A colunista do Potterish Débora Jacintho está fazendo uma pesquisa sobre a representação da magia e da História em ‘Harry Potter’ e compartilha conosco a introdução desse trabalho, despertando indagações e pontuando certos aspectos da trama.
O que fica claro é o cuidado de Rowling ao criar um universo passado no mundo mágico, misturando elementos ficcionais com a nossa História ‘real’. Confira a coluna e deixe seu comentário!
por Débora Jacintho
Esta coluna se construiu a partir de um projeto de monografia apresentado em uma disciplina da faculdade, Metodologia da História. O projeto buscava comparar aspectos apresentados na obra de Harry Potter com representações e simbologias de magia presentes ao longo da História. O que será apresentado a seguir é uma adaptação da introdução e objetivos do trabalho, e tem a pretensão não de dar conclusões prontas, mas de despertar questões e indagações acerca do assunto. Espero que gostem!
Harry Potter tornou-se um fenômeno mundial. Milhares de pessoas de todos os cantos do mundo já leram algum dos livros ou assistiram aos filmes. JK Rowling criou um mundo mágico, e pode se perceber alguns aspectos recriados da ideia de magia, e até das próprias criaturas e objetos mágicos. O objetivo deste projeto é analisar o modo com que a autora recria um passado tratado como mágico, e como isso seria uma crítica ou fuga da realidade moderna.
O impacto da série no mundo foi muito grande, sendo que foram criadas várias relações entre aspectos dos livros e o mundo real. Pode-se analisar e comparar esses aspectos, com fatores do próprio passado real. Outra abordagem a ser feita é a representação dada aos bruxos e magos na série e na História. Podem ser buscados relatos de representações de bruxos em vários períodos para buscar um paralelo com o universo criado por JK Rowling. Questões acerca de como as representações mudaram, e como as novas representações refletem uma “fuga da realidade” da atualidade, ou uma mistificação da modernidade são aspectos a serem indagados.
Através de Harry Potter, o passado mágico voltou a ter destaque, devido a relações feitas nas próprias obras. No Prisioneiro de Azkaban, há um trecho em que se fala um pouco da queima de bruxas na inquisição. O trecho se apresenta como parte de do livro de História da Magia, disciplina ministrada na escola de Hogwarts. Há outras menções também, ao longo dos livros, de outras realidades relacionadas ao passado “real”, como aparições de personagens como Nicolau Flamel, Merlin (também presentes nas representações de magia da história), além de resgate de criaturas de mitologias antigas.
A questão central é a de como se relacionar as obras de Rowling, com seus conceitos e representações de magia, com as representações de magia feitas no passado. Procurar-se-á, então, analisar o quanto as representações de bruxaria e magia mudaram, e em que sentido mudaram.
O trabalho de pesquisa começará indagando acerca da questão da bruxaria na Idade Média, com o ideário, os simbolismos e a perseguição. Há relatos acerca dessas visões em relatórios feitos pela inquisição sobre o tipo de bruxaria praticado, e as punições.
Quanto à questão da bruxaria na Idade Média, há uma citação em um trecho do livro O Prisioneiro de Azkaban. No trecho, o personagem Harry está estudando um livro de História da Magia, e se depara com um parágrafo acerca da bruxaria na época medieval. Segue o excerto:
“Os que não são bruxos (mais comumente conhecidos pelo nome de trouxas) tinham muito medo da magia na época medieval, mas não tinham muita capacidade para reconhecê-la.”
Seguiria uma diferença então, a partir do trecho, da construção que Rowling faz acerca dos bruxos de verdade em relação aos que não eram de verdade (no livro). Os bruxos que não eram reais entrariam na questão do simbolismo com que as pessoas tinham acerca desse tema – algo pouco conhecido e temido. Assim, a visão magia na Idade Média pode ser considerada a partir principalmente das crenças populares.
Paula Montero, em seu livro Magia e Pensamento Mágico (Montero, 1985), aborda a questão da magia na Antropologia. Ela faz uma análise comparativa entre representações de magia e religião, e tece argumentos no sentido de envolver questões de individualidade e coletividade. É importante constar uma análise nesse caminho, no sentido de justificação quanto ao interesse das pessoas nas questões de magia e misticismo.
Além de analisar a obra de JK como um todo, pode-se falar um pouco da questão dos contos de fadas. No último livro de Rowling, As Relíquias da Morte, nos é apresentado o livro Os contos de Beedle, o Bardo, livro deixado por Dumbledore de herança para Hermione. São contos que, segundo a descrição, eram lidos por gerações de famílias bruxas para os filhos. Rony afirma “(…) todas essas velhas histórias vieram de Beedle.”, ou seja, não se sabe direito a origem, nem como eles seriam em suas versões originais. Podemos ver um paralelo com os contos de fadas atuais, os quais se atribuem aos Irmãos Grimm a autoria por boa parte deles.
Para complementar a aparição dos contos no sétimo livro, JK Rowling criou e publicou o próprio Os Contos de Beedle, o Bardo, com direito às “versões originais” daqueles contos tradicionais. Assim, podemos fazer uma análise neste ponto, também para falar sobre recriação e re-atualização de um passado mágico, comparando o tratamento aos contos de fadas, tanto em Harry Potter quanto na “vida real”.
Após esse breve relato, conclui-se que a abordagem pode ser extensa, devido ao número de fontes disponíveis. Assim, o objetivo desta coluna foi o de fazer uma análise introdutória sobre o assunto das representações de magia em Harry Potter, comparando com as representações do passado. Com isso, pode-se tecer algumas conclusões, mas não definitivas, sobre o significado desta questão para a modernidade. Caberá ao leitor agora verificar essas questões e analisar se a retomada desse passado mágico representaria uma crítica ou apenas uma mistificação da realidade moderna.
Débora Jacintho é a verdadeira autora de ‘Hogwarts, uma História’.