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Seção Granger: “As Águas-vivas não sabem de si”, de Aline Valek

[borda1]http://cdn.potterish.com/wp-content/2017/08/21201723/AsAguasVivasN%C3%A3oSabemDeSi_Borda1.jpg[meio]Na Seção Granger desta segunda, 21, nosso editor Kaio Rodrigues traz a resenha crítica de As Águas-vivas não sabem de si, de Aline Valek, contista, ilustradora e colunista da Carta Capital.

“Aline Valek nos traz um romance maduro e bem construído, cujos detalhes e inovações se descortinam aos poucos, como ondas erodindo rochas milenares.”

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”As águas-vivas não sabem de si”, de Aline Valek
Resenha crítica por Kaio Rodrigues

Cinco pesquisadores estão confinados em uma caixa metálica no fundo do oceano. Dedicam seus esforços nos testes de um traje especial de mergulho, mas carregam, entre equipamentos e apetrechos, a dúvida sobre o que os leva até ali. Em seu romance de estreia, Aline Valek se lança em um mundo sem luz, cheio das mais curiosas formas de vida e em sua maior parte inexplorado para quem vive na superfície.

Corina, mergulhadora profissional escalada para vestir os trajes, esconde uma doença que pode pôr em risco toda sua carreira. O renomado Dr. Martin, cientista de longa data, está decidido a utilizar da expedição para completar sua própria pesquisa: acredita estar respondendo a um chamado do oceano. Seus dramas e conflitos são mediados por diálogos rápidos, mas certeiros, e pelo talento de Valek para dizer muito valendo-se do mínimo possível de palavras.

Nessa atmosfera de segredos e dilemas em que nossos personagens estão mergulhados, há ainda espaço para as criaturas das profundezas: As águas-vivas não sabem de si ancora-se também nos pontos de vista dos seres subaquáticos, que em uma odisseia que beira o fabulesco apresentam ao leitor um pouco de suas consciência e história: se a origem de tudo o que conhecemos se deu nos oceanos, não estaria nele a resposta para o segredo da vida?

Em um primeiro mergulho, a história pode parecer simplista, tal como os cinco pesquisadores. Estes nada têm em comum, mas muito lembram os arquétipos das ficções marinhas de Herman Melville (Moby Dick) e Julio Verne (Vinte mil léguas submarinas). Mas não se enganem: o que Aline Valek nos traz é um romance maduro e bem construído, cujos detalhes e inovações se descortinam aos poucos, como ondas erodindo rochas milenares.

Como em um mar de ressaca, a verdade atinge o leitor com força e de súbito. Quando cada dúvida se encontra e cada rivalidade se acirra, o leitor percebe que a maior pressão a que estão submetidos aqueles pesquisadores não vem dos 300 metros de água salgada sobre suas cabeças, mas da convivência entre ânimos tão instáveis.

Com porções bem dosadas de conflito, fica fácil viajar por esse pouco explorado universo submarino. Com a força de uma corrente marinha, Aline Valek justifica a escolha de seu pano de fundo, e guia o público para um desfecho bem construído e empolgante – ainda que não tão surpreendente.

Nessa história sobre pequenas solidões, as águas-vivas não sabem de si, assim como nós talvez não saibamos sobre nós mesmos.

295 páginas, Editora Rocco, publicado em 2016.

Kaio Rodrigues é estudante de Letras da UERJ, colunista do Potterish e editor da Seção Granger.