um ato de tributo ao jovem apaixonado. Tanto que construíram uma pira funerária para cremá-lo assim que encontrassem o seu corpo, o que nunca conseguiram fazer, pois no lugar de onde ficara o corpo uma vez definhado, encontraram uma flor roxa, rodeada por folhas brancas. Em memória ao belo jovem, tal flor recebeu o nome de Narciso.

“Gilderoy Lockhart, Ordem de Merlin, Terceira Classe, Membro Honorário da Liga de Defesa contra as Forças do Mal e vencedor do Prêmio Sorriso mais Atraente da revista Semanário dos Bruxos cinco vezes seguidas…”

O professor de Defesa Contra as Artes das Trevas do segundo ano é um perfeito exemplo do narcisismo. E com isso, creio que J.K tenha criado-o para mostrar a inutilidade, digamos assim, de pessoas do tipo. Sempre ocupado amando a si mesmo, Lockhart constrói uma espécie de barreira invisível em torno de si onde um pequeno grupo de pessoas seletas pode adentrar e conhecer o verdadeiro Gilderoy. Mas o que ninguém nunca parou para pensar: Por que ele é assim? Por que todos só falam do bruxo do sorriso mais atraente e se esquecem do homem antes disso? Acredito fortemente que algo traumatizante tenha acontecido a ele.

Sempre à procura dos holofotes, Gilderoy deve ter sido uma criança bastante carente, ao ponto de ter a necessidade de chegar ao extremo para conseguir a atenção. Infelizmente, pouco se sabe da história do apanhador da Corvinal para ter-se uma base concreta, espero que J.K expresse isso no Pottermore, mas uma coisa que não deve ser esquecida é o “heroísmo” de Lockhart. Mesmo usando experiências de outros bruxos, enganando pessoas, fingindo ser quem não é, o Narciso da saga lançou em seus leitores uma espécie de proteção. Falsa, mas uma proteção.

É normal de todo ser humano ter alguém em que acreditar, em que possa crer que está seguro. Escrevendo essa coluna, pensei em como seria minha reação se eu lesse uma obra de Gilderoy. Talvez eu não acreditasse ou, provavelmente, acreditasse e isso me consolaria porque o mundo bruxo teria ganhado um novo herói. Então, é por isso que estou vendo-o de uma forma diferente, não honrosa, mas completamente diferente do que eu tinha a respeito dele.

Espero que depois da minha primeira e assustadora coluna, você, caro leitor, tenha uma nova visão sobre Gilderoy Lockhart. De fato, sempre o veremos como um covarde e mentiroso, mas com seus motivos.

Heitor Garcia estava na fila para a seção de autógrafos de “O Meu Eu Mágico”