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[TRADUZIDO] Primeiro capítulo de “Career of Evil”, de Robert Galbraith

“Career of Evil” é o terceiro livro escrito por J.K. Rowling sob pseudônimo de Robert Galbraith. Hoje pela manhã foi liberado pelo The Guardian e pelo Times os dois primeiros capítulos da obra, respectivamente, e a nossa equipe de tradução cuidou para trazer aos nossos leitores o texto em português.

Vale lembrar que esta não é a tradução oficial da obra, que será lançada no Brasil em 2016, mas foi feita por pessoas competentes e experientes na área. Não se esqueça de registrar o seu comentário logo após ler, no modo notícia completa, o primeiro capítulo da continuidade das aventuras do detetive Cormoran Strike e sua assistente Robin Ellacot.

O terceiro livro da série “Cormoran Strike” será publicado em inglês no próximo dia 20 nos Estados Unidos e 22 no Reino Unido.

No primeiro capítulo é apresentado um novo personagem na série que pretende vingança contra Strike. Alguns leitores já nos disseram que acharam o livro (ou o seu começo, pelo menos) extremamente mais sombrio do que os anteriores, como destacamos abaixo:

“Ele não havia conseguido se livrar de todo o sangue dela. Uma linha escura, como um parêntese, jazia sob a unha do seu dedo médio esquerdo. Ele se pôs a removê-la, apesar de gostar bastante de vê-la ali: uma lembrança dos prazeres do dia anterior. Depois de um minuto de raspagem em vão, ele colocou a unha sangrenta na boca e chupou. O amargor do ferro o remeteu ao grande fluxo que escorrera desenfreado pelo chão de azulejos, respingando nas paredes, encharcando seus jeans e transformando as toalhas de banho cor de pêssego – macias, secas e dobradas com cuidado – em trapos ensopados de sangue.”

Traduzido por: Luiza Miranda.
Revisado por: Pedro Martins.

Continue nos acompanhando para mais informações e para ler o segundo capítulo traduzido amanhã!

CAREER OF EVIL
Capítulo 1 publicado pelo The Guardian

Traduzido por: Luiza Miranda.
Revisado por: Pedro Martins.

2011

Este Não é o Verão do Amor

Ele não havia conseguido se livrar de todo o sangue dela. Uma linha escura, como um parêntese, jazia sob a unha do seu dedo médio esquerdo. Ele se pôs a removê-la, apesar de gostar bastante de vê-la ali: uma lembrança dos prazeres do dia anterior. Depois de um minuto de raspagem em vão, ele colocou a unha sangrenta na boca e chupou. O amargor do ferro o remeteu ao grande fluxo que escorrera desenfreado pelo chão de azulejos, respingando nas paredes, encharcando seus jeans e transformando as toalhas de banho cor de pêssego – macias, secas e dobradas com cuidado – em trapos ensopados de sangue.

As cores pareciam mais vibrantes naquela manhã e o mundo, um lugar mais agradável. Ele se sentia sereno e revigorado, como se a houvesse absorvido, como se a vida dela houvesse sido transferida para dentro dele. Uma vez que os matasse, eles pertenciam a você: era um prazer muito superior ao sexo. O simples fato de saber quais eram suas expressões no momento da morte era uma intimidade que ia além de qualquer coisa que dois corpos vivos podiam experimentar.

Com um sentimento de entusiasmo, ele refletiu que ninguém sabia o que ele havia feito, nem o que planejava fazer em seguida. Ele chupou o dedo médio, feliz e plácido, recostado na parede morna ao sol fraco de abril, seu olhar voltado à casa do outro lado da rua.

Não era uma casa elegante. Comum. Inegavelmente um lugar melhor para morar do que o minúsculo apartamento onde sacos de lixo preto com as roupas enrijecidas de sangue de ontem aguardavam incineração, e onde suas facas, reluzentes depois de lavadas com água sanitária, haviam sido socadas em um compartimento debaixo da pia da cozinha.

Esta casa tinha um pequeno quintal na frente, uma cerca preta de metal e o gramado que precisava ser podado. Duas portas brancas haviam sido espremidas lado a lado, dando a entender que a construção de três andares fora convertida em apartamentos superiores e inferiores. Uma garota chamada Robin Ellacott morava no térreo. Mesmo que estivesse determinado a descobrir o seu verdadeiro nome, ele mentalmente a chamava de A Secretária. Ele acabara de vê-la passando em frente à janela projetada, facilmente reconhecida pelo seu cabelo brilhante.

Observar A Secretária era um extra, um bônus prazeroso. Ele tinha algumas horas de folga, então decidira vir e olhar para ela. Hoje era um dia de descanso, entre as glórias de ontem e de amanhã, entre a satisfação do que fora feito e a empolgação para o que aconteceria em seguida.

A porta da direita se abriu inesperadamente e A Secretária saiu, acompanhada de um homem.

Ainda encostado na parede morna, ele fitava o resto da rua, com a silhueta voltada para eles de tal modo que parecesse estar esperando por um amigo. Nenhum dos dois prestou atenção nele. Eles se afastaram subindo a rua, lado a lado. Depois de lhes dar um minuto de vantagem, ele decidiu segui-los.

Ela usava jeans, uma jaqueta leve e botas rasteiras. O longo cabelo ondulado ficava ligeiramente ruivo agora que ele a via sob a luz do sol. Ele pensou notar uma certa limitação entre o casal, que não conversava entre si.

Ele era bom em desvendar pessoas. Ele havia desvendado e seduzido a garota que morrera ontem entre as toalhas cor de pêssego encharcadas de sangue.

Mais adiante na longa rua residencial, ele os acompanhava com as mãos nos bolsos, vagando como se fosse em direção às lojas, os óculos de sol adequados para esta brilhante manhã. As árvores balançavam suavemente com a leve brisa da primavera. No fim da rua, a dupla à frente virou à esquerda em uma avenida larga, movimentada, ladeada por escritórios. Janelas de vidro cintilavam com os raios de sol à medida que eles passavam pelo prédio da câmara municipal de Ealing.

Agora, o colega de quarto, ou namorado, ou o que quer que ele fosse – vaidoso e de maxilar quadrado – d’A Secretaria estava falando com ela. Ela respondeu rapidamente e não sorriu.

Mulheres eram tão mesquinhas, malvadas, sujas e pequenas. Vadias rabugentas, todas elas, esperando que os homens as façam felizes. Apenas quando jaziam mortas e vazias na sua frente era que se tornavam puras, misteriosas e até maravilhosas. Naquele momento, elas eram inteiramente suas, incapazes de discutir ou lutar ou ir embora, suas para você fazer o que desejasse com elas. O cadáver da outra tinha ficado pesado e mole ontem, depois que ele drenou todo o seu sangue: seu passatempo em tamanho real, seu brinquedo.

Ele seguiu A Secretária e seu namorado pelo movimentado shopping Arcadia, deslizando atrás deles como um fantasma ou um deus. Será que os compradores de sábado conseguiam vê-lo, ou ele havia de alguma forma se transformado, duplamente vivo, agraciado com a invisibilidade?

Eles haviam chegado em um ponto de ônibus. Ele se demorou ali por perto, fingindo olhar através da porta de um restaurante de curry, as frutas empilhadas na frente de uma mercearia, máscaras de papelão do Príncipe William e Kate Middleton penduradas na janela de uma banca, tudo enquanto observava o reflexo do casal no vidro.

Eles pegariam o número 83. Ele não tinha muito dinheiro nos bolsos, mas estava gostando tanto de acompanhá-la que ainda não queria que isso acabasse. Ao embarcar depois deles, ele ouviu o homem mencionar Wembley Central. Ele comprou uma passagem e os seguiu escada acima.

O casal se acomodou lado a lado, bem na frente do ônibus. Ele escolheu um lugar não muito longe, próximo de uma mulher mal-humorada a quem ele forçou que afastasse as sacolas de compras. Ora ou outra, as vozes deles podiam ser ouvidas sobre o murmúrio dos outros passageiros. Quando não estavam conversando, A Secretária olhava através da janela, séria. Ela não queria ir para seja lá onde estivessem indo, ele tinha certeza disso. Quando ela afastou uma mecha de cabelo dos olhos, ele notou que ela usava um anel de noivado. Então ela ia se casar… ou assim ela pensava. Ele sorriu discretamente por trás da gola levantada da sua jaqueta.

O sol quente do meio-dia atravessava as janelas sujas do ônibus. Um grupo de homens embarcou e ocupou os assentos restantes. Alguns usavam camisetas de rugby vermelhas e pretas.

Subitamente, ele sentiu que o brilho daquele dia havia se apagado. Aquelas camisetas, com a lua crescente e a estrela, remetiam-no a coisas de que ele não gostava. Elas o lembravam de um tempo em que ele não se sentia como um deus. Ele não queria que este dia feliz fosse manchado por memórias antigas, memórias ruins, mas sua euforia de repente começou a se esvair. Nervoso – um adolescente do grupo o encarou, mas logo virou o rosto, alarmado –, ele se levantou e voltou para as escadas.

Um pai e seu pequeno filho se agarravam firme a barra do lado das portas do ônibus. Uma explosão de raiva na boca de seu estômago: ele deveria ter tido um filho. Ou melhor, ele ainda devia ter um filho. Ele imaginou o menino parado ao seu lado, admirando-o, considerando-o um herói – mas seu filho não estava mais ali, e era tudo culpa de um homem chamado Cormoran Strike.

Ele iria se vingar de Cormoran Strike. Ele iria devastar a vida dele.

Quando desceu na calçada, ele ergueu o olhar para as janelas frontais do ônibus e avistou pela última vez a cabeça dourada d’A Secretária. Ele a veria em menos de vinte e quatro horas. Essa ideia acalmou a raiva repentina que o acometeu com a visão daquelas camisetas do Saracens. O ônibus partiu com um ruído e ele tomou a direção contrária, tranquilizando-se enquanto caminhava.

Ele tinha um plano maravilhoso. Ninguém sabia. Ninguém suspeitava. E ele tinha algo muito especial aguardando-o na geladeira de casa.