RESENHA: “O Bicho-da-seda”, por Robert Galbraith
Por Pedro MartinsApós pouco mais de um ano do lançamento de seu antecessor, “O Chamado do Cuco“, o segundo romance policial de J.K. Rowling escrito sob pseudônimo de Robert Galbraith chega ao Brasil e nos traz uma leitura extremamente prazerosa, digna de vários elogios.
Hoje trago a resenha crítica sem spoilers de “O Bicho-da-seda“, como vocês podem ler na extensão do texto e, é claro, registrar a sua opinião nos comentários.
Resenha crítica por Pedro Martins
Quando o escritor Owen Quine desaparece repentinamente, sua esposa Leonora procura o detetive particular Cormoran Strike para encontrá-lo e trazê-lo de volta para casa. Leonora tinha todos os motivos do mundo para acreditar que o marido somente se afastara por alguns dias e estava esperando que alguém o procurasse, inflasse seu ego, como era costumeiro e típico da personalidade do escritor, mas à medida que o veterano de guerra investiga o sumiço de Quine, percebe que não se tratava de algo tão simples como Leonora imaginava. Owen Quine acabara de concluir um livro cujas páginas estavam repletas de descrições maldosas – verdadeiras ou não – de todos aqueles que conhecia: desde sua agente literária ao dono da editora que o publicava, passando também por inimigos pessoais e até mesmo sua esposa. Desta forma, evidentemente várias pessoas poderiam ter interesse em silenciá-lo de vez.
Depois de algum tempo, Quine é encontrado brutalmente e impiedosamente assassinado, em circunstâncias estranhíssimas. Cormoran Strike em sua longa carreira nunca havia visto algo tão macabro.
“Os intestinos desapareceram, como que devorados. Tecido e carne foram queimados por todo o cadáver, aumentando a impressão abominável de que foi cozido e dele se regalaram.”
Já li todos os livros publicados de Rowling e compartilho do mesmo espanto que Strike teve. Nunca li uma descrição tão forte vinda de Jo Rowling. Creio que até mesmo o Lorde das Trevas ficaria intimidado diante de algo tão sinistro. Ah, vale lembrar que essa citação foi só uma pequena parte do todo ao qual me refiro.
A partir daí, o carismático Strike e sua fiel e talentosa parceira de investigações, Robin Ellacott, partem em uma corrida contra o tempo para descobrir quem assassinou Owen Quine. O que levou uma pessoa ser tão cruel a esse ponto?
E este é um dos pontos mais fortes do livro! A forma com que a autora nos imerge na investigação junto do detetive é algo totalmente diferente do que já li, apesar de não ser perito em romances policiais. O leitor não descobre o assassino ao mesmo tempo em que o detetive, mas percorre com ele todo o processo de arranjar provas para incriminar o(a) sanguinário(a). Nesse momento, você é apresentado a várias pistas, mas não consegue chegar a um veredicto, e se consegue, provavelmente o faz de forma errônea. Em outras palavras, “O Bicho-da-seda” tem um final muito mais surpreendente que seu anterior, e isso é bom ao se tratar de um livro deste gênero.
O talento de Rowling de fato é indiscutível, a autora acerta escrevendo literatura fantástica e romances adultos, mas seu pseudônimo também surpreende no gênero policial, e no segundo romance de Galbraith há uma evolução não só na narrativa, mas principalmente no desenvolvimento da trama em si. É ótimo ver a autora explorando outro gênero e evoluindo nele, devemos parabenizá-la!
Apesar deste livro se passar poucos dias após dos acontecimentos finais de “O Chamado do Cuco”, no mesmo cenário, e haver várias menções ao caso Lula Landry e a outros fatos revelados anteriormente, ele não é uma continuação do primeiro. Não faz-se estritamente necessário a leitura do anterior para o entendimento deste, mas eu recomendo fortemente que você leia, sim, na sequência, pois “O Chamado do Cuco”, apesar de girar sobretudo ao redor do caso Landry, é uma ótima introdução à série: há várias ótimas informações sobre os personagens e… como não amar Strike e Robin?
Outro ponto forte também é a questão de como os personagens principais são retratados. Em “O Bicho-da-seda”, podemos conhecer mais sobre o lado pessoal de Strike e de Robin. A amizade dos parceiros de trabalho se intensifica neste livro, mas a relação entre a amável Robin e o incompreensível parceiro Matthew passa por algumas turbulências. Veja bem, não estou fazendo referência a nenhum relacionamento amoroso entre os protagonistas, uma vez que a própria Rowling já se pronunciou sobre o assunto em seu Twitter e eu compartilho da mesma opinião:
.@MudbludGranger No, it makes me very happy that you do! They are my very favourite non-couple, but ship hard enough and who knows?
— J.K. Rowling (@jk_rowling) 22 novembro 2014
Fã: “Querida @JK_Rowling, é ruim que eu shipo Strike e Robin nos romances policiais do seu amigo Robert? Com amor, Belle.”
J.K. Rowling: “Não, isso me faz muito feliz! Eles são o meu mais favorito par não-casal, mas shipe forte o suficiente e quem sabe?”
O cenário em que se passam ambos os livros é totalmente bem descrito e nos deixam com aquela vontade imensa de visitar Londres, especialmente alguns locais que possuem mais foco ao decorrer da história. Vocês já foram à Denmark Street para conferir se o escritório de Cormoran Strike realmente existe?! Quando eu for a Londres, não deixarei de visitar essa rua!
Por se tratar de um livro com forte abordagem de temas literários, arrisco-me a dizer que qualquer fã de livros irá amar a leitura, que nos leva a livrarias, festas e agências literárias, editoras, entre outros, além de nos apresentar a personagens envolvidos no mercado editorial, de escritores a funcionários de uma editora.
“Se quiser amizade eterna e camaradagem desprendida, entre para o exército e aprenda a matar. Se quiser uma vida de alianças temporárias com colegas que se regozijarão a cada fracasso seu, escreva romances.”
A menção a alguns acontecimentos ao longo da narrativa, como o noivado do Príncipe William com Kate Middleton, revela que a história se passa em 2010, mais especificamente no final do ano. Ainda não sabemos o porquê de Jo Rowling ter escolhido esse período para as aventuras de Strike, o que dá material para muita especulação. Tenho minhas próprias teorias, mas não vou me estender nisso.
Quanto ao trabalho feito pela Editora Rocco na edição nacional da obra, fisicamente ele ficou perfeito! Existem disponíveis versões em capa dura, brochura e eBook do livro, assim como do seu anterior. Diferentemente das tão criticadas edições de “Harry Potter”, desta vez a Editora fez uma diagramação com letras grandes o suficiente, um ótimo espaçamento e a impressão em papel pólen, o que agrada bastante os leitores. Em se tratando da edição textual, há sim alguns escorregões na tradução e na revisão, mas nada que o impeça fortemente de ter uma boa degustação da história.
Não gosto de indicar tempos de leitura a um livro, porque, principalmente quando se trata de uma obra que gosto, de um autor favorito, quero economizar o livro ao máximo (bookaholics entenderão), mas a trama de “O Bicho-da-seda” é extremamente envolvente e você não passará muito tempo lendo-o!
461 páginas, Editora Rocco, publicado em 2014.
Título original: “The Silkmorm”.
Tradução: Rita Vynagre.
Pedro Martins é estudante, leitor, Webmaster do Potterish e resenhista do The Guardian.