The New York Times: Em “Animais Fantásticos”, Rowling oculta política em um conto de magia
Por Donizete JuniorEm uma matéria especial sobre “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, o jornal The New York Times publicou a respeito dos temas que poderão estar no subtexto da nova série.
“O novo filme não volta para Hogwarts e nem se passa na Grã-Bretanha. Em vez disso, a série, que até então era completamente britânica, se muda para o outro lado do Atlântico e volta no tempo para a Nova Iorque de 1926, quando a cidade estava dividida por muitas das mesmas falhas sociais do atual momento político, como extrema desigualdade salarial e xenofobia.”
A matéria conta com relatos do diretor David Yates e do produtor David Heyman, que juntos nesse novo projeto moldaram o roteiro original de J.K. Rowling.
“O primeiro rascunho de “Animais Fantásticos”, disse Sr. Yates, era “predominantemente sombrio e intenso e fundamentalmente mais sério”. Uma versão subsequente, ele disse, era “muito ampla e divertida, e isso pareceu bem jovem”, como se eles estivessem “só refazendo os filmes antigos”. Então, Sra. Rowling encontrou seu tom.
Leia a matéria completa e traduzida na extensão da notícia.
“Animais Fantásticos e Onde Habitam” estréia em 17 de novembro nos cinemas brasileiros.
Em “Animais”, Rowling oculta política em um conto de magia
The New York Times – 2 de novembro de 2016
Traduzido por Juliana Torres em 06/11/2016
Revisado por Lucas Souza em 06/11/2016
Quando “Animais Fantásticos e Onde Habitam” estrear no dia 17 de novembro, vai ser a primeira vez que os fãs dos bruxos e das bruxas de J.K. Rowling poderão vê-la lançando um feitiço cinematográfico que não é baseado em um de seus romances.
Estender uma amada franquia de filmes é um risco que pode emocionar uma audiência leal (“O Despertar da Força”) ou enfurecê-la (“A Ameaça Fantasma”). Com “Animais Fantásticos”, a Sra. Rowling tomou para si esse desafio, escrevendo um roteiro original que vai dar início a uma nova franquia de cinco filmes em uma nova época, um novo lugar e com um conteúdo mais maduro, refletindo tanto a vasta audiência da franquia multibilionária quanto a consciência política da autora.
David Yates, o diretor do filme – que também dirigiu os últimos quatro filmes de Harry Potter – disse que, quando ele recebeu o roteiro inicialmente, “eu estava um pouco nervoso abrindo a primeira página. Vai parecer com Harry Potter de novo? Posso voltar para Hogwarts?”.
O novo filme não volta para Hogwarts e nem se passa na Grã-Bretanha. Em vez disso, a série, que até então era completamente britânica, se muda para o outro lado do Atlântico e volta no tempo para a Nova Iorque de 1926, quando a cidade estava dividida por muitas das mesmas falhas sociais do atual momento político, como extrema desigualdade salarial e xenofobia. Em vez de um herói criança, o filme segue o adulto Newt Scamander (interpretado por Eddie Redmayne), o autor de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, livro didático fictício de 2001 da Sra. Rowling, supostamente estudado por Harry Potter e seus colegas de Hogwarts.
No filme, o “magizoologista” britânico Newt chega à Nova Iorque e contrabandeia pela alfândega uma mala mágica cheia de animais estranhos. Ele descobre a poderosa magia americana, ameaças aterrorizantes e faz alguns amigos: Jacob Kowalski (Dan Fogler), um proletariado que trabalha numa fábrica, mas que anseia ser um padeiro; Porpentina Goldstein (Katherine Waterston), uma astuta funcionária do Congresso Mágico dos Estados Unidos da América; e a irmã paqueradora, e muitas vezes subestimada, de Porpentina, Queenie (Alison Sudol). “Animais Fantásticos” é, de fato, fantástico, mas muitos temas e referências, como o índice de ameaças codificadas por cores do Congresso Mágico, são acentuadamente contemporâneas.
“Estão acontecendo coisas agora que são extremas e extraordinárias de certa forma e não refletir isso ou não explorar essas coisas seria perder uma boa oportunidade, especialmente porque nosso filme vai atingir muitas pessoas”, disse Sr. Yates.
Trabalhar sem ter um romance foi uma benção mista, disse o produtor David Heyman, que comprou os direitos para o primeiro livro de Harry Potter de J.K. Rowling e ajudou a guiar a franquia a faturar U$ 7.8 bilhões na bilheteria mundial. Pela primeira vez, ele disse, “as pessoas não sabem o que vai acontecer”.
O desafio, disse Greg Silverman, presidente de desenvolvimento criativo e produção mundial da Warner Bros., “é que você tem que entregar o que os fãs esperam, mas também tem que entregar mais”.
“O primeiro rascunho de “Animais Fantásticos”, disse Sr. Yates, era “predominantemente sombrio e intenso e fundamentalmente mais sério”. Uma versão subsequente, ele disse, era “muito ampla e divertida, e isso pareceu bem jovem”, como se eles estivessem “só refazendo os filmes antigos”. Então, Sra. Rowling encontrou seu tom.
Desde a estreia em 1997 do romance “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, na Grã-Bretanha, a audiência para o mundo mágico cresceu em números, em muitos casos, em idade. A uma vez pobre Sra. Rowling se tornou uma das autoras mais ricas do mundo, uma romancista policial com pseudônimo e uma filantropa influente. Ela abraçou sua plataforma mundial, particularmente online, onde ela critica passionalmente o movimento “Brexit” da Grã-Bretanha e Donald J. Trump.
Em um ensaio postado online em junho, “Sobre monstros, vilões e o referendo da UE” a Sra. Rowling orgulhosamente se declarou um “produto híbrido desse continente europeu” e se preocupou que “o nacionalismo está marchando através do mundo ocidental, se alimentando com os terrores que pretende acalorar”. Ela acrescentou, “olhe na direção do Partido Republicano na América e estremeça. ‘Faça a América grande novamente!’ clama um homem que é fascista em tudo menos no nome”.
Através da Warner Bros., a Sra. Rowling se recusou a comentar para esse artigo, mas de acordo com seus colaboradores, sua aversão ao nacionalismo e a sentimentos anti-imigração influenciaram o roteiro de “Animais Fantásticos”, uma escolha artística que o estúdio apoiou. “Como escritora, ela está vendo o mundo tomar uma nova forma na frente de seus olhos”, disse Sr. Yates, “o que inevitavelmente impregna seu subconsciente e se derrama na escrita”.
Ela coloca o novo filme na véspera da Grande Depressão, quando, como Ted Cruz e Bernie Sanders argumentaram, a desigualdade salarial atingiu níveis tão extremos quanto os de hoje. Em Nova Iorque, tudo mágico foi forçado ao subterrâneo, onde vivem com medo dos “No-Majs”, o termo americano para trouxas. Inspirados nos julgamentos das bruxas de Salem, os “segundos salemianos” não mágicos caçam bruxas e ensinam às crianças canções sobre como flagelar, queimar e matá-las. Há “segregação rigorosa entre comunidades No-Maj e mágica”, Sra. Rowling escreveu em um guia complementar da magia norte americana. O casamento entre os dois é proibido. Enquanto isso, a comunidade mágica está dividida entre aqueles que querem se esconder e extremistas que preferem subjugar os No-Majs.
Em um vídeo promocional para o filme, Sra. Rowling disse: “meus heróis são sempre pessoas que se sentem deslocadas, estigmatizadas ou marginalizadas. Isso está no coração de quase tudo que eu escrevo e certamente está no coração desse filme”.
Sr. Heyman disse que a “mensagem incrivelmente humanista” do filme refletia a época, mas não era nova. “Os Malfoys e Voldemort são ecos dos nazistas”, ele disse. “Esses são temas da Jo que sempre a interessaram. Agora talvez pareça mais perspicaz ou relevante, mas eu não acho que tenhamos feito um filme político com P maiúsculo. Esse é um entretenimento com temas que ressoam através do tempo. Sendo assim, alguns dos problemas que encaramos nesse filme são atemporais”.
No Twitter, Sra. Rowling postou que “Voldemort não chegou perto de ser tão mal” quanto Sr. Trump. Na nova série, o bruxo das trevas Gellert Grindewald é uma ameaça mais perniciosa e moderna, que manipula seus seguidores impressionáveis, a mídia e políticos proeminentes.
“Diferente de Voldemort, que era um bruto raivoso, a próxima iteração é muito mais letal”, disse Sr. Yates. “Ele quer ganhar os corações e as mentes de uma forma que é bem sedutora e sofisticada, mas seus valores são perigosos”. Tal novo nêmeses são “capazes de, através de puro carisma e habilidade, inspirar e hipnotizar e carregar a multidão e de levar o mundo para um lugar sombrio. É para lá que a próxima história está indo”.
Sra. Rowling e seu time já estão editando o roteiro para o segundo filme, programado para começar as gravações ano que vem e intolerância continuará a ser um tema. “O filme no qual estamos prestes a embarcar certamente continua com esse tema e o fortalece”, disse o designer de produção Stuart Craig.
Sr. Yates foi cuidadoso ao enfatizar que os novos filmes pretendem ser interessantes e agradáveis, mas mais que isso, são “fundamentalmente sobre como comunidades aprendem a viver umas com as outras ou acabam se destruindo”, ele disse. “As histórias indo adiante tem essa ambição, de uma forma que não é muito séria, e não se leva muito a sério. Há valores negativos suficientes sendo espalhados pelo mundo, seria uma vergonha não espalhar alguns bons por aí”.