Ocorreu ontem o lançamento do mais novo livro de J.K. Rowling – que há quatro anos, com Os Contos de Beedle, o Bardo não publicava uma nova obra -, o romance para adultos The Casual Vacancy. Entre positivas e negativas, as primeiras resenhas do livro já começaram a ser publicadas lá fora.
É raro ver um escritor que você pensa que conhece bem se desdobrar em uma nova dimensão com esta, uma dimensão que você sequer suspeitava existir. The Casual Vacancy é, de uma forma engraçada, não tanto uma extensão dos livros de Harry Potter como a sua imagem negativa: é um mundo dolorosamente arbitrário e perdido, um mundo que, privado como é da magia que anima e enobrece Hogwarts, afunda e racha sob o seu próprio peso.
Publishers Weekly TIME The Scotsman |
Washington Post The Guardian The Independent |
Entertainment Weekly LA Times NY Daily News The Telegraph |
A tradução completa desta e outras resenhas podem ser conferidas nos links acima. No decorrer dos próximos dias estaremos atualizando a notícia com novas resenhas, conforme estas forem publicadas, portanto: vigilância constante!
Confira aqui a data de lançamento do livro no Brasil. Também não deixe de conferir um relato de quem esteve no evento de lançamento com a autora através deste link.
- POSITIVAS
Novo livro de J.K. Rowling: não é o Harry Potter de seus filhos
People Magazine ~ Elizabeth Gleick
27 de setembro de 2012
Tradução: Daniel Mählmann
Um milhão de cópias adquiridas na pré-venda. “50 Tons de Cinza” e “No Easy Day” caíram do topo das listas dos mais vendidos. Quase não importa se o novo livro de J.K. Rowling é bom: para os fãs famintos, sem material da amada autora de Harry Potter desde 2007, a publicação de 27 de setembro do livro “The Casual Vacancy”, seu novo romance – proibido para crianças! – oferece esperança e literatura mágica inédita para agitar seus mundos.
Bem, nós não estamos mais em Hogwarts. Estamos, no entanto, em uma espécie de Little Whinging, casa dos parentes detestáveis do jovem Harry, os Dursley – só que em The Casual Vacancy a cidade inglesa provinciana cheia de adultos monstruosos e adolescentes miseráveis é chamada de Pagford, e não há nenhum Hagrid para aparecer em uma motocicleta e nos levar a um lugar mais divertido.
Descrito na pré-publicação como um “comédia de costumes”, The Casual Vacancy não é assim tão engraçado. Ao contrário, é um livro duro e ambicioso, cheio de mágoa e comentários sociais amargos sobre a presunção dos ricos e o desespero dos pobres. Já mencionamos que esse não é um livro para crianças?
Em 503 páginas, Rowling toca em uma litania de problemas modernos. Bullying? Está lá. Auto-flagelação? Está lá. Ansiedade debilitante? Também. Racismo, estupro, vício em heroína, decepção, morte – está tudo aqui, amarrado em um conto primorosamente traçado e densamente povoado sobre a intriga de uma pequena cidade.
O título do livro refere-se a uma posição no Conselho Paroquial de Pagford deixada vaga após um membro, o bem-intencionado Barry Fairbrother, cair morto inesperadamente nas primeiras páginas. Enquanto vários moradores anseiam substituí-lo, uma feia divisão surge entre aqueles que querem se livrar do Fields, um conjunto habitacional em ruínas (jeito britânico de se referir a casas de baixa renda) nos arredores da pitoresca cidade, e aqueles que simpatizam com as famílias de baixa renda do Fields, especialmente a adolescente Krystal Weedon, a filha de um viciado.
Apesar de temas difíceis e talvez 50 páginas extras, Rowling produziu uma leitura viva com grandes personagens memoráveis e um final verdadeiramente emocionanante; aquelas mais de 400 milhões de cópias vendidas dos livros de Harry Potter não foram nenhuma coincidência.
Rowling capta a humanidade em todos, mesmo quando essa humanidade não tem uma boa aparência. E – embora a criação de Harry Potter tenha sido mais do que suficiente – se Rowling queria convencer o mundo de que ela pode lançar outros feitiços, ela conseguiu.
Resenha: The Casual Vacancy
Publishers Weekly
27 de setembro de 2012
Tradução: Renato Ritto
The Casual Vacancy, de J.K.Rowling (Little Brown) $35 (540 páginas) ISBN 978-0-316-22853-4
A primeira coisa a ser considerada é que o primeio livro adulto de Rowling é muito diferente de outros livros de Harry Potter, que a fizeram rica e famosa. É decididamente não-mágico: a coisa mais próxima de bruxaria é a habilidade de hackear o site amador do Conselho Paroquial de Pagford. Ao invés de uma batalha pela dominação mundial, há uma luta por um assento repentinamente vazio no Conselho, a vaga do título. No entanto, apesar da falta de capas da invisibilidade e penseiras, Pagford não é tão diferente do mundo de Harry. Há uma enorme divisão entre os que tem dinheiro e os que não o tem – os residentes de Fields, o povoado que o conselho quer empurrar para um outro povoado vizinho. Quando o Conselheiro Barry Fairbrother – nascido em Fields, mas agora, um habitante de Pagford de classe média – morre repentinamente, a luta fica mais feia. Na pequena Pagford, e em sua escola, que atende a ricos e pobres, todos estão conectados: a turbulenta adolescente Krystal Weedon, uma garota que faz com que sua família da classe trabalhadora continue junta, dorme com o filho de seu orientador, de classe média; a assistente social que acompanha o caso da mãe de Krystal, metida nas drogas, começa a sair com o pai adotivo do filho do maior inimigo, no Conselho, do homem morto; o medico da bisavó de Krystal era o aliado mais próximo de Fairbrother; as filhas do doutor e da assistente social trabalham juntas, juntamente com o melhor amigo do cara que dormiu com Krystal; e assim vai. Rowling é implacavelmente competente: todas essas pessoas e seus ódios e esperanças são estabelecidas e depois se misturam. Segredos são revelados, relacionamentos se torcem e acabam e o livro rola em direção ao seu clímax horrível e lógico, com muita autoconfiança. Como em Harry Potter, as crianças cometem erros e se juntam por uma causa comum, acompanhadas aqui por adultos, alguns maliciosos, alguns tentando e ainda assim falhando. Sem tanta magia, porém, o bem e o mal são deprimentemente humanos, e se por um lado as personagens são todas bem desenhadas e críveis, por outro elas não são muito divertidas. Agente: The Blair Partnership (27 de Setembro).
The Casual Vacancy, de J.K.Rowling: Nós lemos, e aqui está o que achamos
TIME ~ Lev Grossman
27 de setembro de 2012
Tradução: Renato Ritto
Não é realmente possível abrir The Casual Vacancy sem um monte de expectativas, ambas altas e baixas ao mesmo tempo entrando em conflito em seus cérebros e distorcendo suas visões. Eu não sei se é possível, ou até mesmo desejável, evitá-las. Eu sei que tinha um monte de, vamos chamar assim, sentimentos, quando abri o livro (o que aconteceu em um sábado de manhã; nem pergunte; eu trabalho para a repartição da indústria-militar-do-entretenimento, vamos dizer assim). Gastei muitas, muitas horas lendo o trabalho de Rowling. Eu sou conhecido por ser fã de Harry Potter.
Eu também conheço o bastante de análise especializada de literatura para saber que as probabilidades do livro ser bom não eram pequenas. Um monte de autores infato-juvenis, incríveis, tentaram colocar o dedo na literatura de ficção, e nem todos foram um sucesso. Nem mesmo Roald Dahl poderia mudar seu estilo, e não por falta de tentativas. Todas as evidências disponíveis sugerem que é um tipo diferente de talento. O maior exemplo de sucesso que consigo pensar é T. S. Eliot que escreveu The Waste Land e também Old Possum’s Book of Practical Cats. E esse nem é um bom exemplo.
Mas depois de algo perto de dez páginas de The Casual Vacancy, eu comecei a esquecer sobre tudo isso, e também sobre os rumores online sobre o quanto o livro era incrível ou terrível ou que tinha muito sexo. Esqueci sobre como eu teria que escrever uma resenha de um livro de 500 páginas em três dias. Esqueci sobre tudo, exceto sobre as páginas à minha frente. Porque eu havia sido preso pelo feitiço de um grande romance.
O que me surpreendeu sobre The Casual Vacancy não era apenas o quão bom ele era, mas o modo como ele era bom. Eu suponho que esperava um tipo de Harry Potter crescido e sem mágica, alguma coisa que mostrasse as mesmas forças que os livros de Harry Potter mostravam: a trama meticulosa de Rowling, sua inventividade, seu amor por travessuras, seus personagens super gostáveis, sua habilidade para espetáculos visuais. Eu também esperava que o livro mostrasse suas fraquezas, porque todos os autores tem as suas. Sim, eu sou um fã, mas eu ainda penso que os livros Potter tem muitos advérbios e sexo de menos.
Mas The Casual Vacancy é um animal totalmente diferente. Não era o que eu estava esperando. É um romance da contemporâneidade inglesa grande, ambicioso, brilhante, profano, engraçado, profundamente perturbador e magnificamente eloquente, rico em inteligência literária e totalmente desprovido de besteiras, e se não fosse por medidas rigorosas da segurança de Rowling, seria o ganhador, ou pelo menos deveria ter disputado, o Booker Prize. Esse é um livro de mudança profundo de alguém que entende, tanto seres humanos, como romances, de uma forma muito, muito profunda. É como se Rowling fosse um animago, exceto que ao invés de ela se transformar em um veado ou em um cachorro ou qualquer coisa assim, ela se transforma em Ian McEwan.
Antes de entrar no enredo de The Casual Vacancy, quero chamar uma personagem em particular, um estudante sarcástico e de fala inteligente chamado de Fats (Gordo), porque ele é um ponto de comparação instrutivo. Tendo lido todas as quatro mil e tantas páginas da série Harry Potter, penso que tenha ouvido a maior parte do que Rowling tinha a dizer sobre o funcionamento interior de garotos adolescentes. Eu estava errado. Aqui está Fats fugindo da escola – ele usa seu uniforme “com o desdém de um condenado” – e pensando sobre sua vida e sua obsessão pelo que chama de autenticidade:
“O erro que 99% da humanidade tinha, na concepção de Fats, era ter vergonha do que eram; mentindo sobre isso e tentando ser uma outra pessoa. A honestidade era a moeda, a arma e a defesa de Fats. Assusta outras pessoas quando você é honesto; as choca. Outras pessoas, Fats havia descoberto, estavam atoladas em constrangimento e pretensão, com medo de que suas verdades pudessem vazar, mas Fats era atraído pela crueza, por tudo o que era feio, mas honesto, pelas coisas imundas pelas quais os gostos de seu pai se sentiam humilhados e repugnados. Fats pensava muito sobre Messias e os Párias; sobre homens rotulados de loucos ou criminosos; nobres desajustados pelas massas sonolentas.”
Fats, como muitos adolescentes, captou uma verdade e, em seguida, cometeu o erro de acreditar que fosse a verdade inteira. Ele poderia estar falando sobre Harry Potter nesta última sentença – messias, párias, nobres desajustados – mas onde Harry vive uma fantasia (magia é real, e ele é O Escolhido), Fats deve se coordenar entre a realidade e a fantasia, o que é uma tarefa muito diferente, de fato. Muito antes de você chegar aos “seios esplêndidos… e a vagina milagrosamente desprotegida” das garotas que Fats irá encontrar mais tarde para uma transa rígida e apressada em um cemitério, você sabe que não está mais em Hogwarts, ou mesmo em seu esconderijo de pecados chamado Hogsmeade.
Jane Austen uma vez aconselhou um escritor jovem de que “três ou quatro famílias vivendo numa aldeia do campo constituem material suficiente para se fazer um romance”. Rowling está nos planos de Austen aqui. The Casual Vacancy se passa em uma cidade inglesa pequena e pitoresca chamada Pagford. Tudo começa com a morte repentina de Barry Fairbrother, um membro do Conselho Paroquial de Pagford, que está preso em uma luta interna com os Fields, um conjunto habitacional de baixa renda, na fronteira com uma maior e menos lapidada vizinhança Yarvil. Alguns Pagfordianos ressentem-se do fardo que é Fields, os crimes insignificantes e os viciados que precisam de reabilitação e as crianças que precisam de educação, e querem que Fields seja re-zoneada e faça parte de Yarvil, para que possam terminar com isso. Barry era simpatizante com os Fields, mas sua morte cria uma abertura no conselho – o termo técnico é “casual vacancy” (título do livro) – e, em sua pressa indecorosa para preenchê-la, Pagfordianos dos dois lados expõe suas vidas interiores cuidadosamente escondidas . (Rowling pode ou não estar provocando os fãs quando escreve que “eles viram aquilo não como um espaço vazio, mas como um bolso de um mágico, cheio de possibilidades.”)
Baseado neste fragmento apenas, The Casual Vacancy parece ser uma sátira social leve, um cutucão nas fraquezas e hipocrisias de uma cidade pequena, mas Rowling sempre foi mais ambiciosa do que isso. Seu interesse está nos abismos emocionais e sociais que bocejam entre nós, e nas feridas emocionais grotescas que infligismos sobre aqueles do outro lado, sempre acreditando que estamos agindo em uma autêntica auto-defesa.
Rowling organiza seus personagens não em fileiras opostas perfeitas, mas em uma teia complexa. Entre os cidadãos sólidos encontramos Colin, um vice-diretor neurótico (e pai adotivo de Fats) que quer continuar o trabalho de Barry; Howard, dono de uma padaria gourmet e líder do movimento anti-Fields, e que é tão gordo e desagradável quanto Válter Dursley, e menos engraçado; Miles, filho de Howard e parceiro de negócios de Barry, a quem Howard está preparando o lugar vazio; Kay, uma assistente social que visita famílias em Fields, incluindo a de Krystal (a dos seios esplêndidos), com quem Barry treina remo. É nesse emaranhado confuso – e isso é cerca de apenas um quarto do emaranhado completo – que se vê mais claramente a mão paciente que construiu o mundo de Harry Potter, um universo ficcional tão detalhado e crível que uma geração inteira tem praticamente escolhido viver por lá. (Ninguém escolheria viver em Pagford. Mas infelizmente, já fazemos isso.)
Ninguém consegue ficar cinco minutos sem mentir para alguém ou para si mesmo – o costume psíquico de Pagford consiste em “coisas negadas, coisas não ditas, coisas escondidas e disfarçadas” – e quando conseguem ao menos tentar dizer a verdade, descobrem que as ferramentas em suas mãos, palavras, são lamentavelmente inadequadas para a tarefa. Rowling, por outro lado, mostra uma destreza nova na escrita, um equipamento extra verbal que até agora estava mantendo em reserva: um preservativo usado na grama é “o casulo tênue de um buraco enorme”; dedos de uma velha são “um punhado de articulações do dedo salientes cobertos de manchas de pele de leopardo.” Etc.
Em Pagford, todo mundo acredita que é o herói da história, mas enquanto o ponto de vista do romance impacientemente se desloca, vemos cada personagem se reformar de novo e de novo como vilão, vítima, tolo, amante, aliado, traidor. A sexualmente precoce Krystal é uma filha de Fields, e cada lado a usa para espancar o outro: ela é uma história para se ter mais cuidado, um modelo de educabilidade, uma valentona, uma irmã ferozmente leal que é a única coisa que mantém sua família unida. A verdade é que ela é todas essas coisas. (A história de Krystal e de sua tribo destruída é totalmente a coisa mais dolorosa do livro. Sua mãe, Terri, é uma viciada em heroína, e interpreta um vilão na maior parte do livro, até que Rowling nos leva para dentro do seu ponto de vista e nos mostra porque ela tem que “estar alta” (no sentido de estar drogada), para o caso de ela desmoronar novamente.) Conforme a votação de quem ocupará a vaga se aproxima, a luta entra em uma saraivada de golpes. Empregos, casamentos, reputações e as próprias pessoas entram em uma briga. Rowling sempre teve uma disciplina brutal e não erudita – esta é a mulher que matou Edwiges – e não faz rodeios aqui. E não há um Dumbledore para entrar em cena no final e dar a tudo um significado e declarar um vencedor moral.
É raro ver um escritor que você pensa que conhece bem se desdobrar em uma nova dimensão com esta, uma dimensão que você sequer suspeitava existir. The Casual Vacancy é, de uma forma engraçada, não tanto uma extensão dos livros de Harry Potter como a sua imagem negativa: é um mundo dolorosamente arbitrário e perdido, um mundo que, privado como é da magia que anima e enobrece Hogwarts, afunda e racha sob o seu próprio peso. Depois de sua união furtiva e melancólica com Krystal, no pós-coito, Fats pensa, “Ele desejou que pudesse simplesmente ser transportado, nesse instante, para seu quarto no sótão.” Harry apenas aparataria para lá. Mas Fats, como o resto de nós, tem que tomar o longo caminho para casa.
Resenha: The Casual Vacancy de JK Rowling
The Scotsman ~ David Robinson
27 de setembro de 2012
Tradução: Marina Anderi
O editor de livros da The Scotsman, David Robinson, escreve resenha sobre o romance adulto de J.K. Rowling.
Era uma vez… quando eu era repórter em treinamento, o trabalho que eu mais odiava era cobrir encontros de conselhos paroquiais.
Sempre era uma tarde perdida. Conselhos paroquiais nunca tiveram nenhum poder de verdade e até hoje não têm. O melhor que eu podia esperar seria uma história sobre reparar o relógio florido da cidade ou repintar os pontos de ônibus ou reclamações sobre a sujeira dos mictórios públicos. Eu não era Woodward e Bernstein.
Enquanto eu sofria com minha inadequada tarefa para fazer minha parte na sociedade civil, nunca suspeitei que pudesse haver algo remotamente interessante sobre as mesquinhas políticas paroquianas acontecendo à minha frente. The Casual Vacancy, de J.K. Rowling, me faz perceber o quão errado eu estava.
Seu primeiro romance em cinco anos e o primeiro a ser direcionado inteiramente a leitores adultos é desafiadoramente diferente de seus livros Harry Potter. Ao invés da fantasia e a inventividade deles, aqui ela se limita inteiramente a menores quadros – um conselho paroquial na cidade fictícia de Pagford em seu nativo país ocidental. Dessa aparentemente pouco promissora premissa, ela constrói um excelente, e ocasionalmente emocionante, livro de humor negro.
Ele começa com uma morte. O membro de um conselho paroquial, Barry Fairbrother – quarenta anos, pai de quatro filhos – está levando sua esposa ao restaurante do clube de golf para celebrar seu 19º aniversário de casamento quando ele cai morto no chão do estacionamento devido a um aneurisma.
A notícia se espalha pela cidade.
Pagford é aparentemente um abrigo burguês, com toda a história e cestas suspensas. Há, porém, em seus limites, um ofensivo projeto de habitação local em propriedade rural ironicamente denominado de Os Campos. O líder do conselho, Howard Mollison, está determinado a expulsar Os Campos para um conselho vizinho e fechar a clínica de vícios – muitos residentes contam com o local. Nessa questão, ele estava implacavelmente no lado criticado por Fairbrother, que tinha crescido n’Os Campos, mas com sua morte o plano de Mollison se torna muito mais provável de acontecer.
Não obstante, há bem mais em The Casual Vacancy do que esse breve resumo sugere. Em primeiro lugar, por causa do que Rowling viu (e eu nunca percebi) sobre conselhos paroquiais: que embora eles possam parecer uma coisinha sem propósito, esse é exatamente o ponto. Essas não são festas políticas, mas as políticas de egos e amizades, de família e relacionamentos, que são ainda mais fascinantes.
Em segundo lugar, aquela eleição para o sucessor de Fairbrother é em si apenas o mais simples andaime para o que Rowling está realmente construindo, apenas uma desculpa para sua exploração de segredos e mentiras de cidades pequenas. Um retrato de Pagford detalhado, fascinante, de longo alcance e interligado de uma vez só.
Nós já sabemos, por causa de Harry Potter, sobre a notável habilidade de Rowling de lidar com um enredo complexo e uma grande leva de personagens ao mesmo tempo. Aqui isso funciona igualmente de forma eficiente, especialmente quando o verdadeiro motor do enredo é ligado: uma aparente campanha para influenciar o resultado da eleição através do hackeamento, feito pelo O_Fantasma_de_Barry_Fairbrother, do site de conselho, postando uma série de revelações profundamente prejudiciais tanto aos membros do conselho quanto aos candidatos.
Dos dois lados do debate, a Pagford Contra-Os-Campos é mais facilmente (muito facilmente?) satirizada. Mollisson é superficialmente amigável e alegre, mas sua devotada esposa, Shirley, ama fofocas, em sua maioria preconceituosas e de deferência. O filho advogado dele, Miles, pode ser inútil, mas sua esposa, Samantha, é o tipo de anfitriã que deliberadamente pensa em perguntas desagradáveis para encurralar seus convidados.
Com os pró-Campos, Rowling mistura humor negro com empatia. Certamente, eles têm bem mais com o que lidar devido a seus filhos: o vice-diretor da escola secundária Colin Wall é atormentado por seu filho, Fats (Gorduras), que está determinado a viver sua vida o mais “autenticamente” possível, o que frequentemente consiste em caçoar grandemente de seu pai, cuja carreira está praticamente destruída por causa de um distúrbio nervoso.
Então há outra grande amiga de Brian Fairbrother, Parminder Jarwanda, a clínica geral local: dois de seus três filhos estão indo bem na escola, mas sua filha Sukhvinder, que sofre bullying no Facebook e no Twitter – feito por Fats – devido ao seu peso e sua aparência, está ficando para trás e começando a se auto-injuriar.
Andrew Price – cujo pai, tipógrafo, se candidatou para o lugar no conselho porque lhe falaram (erroneamente) que o cargo te oferece oportunidades que dão muito dinheiro em termos de propina – também tem uma vida difícil: seu pai não apenas caçoa de seu rosto coberto de espinhas, como também o ataca frequentemente com seus punhos.
Principalmente, há Krystal Weedon. Quando a Pagford burguesa olha para ela, vê alguém de quem querem seus filhos longe. Para eles, ela é a encarnação d’Os Campos: promíscua, insolente com seus professores, violenta dentro e fora do parquinho. Em sua pressa ao julgá-la, eles não veem como ela se tornou assim, como ela pode estar apenas bancando a valentona para manter sua mãe viciada em drogas longe do traficante local ou, se ela tem falhado em fazer isso, para cuidar de seu irmão mais novo, Robbie, enquanto sua mãe está em sua brisa de heroína.
Pense de novo naqueles livros de Harry Potter e lembre-se o quão precisamente Rowling mapeou o progresso de suas personagens durante a adolescência deles. Aqui, há uma similar precisão emocional sobre esses momentos nas vidas de seus adolescentes de Pagford quando eles se aproximam do perigo real, de si mesmos e da sociedade em geral. E dessa vez – porque estamos lidando com a realidade, não com a fantasia – nem sempre acaba com felizes para sempre.
Devido ao fenomenal sucesso mundial de Rowling, haverá vários críticos por aí que mal podem esperar para destruir gradualmente a reputação literária dela. Eu não sou um deles. Embora ela não seja uma ótima estilista – sua prosa é mais rara do que durável – seu retrato de Pagford tem coerência, integridade e, especialmente nas partes em que vemos as personagens todas juntas, uma deliciosa interligação.
É mais vulgar, frio (e, ocasionalmente, mais engraçado) do que eu esperava, e – o teste crítico – eu suspeito que as vendas iriam bem mesmo que o nome da autora não fosse J.K. Rowling.
- INTERMEDIÁRIAS
Resenha de ‘The Casual Vacancy’: O Muito Esperado Novo Livro de J.K. Rowling
Huffington Post ~ Andrew Losowsky
27 de setembro de 2012
Tradução: Marina Anderi
Aqui está o que a maioria das publicações dirá sobre o primeiro livro adulto de J.K. Rowling: não é para crianças. Contém palavrões, estupro, racismo, pornografia, auto-injúria, suicídio, violência doméstica, uso de heroína e maconha, uma personagem que contempla abuso infantil e descrições explícitas de sexo.
Mas nada disso é de graça. Focar nesses elementos faz esse, no geral, inofensivo livro parecer estar no patamar de Trainspotting – Sem Limites ou Laranja Mecânica. Não está.
Ao invés disso, “The Casual Vacancy” é, no real, um livro bem escrito que tem como tema central a responsabilidade por aqueles menos afortunados, todo o tempo impregnado com os sempre presentes temas britânicos de classe e noções de propriedade.
A vida interiorana britânica é bem literalmente provinciana. Como se é mostrado em grande parte da literatura britânica, de Austen até McEwan, é cheia de milhares de ressentimentos mesquinhos e desejos secretos que ocupam as mentes dos mais entediados. E tédio mais ressentimento resultam em drama.
Em “The Casual Vacancy”, a vida diária da cidade fictícia de Pagford é sacudida logo no início do livro com a morte de Barry Fairbrother, um membro local do conselho, técnico da equipe feminina de remo local e um adepto da responsabilidade local e civil de a local em nome dos moradores d’Os Campos, o projeto de habilitação local onde Fairbrother cresceu.
Sua morte dá a seus inimigos no conselho, liderados pelo dono de iguarias local, Howard Mollison, uma oportunidade de eleger um substituto amigável – sua chegada quebraria o impasse de votação no conselho e, através de uma cuidadosa divisão de distritos, tornaria possível colocar Os Campos para fora de Pagford. Isso, junto com o fechamento da clínica local de metadona, ajudaria, nos olhos deles, a restaurar Pagford para uma existência idílica, de classe média, sem pobreza.
No entanto, Mollison e sua detestável família não haviam contado com as forças combinadas da assistente social Kay, do doutor Parminder e dos filhos dos vários adultos mais desagradáveis da história, em sua maioria, cujas próprias motivações servem para enfraquecer os melhores planos de trouxas e homens.
Certamente não chega como surpresa que Rowling sabe como escrever um enredo mirabolante e envolvente, e o “vácuo” (vacancy) causado pela morte de Barry Fairbrother é nada mais do que um fator motivados para as numerosas ações que se seguem. Assim como a Pedra Filosofal e o Cálice de Fogo não são centrais para a narrativa de Harry Potter, a eleição em si se torna nada mais do que uma desculpa para intenção dramática.
Deixando o início de lado, o enredo é muito focado em personagens em individual e suas interações ao invés dos eventos externos, Rowling certamente não alivia nas críticas em suas descrições. As personagens adultas são em sua maioria pessoas desagradáveis que são motivadas por interesse próprio e vitórias mesquinhas. Os homens em particular são, com poucas exceções, frequentemente misóginos violentos, enquanto as mulheres são em sua maioria fracas e possuem auto-aversão (embora ao menos algumas delas sejam bem intencionadas.)
Agradáveis ou não, esses adultos parecem estar incrivelmente seguros e mostram entender todas as suas motivações dramáticas. De fato, a clareza da terceira pessoa autorial é uma das fundamentais fraquezas do livro, revelando um nível de cálculo por trás de casa decisão que mal parece crível, e sem as ambiguidades que poderiam deixar acreditáveis essas personagens e suas decisões.
Contudo, as verdadeiras estrelas desse livro são os adolescentes, cujas vidas são vividas em paralelo com as de seus pais. Suas ações são mais acreditáveis e instintivas, suas motivações são mais confusas e equivocadas. Essas personagens, por sua vez, atraem e repulsam o leitor, levados por níveis púberes de vergonha, raiva, hormônios e possibilidade. Apenas quando suas ações são empurradas diretamente em influenciar o enredo é que elas ocasionalmente forçam credibilidade.
Nesse grupo estão Stuart Wall, conhecido como “Fats” (“Gorduras”), um mini Holden Caulfield (N/T: O protagonista e anti-herói do romance O Apanhador no Campo de Centeio, que se tornou um ícone da rebelião adolescente) que acha que é invulnerável e está constantemente procurando por autenticidade; Andrew Price, apaixonado pela garota nova e constantemente à sombra de seu melhor amigo, Fats; Sukhvinder, obeso e que sobre bullying causado por Fats; e Krystal Weedon, uma garota dos projetos que tem um pai ausente, uma mãe viciada em drogas que é escassamente eloquente e ocasionalmente se prostitui.
Krystal representa o coração do livro e sua mensagem. Ela estará salva do destino de sua mãe ou terminará pior? Ela pode escapar para uma existência de classe média? O quanto de seu futuro depende das decisões dos outros, que clamam “obrigação/responsabilidade pessoal” enquanto mostram pouco de si próprios e são rápidos em julgá-la como caso perdido e um estereótipo? O que acontece com Krystal e outros milhares como ela se nós virarmos as costas e, como é literalmente encenado em uma cena climática, estivermos tão ocupados com nossas próprias considerações miseráveis que não notaremos que alguém está gritando por socorro?
Em uma época de austeridade e cortes nos serviços públicos no Reino Unido, “The Casual Vacancy” contém uma forte narrativa política que, se não fosse pela fama da autora, provavelmente recebia pouca cobertura. Se o livro fará alguma diferença? Permanece em aberto a questão; outros já detectaram a influência de Harry Potter nas visões políticas dos jovens. Para Rowling, presidente de uma casa de caridade que ajuda famílias de pais solteiro, esse livro é mais complexo e atraente do que um mero slogan, mas também parece ter sido escrito com intenção política.
Rowling é claramente uma escritora talentosa. Esse livro é mais deprimente do que seu trabalho anterior porque acontece em um mundo sem magia, onde crueldade é menos apocalíptica e mais mesquinha, crível. Embora algumas sequências pareçam rascunhos que ainda não ficaram prontos, outras são escritas com um fluência e beleza que sugere que poderia haver mais e melhores trabalhos vindos da caneta dela.
Esse livro seria publicado se não fosse pelo nome na capa? Quase certeza que sim. Alguém prestaria atenção para ele, ou sua mensagem? Provavelmente não. Vale a pena ler? Sim, porque se tornou um ponto de conversa entre leitores e, ao contrário de “Cinquenta Tons de Cinza”, lê-lo não é uma experiência dolorosa. É merecedor de prêmios? Provavelmente não, mas eu definitivamente estaria interessado em ler o próximo livro dela, independente do histórico que o nome na capa carrega.
Em resumo, “The Casual Vacancy” é um bom, embora não seja ótimo, livro sobre uma Inglaterra interiorana de espírito mesquinho. O que mais você esperava?
“The Casual Vacancy”, de J. K. Rowling, tem seu certo encanto
Washington Post ~ Monica Hesse
27 de setembro de 2012
Tradução: Renato Ritto
Por Monica Hesse, publicado em 27 de Setembro.
Existe um certo tipo de livro escrito por um certo tipo de autor que implora por um certo tipo de irritação: “Não importa o que eu diga, os fãs irão comprar, ler, cultuar. (Por favor, não atire tijolos em minha janela.)” Resenhistas cansados de obras de Stephenie Meyer – e de Nicholas Sparks e de Dan Brown – têm feito variações desta queixa ofendida e indignada.
Digo isso por causa de uma ocasião de mudança no univero do mundo literário. E isso envolve Ela-Que-Não-Precisa-Ser-Nomeada e um Livro Grande do Destino. Sim. Cinco anos depois de concluir sua série “Harry Potter”, J. K. Rowling escreveu um novo livro.
Chama-se “The Casual Vacancy”. É para adultos, e não é sobre bruxos adultos.
Em algum ponto, a própria existência de “The Casual Vacancy” representa um caminhão de coragem. Quer dizer: Se você fosse Rowling e tivesse vendido 450 milhões de cópias e os seus sete livros de HP tivessem sido transforamdos em oito filmes de grande bilheteria, você ficaria aplicada à escrever um outro livro ou estaria comprando Mônaco e bebendo garrafas e mais garrafas de Kir Royales em uma balsa em sua piscina filtrada por corais? Pense no pânico que ela deve sentir, esperando que leitores julguem o trabalho em seus próprios méritos, se perguntando se deveria ter lançado o romance como “Joanne Kathleen”.
Em um outro ponto, o livro representa um caminhão de astúcia. Em seu primeiro romance para adultos, Rowling escolheu construir sua trama em torno de uma eleição municipal – um mundo tão distante da Plataforma 9 3/4 que seria injusto e ridículo compará-lo com seus trabalhos anteriores.
Exceto, é claro, que os movimentos autênticos de Rowling ainda estão lá, em cada página. Assim como a série do menino bruxo é aberta com um olhar malicioso sobre a vida chata da família Dursley, “The Casual Vacancy” faz a mesma coisa com uma cidade. Um homem sofre uma morte prematura, a fábrica de fofocas se agita e Rowling nos oferece uma observação otimista: “Era tudo extremamente animador.”
O sujeito morto em questão é Barry Fairbrother, cuja morte deixa para trás uma viúva de luto, quatro crianças com cara de camafeu, oito membros de um time de uma escola de Ensino Médio que ele treinava e um assento vazio na Câmara Municipal de Pagford, uma área inglesa que se prepara contra a expansão urbana da vizinhança próxima, Yarvil. Vários homens se candidatam para o ringue que é a eleição para a “vaga casual” do conselho, que dá nome ao livro: Simon Price, um pequeno criminoso que vê a posição no governo como um meio para chantagem e suborno; Colin Wall, um vice-diretor da escola; e Miles Mollison, o filho de um já membro do conselho, cujos pais querem que ele se eleja para conquistar apoio para seus problemas de estimação.
O maior problema de Pagford – uma área de cultivo de sábios, ao menos – é Fields, um bairro decadente e de baixa renda, em que os moradores se atrevem a tomar vantagem das escolas e Igrejas de Pagford, estragando os jardins arrumados com sua pobreza encardida. Os Mollisons estão conduzindo as coisas para ter Fields colocada sob a jurisdição de Yarvil. O falecido Barry Fairbrother era o maior adversário vocal deles, que atuava como o mentor de uma garota de boca de penico de Fields chamada Krystal, que está fazendo besteirinhas com o filho de Colin Walls, que é o melhor amigo do filho de Simon Price, que está apaixonado pela filha da assistente social atribuida à Krystal. A geração mais jovem deve se contorcer contra os erros de seus pais. As histórias se entrelaçam conforme as personagens interferem nos trabalhos das outras. Quase toda personagem recebe uma narrativa do seu próprio ponto de vista.
Rowling foi mais aclamada por suas habilidades na construção de palavras do que em suas habilidades de escritora profissional (seu excesso de confiança nos advérbios faz com que gramáticos pedantes fiquem loucos), mas eu sempre amei sua voz ágil e a maneira rápida com que ela entra na cabeça de uma personagem e simultaneamente faz comentários neste contexto. “A lenta passagem de Krystal pela escola lembrava a passagem de uma cabra através do corpo de uma jibóia”, escreve ela, e você sabe exatamente o tipo de garota e exatamente o tipo de sistema de ensino dos quais ela está falando.
Neste livro de 500 páginas, Rowling percorre novamente a jornada por todos os tons da série Potter: um escurecimento gradual em que comentários sarcásticos sobre pequenas participações dão lugar à comentários afiados sobre as grandes. A eleição desenterra tensões. Nenhuma quantidade de feitiços Reparo podem desfazer as coisas que foram feitas; não estamos mais em Hogwarts.
Isso traz de volta a maior pergunta que todo leitor deste livro vai estar se perguntando: Rowling consegue escrever quando a escrita não é sobre Harry Potter?
Em sua série mágica, alguns de seus trabalhos mais fascinantes estão relacionados às minúcias do mundo que ela criou: Qual é a conversão dos sicles para os galeões no dinheiro bruxo? Quais são as vantagens da equipe irlandesa na Copa Mundial de Quadribol? Sua escrita em “The Casual Vacancy” pode ser tão viva como sempre foi, mas quando as minúcias aqui incluem uma história de várias páginas com a linha de divisão entre Pagford e Yarvil, fico me perguntando se eu não deveria apenas prestar atenção nos minutos das minhas próprias reuniões de bairro. Um crítico preguiçoso pode se perguntar envergonhadamente se “The Casual Vacancy” contém magia o bastante.
Grande parte do livro eu admirei, mesmo que não tenha amado. Haviam frases que eu sublinhava com a finalidade de descobrir como palavras em inglesas podem ser combinadas tão deliciosamente. Haviam incidentes que eu relia imediatamente, porque a evolução era surpreendente e verdadeiramente comovente. Haviam personagens que eu gostava, e então desgostava, e então gostava novamente com minhas reservas.
Mas ao longo de “The Casual Vacancy”, não consegui parar de ter um pensamento geral, em que a fã devotada em mim detesta ouvir: Este livro seria um pouco melhor se todos estivessem carregando varinhas.
Hesse é um membro da equipe de escritores Style.
J.K. Rowling: The Casual Vacancy – resenha
The Guardian ~ Theo Tait
27 de setembro de 2012
Tradução: Gabriel Guimarães
Eles chamam isso de ‘comercialização negada’: o processo pelo qual o conteúdo dos livros de J.K. Rowling são guardados como joias de coroa até o dia da publicação. Fazia sentido com Harry Potter, quando o mundo e seu cachorro queriam saber o que aconteceria com o garoto bruxo e seus inimigos covardes. Mas cria um clima trivial no caso de “The Casual Vacancy”, um romance que diz respeito a uma eleição do Concelho Paroquial em uma pequena cidade do Oeste.
Há algumas excitações superficiais aqui, em que personagens jovens chegam a coisas que Harry provavelmente nunca sonhou: usar drogas, falar palavrões, automutilação, ter sexo casual sujo, cantar junto com Rihanna. O novo livro contém explosões regulares de palavrões, junto com a frase memorável “essa vagina milagrosamente desprotegida” – que vazou em um perfil de pré-publicação, causando uma onda de piadas no Twitter sobre “Harry Potter e a Vagina Milagrosamente Desprotegida”.
Porém, geralmente “The Casual Vacancy” é um sólido, tradicional e determinado tímido romance inglês. Situado na “muito pequena cidade de Pagford”, é um estudo da vida provinciana, com um grande elenco e múltiplas tramas interligadas, inspirado em Elizabeth Gaskell e Geroge Eliot. A única semelhança óbvia com os livros de “Harry Potter” é que, como eles, é animado por uma forte desaprovação da média popular, antipática e com mente pequena. Os habitantes de Pagford – lojistas, espiões de janela, leitores do Daily Mail – são em sua maioria trouxas detestáveis, versões mais realistas dos Dursleys, a terrível família que mantém Harry escondido no armário debaixo das escadas. O livro parece ser condenado a ser conhecido como marchatrouxa*.
Por detrás de sua fachada amigável aos turistas – os cestos, o memorial de guerra, as casas lavadas – Pagford é, naturalmente, um leito quente de antagonismo fervente, esnobismo desenfreado, frustração sexual e racismo mal disfarçado. O enredo é posto em movimento quando, na página cinco, seu herói, Barry Fairbrother, cai morto no estacionamento do “clube de gole pouco presunçoso”. Sua morte cria uma “vaca ocasional” no Conselho Paroquial, e as forças das trevas, lideradas por Howard Mollison, o obeso proprietário da confeitaria, veem suas chances de um dos seus cair de paraquedas na cadeira vazia.
Barry, um homem de “generosidade ilimitada de espírito”, foi o principal oponente de seu plano para transferir os Campos, uma propriedade decadente, para o conselho distrital da cidade vizinha, Yarvil – assim, se livram da responsabilidade com os habitantes viciados em drogas, e tiram eles da área que atrai visitantes e os conduz à área da agravável escola primária de Pagford. A eleição se aquece quando indecentes, mas precisas acusações, postadas por “o Espírito de Barry Fairbrother”, começam a aparecer no site do Conselho.
“The Casual Vacancy” tem todas as satisfações e frustrações deste tipo de romance. Ele mergulha o leitor em um mundo ricamente povoado, densamente imaginado. Rowling declarou que desenhou em sua própria infância infeliz e ligeira no Oeste do país, em uma vila fora de Bristol e depois fora de Chepstow. O terror claustrofóbico é bem feito: todo mundo conhece todo mundo; Howard, tramando por trás de seus biscoitos caseiros e queijos locais. Rowling é bom com adolescentes, principalmente garotos, e casais infelizes. O livro tem uma justa mensagem social, sobre responsabilidade pelos outros, e um bom enredo grande e bom que funciona como um relógio; como os romances de “Harry Potter”, é eficientemente organizado sob a sua superfície agitada.
Por outro lado, o romance é muito prisioneiro de suas convenções. Os personagens de Rowling não são ruins, considerando que eles foram colocados juntos pela mais rica romancista na história, mas é uma pena que todos eles usam uma espécie de generalização, as humilhantes ordens faladas de Dickensian, que pertence mais ao costume literário do que qualquer coisa e pessoa já disseram: “Eu levo Robbie para o berçário”; “Isso não é a porra de um crime”; “Não, cala a boca, certo?”. O enredo é muitas vezes previsível; e exige uma grande ajuda de invenções artificiais; e que muda bruscamente no melodrama no ato final. As regras provavelmente exigem isto, e todos os chocalhos estão pertos o suficiente, mas deixa uma leve sensação de decepção.
Eu suspeito que ninguém leia Rowling pela beleza de suas frases, mas há frequentemente um sentimento aqui que a língua não está fazendo totalmente o que ela queria fazer. Uma das personagens, como é dito, “odiava morte súbita”. Quem não odeia? As metáforas regularmente fogem com ela. O desempenho sexual de uma personagem era “tão previsível como um aperto de mão maçônico”. O que é previsível sobre isso?
“The Casual Vacancy” não é uma obra-prima, mas não é completamente ruim: inteligente, diligente, e muitas vezes engraçado. Eu bem que poderia imaginar sem qualquer associação com a marca Rowling, sendo adulado no Richard and Judy Book Club (Clube do Livro de Richard e Judy), ou sendo transformado em uma série de TV em três partes. Os fãs poderão achá-lo desagradável, como carece do calor e charme dos livros de “Harry Potter”, todos os personagens são bastante horríveis ou suicidas miseráveis ou mortos. Mas o pior que você pode dizer sobre ele, de verdade, é que ele não merece o frenesi da mídia em torno dele. E quem pensa atualmente que mérito e publicidade tem alguma coisa a ver uma com a outra?
NT:
* Com o adjetivo “marchatrouxa” o jornalista quis dizer que o livro segue uma direção trouxa, ou seja, segue os aspectos do mundo real e recentemente este adjetivo foi usado para intitular a matéria sobre a entrevista de Ian Parker com Rowling, e quis dizer que a autora está seguindo com esta obra um caminho mais real, mais trouxa.
Irvine Welsh encontra Joanna Trollope – mas tudo termina Hogwarts para sempre
The Independent ~ Boyd Tonkin
27 de setembro de 2012
Tradução: Virag Venekey
Boyd Tonkin tem a primeiro olhar sobre The Casual Vacancy de JK Rowling
Na página 20 de The Casual Vacancy, um rapaz adolescente tem que apertar a sua mochila contra o corpo pela manhã a caminho da escola “para esconder a ereção provocada pela grande vibração do ônibus”. Assim como os prisioneiros no final da opera Fidelio de Beethoven, que emergem piscando a luz do sol para cantar seu coro de liberação, JK Rowling toca ali a primeira nota da sua canção de liberdade. Após mais de uma década presa na gaiola enfeitada dos livros de Harry Potter, e seu mundo de magia e infância ricamente imaginado, porém rigorosamente restrito, como – nesse primeiro romance adulto – ela vai usá-lo?
The Casual Vacancy, que assim como aquele ônibus escolar que chacoalha numa cidade convencida no Oeste do país para para apanhar vários conjuntos de personagens e sub-enredos na sua rota, ainda assim centraliza numa história simples sobre rivalidade de eleição para um conselho de freguesia. A disputa comprova no final algo sobre um McGuffin que empenha a ação, sendo mais do que apenas uma vira-páginas por si só.
Ela centraliza se Fields – uma vila de crimes disfarçados nos limites dessa paroquia cartão postal – deve permanecer parte de Pagford ou se juntar a cidade vizinha de Yarvil. Antes da votação, publicações anônimas expõem a vergonha escondida de cidadãos lideres, suas “hipocrisias e mentiras”, no espelho mágico do website da paroquia. Inexplicavelmente Rowling escolhe perder essa oportunidade de engrenar suspense num enredo lento, já que nós sempre sabemos o como e porque de cada revelação.
Essa eleição do tipo tempestade em copo d´água vai trazer à tona todas as tensões inflamadas sobre classe, família e status num local de segredos, envenenado por “fatos negados, coisas escondidas e disfarçadas”.
Ao longo da história, Rowling aproveita-se da sua liberdade recém-encontrada para tocar em assuntos como vício em heroína, prostituição, transações com drogas, pornô online, auto-inflingimento com navalha, abuso infantil e estupro de uma adolescente. Os padrões que lembram Irvine Welsh em sua pompa transgressiva competem com as marcas das sagas de intrigas sociais de Joanna Trollope – sem mencionar as políticas provincianas bizantinas de seu antecessor vitoriano, Anthony. A escola de Hogwarts, inicialmente, fica a milhões de milhas de distância. Mas, eventualmente, nós vamos retornar a sua orbita emocional.
Barry Fairbrother, um conselheiro de Pagford amado e respeitado, morre de um aneurisma súbito num carrinho de golfe – uma luz comparada ao não confiável Voldemort. Seu sobrenome une as virtudes perdidas de justiça e fraternidade (*nt: “fair”=justo e “brother”=irmão): Rowling não mostra acima uma dose pesada de simbolismo político. Barry foi elevado de Fields para se tornar tanto o gerente do banco local como o pilar da comunidade, livre das esnobices e ressentimentos que intoxicam a cidade. Então Rowling elimina seu verdadeiro herói no início – uma manobra de risco. Seu fantasma vai, de várias formas, assombrar cada página.
Num elenco cheio, alguns apresentados em perspectiva e outros deixados como enfeites, seis clãs dominam. O obeso, extremamente confiante Howard Mollison é proprietário do novo e pomposo café e delicatessen – símbolos de pretensão fingida – e trata seu filho advogado Mark como ideal para a vaga ocasional causada pela morte de Barry. Suas respectivas esposas Shirley e Samantha (que dirigem uma loja de roupas de tamanhos grandes), incorporam diferentes gerações de descontentamento feminino e perda de poder, com acréscimo de muita comedia exagerada.
No antigo Vicariato vivem os Jawand, a família da clínica geral Parminder, de crença sikh (e do marido cardiologista pouco-visível). Parminder, uma das aliadas próximas de Barry, acha que o “velho Pagford” de mentes-fechadas nunca poderá perdoar a sua família por sua “cor marrom, esperteza e ascenção”. Mas a miséria solitária da filha Sukhvinder significa que a guerra pais-filhos que desestrutura toda a família nesse endereço não vai parar na sua porta vitoriana.
Acima no topo da montanha, em sua fortaleza, os Price permanecem sobre a tirania doméstica de Simon, o administrador de gráficas, um vigarista valentão. Stuart “Gorduras” Wall, o amigo jovem e esperto de Andrew Price, filho do neurótico deputado líder Colin e de sua esposa a professora-conselheira Tessa, gerencia a pensão em Winterdown compreensivo com o culto existencial de comportamento “autêntico” – porém cruel – de seu adolescente.
A assistente social Kay Bawden é alguém vinda de Hackney infelizmente presa ao parceiro de Mark no escritório de advocacia, o confuso Gavin. Sua filha caprichosa Gaia, foco da luxuria de sala de aula, almeja escapar desse fim de mundo semi-rural “estupidamente branco”. E entre os clientes de Kay estão os Weedon de Fields: a caótica, usuária de drogas e ex-prostituta Terri, seu filhinho esfarrapado Robbie, e Krystal, sua adolescente perturbada e delinquente. Krystal é a personagem mais importante aqui, tanto um diamante áspero quanto uma vingança deliberada de Rowling em relação aos fás desprezíveis de Vicky Pollard.
Krystal, a quem Barry se afeiçoou e encorajou a se tornar uma remadora campeã, novamente esporte uma coisa simbólica. Desbocada mas de bom coração, decente apesar de todas as suas depravações, ela representa a desprezada “subclasse” que Pagford – que a Grã-Bretanha – deixa a sua conta e risco. A sua pura existência cristaliza a personagem e moralidade daqueles ao redor dela. Ela separa os que ajudam daqueles que arruínam, os simpáticos dos egoístas; alguém se atreve a dizer, os bruxos dos trouxas?
A escrita de Rowling, que pode ser sem fôlego e desgastante nas partes que reverberam sátira, traz paixão, garra e até mágica com Krystal e os demais adolescentes. De fato os jovens de Winterdown pertencem a um livro mais atrevido e mais rico comparado aos pais caricatos. Toda a turbulência social e hormonal que os volumes dos últimos livros Potter tiveram que velar no eufemismo da fantasia, aparece claramente aqui.
Desacelerado por sua exigente geografia de classe e a trama ruidosa, o romance chega a um clímax vividamente melodramático com esses jovens no foco. E depois da convulsão vem uma cota sentimental, em tom e quantidade, que nos remete de volta a Hogwarts. Embora o motivo do rancor combine com aquela escola, raramente resultou em insultos como “Bando de lésbicas”.
O VEREDITO
A escrita de Rowling pode ser bem desgastada em alguns pedaços, mas traz magia com os personagens adolescentes.
RETIRADO DE “THE CASUAL VACANCY”
Parminder não escutou nada do que a mulher falou. Ela tinha se esquecido da pilha de papeis sobre sua agenda, com os quais Kay Bawden gastou tanto tempo: as estatísticas, os perfis de casos bem-sucedidos, as explicações dos benefícios da metadona comparada à heroína… Tudo ao redor dela se tornou ligeiramente liquida, irreal; sabia que ela iria estourar como nunca antes na vida, e não havia espaço para se arrepender, ou prevenir, ou fazer qualquer coisa a não ser ver acontecer; era tarde demais, bastante tarde demais…
“…cultura de permissão”, falou Aubrey Fawley. “Pessoas que literalmente não trabalharam nenhum dia em suas vidas”.
“E, convenhamos”, falou Howard, “esse é um problema com solução simples. Pare de tomar as drogas”.
Ele se virou, sorridente e conciliador, para Parminder. “Eles chamam de “peru frio”, isso está correto Dr. Jawanda”?
“Oh, você acha que eles deveriam se responsabilizar por seu vício e mudar seus comportamentos”? falou Parminder.
“Em resumo, sim”.
“Antes que custem ao Estado mais algum dinheiro”.
“Exato”-.
“E você”, disse Parminder em tom alto, à medida que o estouro silencioso engolfou ela, “você sabe quantas dezenas de milhares de libras você, Howard Mollison, tem custado ao serviço de saúde, por causa da sua completa inabilidade de parar de se empanturrar”?
Uma forte, coloração vermelha estava se espalhando do pescoço de Howard para suas bochechas.
- NEGATIVAS
The Casual Vacancy de J.K. Rowling: Lido e revisado por EW
Entertainment Weekly ~ Rob Brunner
27 de setembro de 2012
Tradução: Evandro Lira
Ninguém, ao que parece, diz não a J.K. Rowling. Depois de vender cerca de 450 milhões de cópias de seus amados, e com razão, livros de Harry Potter, o maior nome da publicação poderia escrever algo do tamanho de unhas dos pés e editores ansiosos fariam fila para publicá-lo. Ela escreveu um romance de 500 páginas para adulto? Ótimo! Têm adolescentes fazendo sexo explícito e descrições de tiros e heroína e de personagens dizendo coisas do tipo “sua p-rra inútil, vaca e drogada”? Ah, tudo bem. É sobre um grupo de palhaços desagradáveis disputando um trabalho no governo local no pequeno lugar da Inglaterra? Hum. Se você diz…
The Casual Vacancy, comprido livro de Rowling, é o seu muitas vezes divertido romance adulto de estreia, é um grande livro que segue a disputa de pequenas pessoas para conseguir uma posição na pequena cidade de Pagford. Quando um dos 16 vereadores da comunidade paroquial morre inesperadamente de um aneurisma, um grupo de notáveis da cidade tenta se aproveitar da “vaga ocasional” para cumprir vários planos conflitantes. Rowling faz um bom trabalho em colocar para fora suas pretensões em mais de 20 personagens ambiciosos e fracos, que ela perfura com um rápido movimento de uma lâmina afiada e surpreendentemente cômica.
Mas misturada com esta comédia há um livro sério que aborda questões desconfortáveis de pobreza, classe e política, e é aqui que The Casual Vacancy vacila. Alguns dos moradores menos liberais de Pagford, gostariam de por para fora um projeto de habitação desagradável na vizinha Yarvil e despejar uma clínica de dependência de um prédio de propriedade pública, e quem conseguir ocupar a cadeira em aberta poderia influenciar nas decisões do conselho paroquial sobre ambas as questões. Rowling oferece um retrato convincente de miséria da subclasse, mas enquanto ela quer claramente deixar seu comentário social e ressoar para além das fronteiras da cidade de Pagford, ela se perde nos meandros de uma eleição local que se preocupa em resumir a disputa entre candidatos igualmente desagradáveis. “Então os eleitores vão para o c-t”, como um personagem diz, “ou o t-t?”
Rowling parece determinada a afastar-se dos prazeres inocentes de bruxos e do Quadribol, e pilhas de The Casual Vacancy ficam sobre o dissabor – não é apenas as brigas, sexo de mau gosto, mas também o estupro, abuso infantil, automutilação, suícidio, pedofilia e doença mental. É de tudo um pouco: Quando o romance finalmente chega ao seu final pesado e previsível, o que começou como uma comédia animada de costumes se transformou em um exagerado golpe violento.
“Casual Vacancy” falha em conjurar a mágica de Harry Potter
LA Times ~ David Ulin
27 de setembro de 2012
Tradução: Aline Michel
A autora de Harry Potter se aventura no território adulto com um conto de maquinações em uma pequena cidade inglesa. Não há bruxos, magia e nuanças.
Legenda da foto:
J.K. Rowling ganhou elogios pela série Harry Potter. Agora a autora mudou a direção com seu primeiro romance para adultos, “The Casual Vacancy.”
É quase chocante que os personagens mais realizados em “The Casual Vacancy,” o primeiro romance para adultos de J.K. Rowling, são os mais jovens.
Fats Wall, Krystal Weedon, Gaia Bawden, Andrew Price, Sukhvinder Jawanda: até os nomes são vagamente remanescentes daqueles na série “Harry Potter”, e quando “The Casual Vacancy” foca nestes jovens e em suas interações (um com o outro, com seus pais, com a hipocrisia da sociedade adulta), leva-se em conta se não uma urgência, um tipo de impulso.
O problema é que eles estão muito infreqüente no centro deste romance, que se passa em volta de uma pequena vila inglesa chamava Pagford e as maquinações políticas que acontecem neste peculiar e aparente cartão postal, é uma singularidade que Rowling insinua sem nunca trazer à tona.
A história sobre a batalha por um lugar no Conselho de Pagford, que abre quando o conselheiro Barry Fairbrother morre de aneurisma em sua 19a boda, o livro tenta ser uma sátira da cultura contemporânea – repleto de referências à sexo e drogas e o uso da minha palavra favorita obscenidade – mas acaba virando uma grande caricatura. Não é necessário dizer que isso é insatisfatório e não é necessário dizer; o que é uma surpresa, dada a capacidade de Rowling de virar uma história, é por isso que se torna insatisfatório.
Eu chego ao “The Casual Vacancy” sem ser um fã ou um depreciados das obras de Rowling. Eu li o início dos romances de “Harry Potter” e os achei perfeitamente agradável, contudo eu parei depois que meu filho ficou velho suficiente para terminar a série sozinho.
Para ser honesto, eu devo-lhe um débito de gratitude por engajá-lo – na época, assim como agora, um leitor relutante – na experiência imersiva de amar (certos) livros; mais que uma vez, eu e ele fomos à festa de lançamento da meia-noite, e cinco anos atras, nós escutamos a leitura de Rowling no Teatro Kodak depois que o sétimo e livro final de Potter, “Harry Potter e as Relíquias da Morte”‘ foi lançado.
Ainda assim “The Casual Vacancy” tem uma lição a oferecer, não há necessariamente uma correlação entre escrever para crianças e escrever para adultos. Isso pode ser uma coisa impopular para se dizer em uma cultura onde adultos cada vez mais lêem ficção para jovens adultos, onde autores como Francine Prose, Carl Hiaasen e Sherman Alexie agora escrevem para leitores mais jovens, onde a linha entre maturidade e adolescência está desfocada.
O que fez “Harry Potter” popular, entre outras coisas, foi o fato de ser um clássico melodrama, com claras demarcações de bem e mal, e a busca (por um destino, por uma identidade) que em algum ponto envolve todos.
No entanto, no mundo adulto – ou pelo menos no mundo adulto desenhado por Rowling em “The Casual Vacancy” – tornar-se não é mais parte da equação; todo mundo tornou-se muito tempo atrás.
Isso, em si, não é o problema do romance: é o tema da literatura desde o começo. Ainda assim, para explorar estas questões acuradamente, com profundidade e compaixão,mé necessária nuança, é o que “The Casual Vancancy” não tem.
O livro começa com a morte de Barry, que é uma estratégia questionável; ele é o mais próximo que o romance tem da consciência, mas Rowling não tem escolha a não ser expressar isso em segunda mão. Nós ouvimos bastante a seu respeito, sem nunca tê-lo conhecido, exceto nas memórias daqueles que ficaram para trás.
Se Barry fosse menos importante para a narrativa, isso não seria tão problemático, ainda assim ele é o catalisador de toda a narrativa. Não só sua morte cria uma abertura no conselho, como também mostra o contraste das divisões que dilaceraram Pagford, uma cidade presa entre a velha e a nova Inglaterra, entre o auto-interesse e o bem social
Para destacar essas tensões, Rowling nos dá Howard Mollison, “um homem obeso e extravagante de sessenta e quatro anos”, que preside o Conselho, e é o primeiro cidadão de Pagford. Junto com sus família, Mollison lidera uma facção da antiga Inglaterra: branca, conservaria e determinada a separar Pagford dos campos, uma propriedade do conselho que se alastra entre a cidade e Yarvil, a cidade vizinha. Opondo-se a eles está Parminder Jawanda, mãe de Sukhvinder’s, um físico que trabalhou com Barry para enfraquecer a agenda de Howard para a cidade.
Criado nos campos, Barry encontrou uma oportunidade em Pagford; ele estava comprometido a dar aos outros chances semelhantes. Chefe dentre os outros está Krystal, a filha de um drogado. Ela é a favorita de Barry no time feminino de remo que ele organizou e um símbolo, para Rowling e seus personagens, de possibilidade ou perigo, dependendo do seu ponto de vista.
Se isso soa um pouco mais que um pequena ligação, é isso. O primeiro terço do livro move continuamente entre Howard, Miles, Parminder e uma dúzia de outros personagens centrais, todos identificados em traços tão largos que eu tive que virar as páginas diversas vezes para me lembrar quem era quem.
Uma das patologias particulares deste romance é que praticamente todo homem adulto (com a exceção do santo Barry) é bruto ou fraco, de Simon, um bully que bate em sua mulher e filhos, a Colin, um vice-diretor que se encolhe no santuário de sua casa. Estes homens são desprezados por suas crianças, mas eles são desenhados tão bidimensional que nunca sentimos o que está em jogo.
O mesmo, deve ser dito, é o fato de “The Casual Vacancy” não saber o que quer ser. Por um lado, as degradações dos campos e a resistência do estabelecimento de Pagford oferece um comentário claro sobre o capitalismo e as crueldades da classe privilegiada.
Rowling conhece essa história profundamente; ela esteve na assistência social e é uma defensora forte das crianças desfavorecidas – crianças não muito diferentes de Krystal.
E ainda assim, Rowling também é casualmente cruel com seus personagens, dando-lhes problemas que não podem ser resolvidos e tornando suas vidas de mal a pior, como John Irving em fatiga.
Isso é uma falha de imaginação? Talvez. Rowling certamente sabe como criar um universo que seja irresistível, consumidor até, mas Pagford não é assim.
Pelo contrário, é pouco mais do que um pano de fundo, um cenário, e a falta de profundidade e a inabilidade de Rowling de nos manter engajados, de nos fazer investir suficientemente em seus personagens, jovens ou não, de contar com seus artifícios de seu mundo de ficção.
Primeira olhada no novo livro de J.K. Rowling, “The Casual Vacancy”: sem magia, mas cheio de profanação inesquecível
NY Daily News ~ Sherryl Connelly
27 de setembro de 2012
Tradução: Gabriel Amaral
J.K. Rowling foi de Harry Potter à boca suja.
Em seu primeiro romance adulto, “The Casual Vacancy”, o qual o Daily News obteve antes do lançamento de quinta-feira, ela tem todo um novo vocabulário à sua disposição.
Ela se mostra hábil a usar a palavra fuck e uma longa passagem é dedicada à exploração da pornografia online por dois adolescentes, que admiram uma mulher atraente. E é mais do que apenas varinhas mágicas e corujas brancas – o que os jovens veem é descrito em termos extemamente descritivos. A maioria da linguagem que ela usa para relatar a navegação imprópria é tão suja que não podemos repeti-la num jornal familiar.
Rowling disse que o pior que podem dizer de “The Casual Vacancy” é que é “espantoso” – e que ela “deveria ter continuado a escrever para crianças”. Pois bem, aqui vai… Desculpe, J.K.
“The Casual Vacancy”, que um livreiro ansiosamente previu que seria o maior romance do ano, não é espantoso. É apenas estúpido.
A primeira impressão americana será de 2 milhões – número enorme para a maioria dos escritores, mas meramente respeitável para Rowling. A série “Harry Potter” vendeu 450 milhões de cópias impressas mundialmente. Em 2007, o último, “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, vendeu um milhão de cópias por dia nos primeiros 10 dias. Ainda assim, a expectativa para o grande livro adulto de Rowling é alta. Uma campanha de marketing maior está planejada e Rowling, que permaneceu na maioria das vezes em silêncio acerca da publicação de cada Potter, concedeu algumas entrevistas selecionadas.
O título se refere a uma vaga no conselho de uma paróquia britânica, enquanto a história se concentra no movimento na pequena Pagford para separar a cidade de um projeto de habitação de baixa renda que se localiza em suas proximidades – o qual não possui atrativos relevantes.
Mas há um fator de excitante, também, já que Rowling, que protegeu a castidade dos estudantes em Hogwarts, finalmente pode escrever obscenidades. Além da pornografia online, há também um estupro trágico, indicação de como Rowling está determinada a lidar com as coisas difíceis dos dias de hoje. Pagford é uma pequena cidade idílica com bangalôs de 1930 e uma praça principal pavimentada. Infelizmente, foi incapaz de separar-se completamente da realidade contemporânea. Uma cidade vizinha conseguiu colocar sua pobreza em um conjunto habitacional, os Campos, tão perto de Pagford que suas crianças estão legalmente autorizadas a frequentar a escola da cidade.
Barry Fairbrother – anote o nome – um expedicionário social e membro do conselho da paróquia administrativa cai morto em um estacionamento. Com a notícia se espalhando, “The Casual Vacancy” parece seguir a direção de uma comédia de conduta, já que os moradores todos tropeçam uns sobre os outros para serem os primeiros a dar a notícia.
Descobre-se que a ambição que Rowling tem escondido dos leitores ao longo dos anos de Potter era seu desejo de mergulhar em realismo social. Seu veículo é Krystal Weedon, de 16 anos, que mora nos Campos com sua mãe, uma viciada em heroína, e seu irmão de 4 anos.
Weedon é como uma protegida de Fairbrother e apesar de ser constantemente boca suja, ele tinha organizado para que um repórter local entrevistasse-a. Ele esperava que a história dela poderia contrariar um movimento do conselho da paróquia para empurrar a responsabilidade dos Campos de volta à cidade vizinha – à qual os membros de esquerda sempre acreditaram que pertencia.
Fairbrother e outros cidadãos progressistas de Pagford acreditam que têm o dever de ajudar os residentes dos Campos.
Então é assim que somos apresentados aos cidadãos da cidade, como o diretor, um homem tolo e fracassado casado com uma mulher inteligente, que está perdendo a paciência com ele. Seu filho Fats, um garoto cruel que se aproveita da aceitação sexual de Krystal. E o proprietário da loja de guloseimas da cidade e líder do movimento anti-Fields, que é tanto conivente quanto presunçoso.
Isso nada mais é do que uma amostragem das pessoas ao longo das terras de Pagford, e eles estão todos enganados a sua própria maneira em suas próprias histórias a contar. O problema é que nenhum deles é interessante ou mesmo particularmente amigável. Coletivamente, é muito fácil de virar a página sobre eles.
São os adolescentes então que carregam o fardo de nos fazer se importar. E apesar de Rowling contruir com mais sucesso o drama nesta frente, o problema é que ela não tem muito mais o que acrescentar para os anais da contenda adolescente. Idem em pobreza infestada de drogas. Nós já lemos sobre isso antes, de forma mais sombria, gélida e melhor.
A força de Rowling nunca foi sua prosa. Foi sua habilidade de criar personagens inesquecíveis e tecer histórias que nos mantiveram cativos. A magia simplesmente não está lá em “The Casual Vacancy”.
De fato, o feitiço foi quebrado.
Trevas e Morte, Não Há Magia para Ajudar
The New York Times ~ Michiko Kakutani
27 de setembro de 2012
Tradução: Gabriel Guimarães
Com o novo romance de J.K. Rowling, “The Casual Vacancy”, estamos firmes na terra trouxa – quase o tão longe que podemos chegar do mundo encantado de Harry Potter. Não há mágica neste livro – em termos de bruxaria ou em termos de feitiçaria narrativa. Em vez disso, este romance para adultos é preenchido com uma variedade de pessoas como o tio e a tia de Harry, Petunia e Válter Dursley: egoísta, de mentalidade estreita, esnobe e que julga as pessoas, cujas histórias nem nos envolve nem tampouco nos conduz.
É fácil entender porque a Sra. Rowling quis tentar algo totalmente diferente após passar uma década e meia inventando e complicando o mundo de fantasia de Harry e companhia habitada, e só se pode admirá-la por sua energia no enfrentamento às expectativas esmagadoras criadas pelo fenômeno mundial que foi Harry Potter. Infelizmente, o mundo real que ela delineou nessas páginas é tão deliberadamente banal, tão deprimente clichê, que “The Casual Vacancy” não é somente decepcionante – é maçante. O romance – que decorre na pequena, ficcional aldeia inglesa de Pagford, e narra as precipitações políticas e pessoais criadas pela morte súbita de um membro do Conselho Paroquial nomeado de Barry Fairbrother – é lido como uma estranha mistura de uma obscura novela como “Peyton Place” com um desses romances muito britânicos de Barbara Bym, descrevendo pequenas cidades, vidas circunscritas.
Este definitivamente não é um livro para crianças: suicídio, estupro, vício em heroína, espancamentos e pensamentos excitados de parricídio através de suas páginas; há uma cena de sexo situada no cemitério, a descrição grotesca de um preservativo usado (“brilhando na grama ao lado de seus pés, como o casulo tênue de alguma larva enorme”) e cenas alarmantes de violência doméstica. O romance contém momentos genuínos de drama e pequenas partes de humor aqui e ali, mas termina em uma nota tão desanimadora com mais duas abruptas, grosseiramente manipuladas mortes que o leitor fica tropeçando com o que é o oposto às emoções evocadas no final da série “Harry Potter”.
Em vez de apreciarmos a coragem, a perseverança, a lealdade e o senso de dever que as pessoas são capazes de ter, ficamos com uma sensação apavorante da fraqueza humana, do egoísmo e da estupidez da fofoca. Em vez de uma sensação estimulante das possibilidades das narrativas míticas, ficamos com um entendimento entorpecido da dificuldade de transformar contos de uma dezena ou mais pessoas em uma história com genuína emoção ressonante.
Muitos autores, claro, criarem retratos da vida na cidade pequena que captaram a textura de vidas comuns com grande profundidade de emoção. Isto, infelizmente, não é caso aqui. Considerando que o universo de Harry Potter foi tão ricamente imaginado e cheio de detalhes como a Terra Média de Tolkien ou Oz de L. Frank Baum, Pagford parece estranhamente genérica – uma aldeia de brinquedo, em que telhados para fora revelam adultério, discórdia conjugal e conflito de gerações entre os pequenos brinquedos de pessoas. É como se escrever sobre o mundo real inibiu a milagrosa imaginação inventiva da Sra. Rowling, e privá-la da tensão entre o mundano e o maravilhoso restringiu a sua capacidade de criar um segundo-, não importa o conto tridimensional.
“The Casual Vacancy” começa a rolar e a Sra. Rowling começa a lutar com as consequências dos segredos mais escuros de seus personagens, a narrativa ganha impulso, mas leva muitas páginas para chegar lá. Nesse meio tempo somos tratados com tediosas descrições das exacerbadas disputas políticas causadas pela morte de Barry Fairbrother e relatos históricos das tensões de classes na isolada Pagford – mais notavelmente um confronto entre uma facção que se opõe a um projeto habitacional público e uma clínica para viciados, e outro que tem um senso de dever para com os menos afortunados. É um assunto com o potencial de repercutir com o público americano – dadas às batalhas atuais entre Republicanos e Democratas sobre o papel e tamanho do governo – mas como colocado aqui, é estranhamente sem derramamento de sangue e abstrato.
Em alguns aspectos “The Casual Vacancy” lida com muitos dos mesmos temas lidados nos livros de Harry Potter: as perdas e encargos de responsabilidade que vem com a idade adulta, e o fato teimoso da mortalidade. Uma das coisas que fez a história de Harry ser tão comovente foi a capacidade da Sra. Rowling para construir um mundo paralelo animado pelo sobrenatural, e ainda instantaneamente reconhecido por nós como um lugar onde a morte e as precariedades da vida diária não podem ser evitadas, um lugar onde a identidade é tanto um produto de escolha já determinada como é do destino. O que está faltando aqui é uma profundidade emocional do campo. Não é só porque as apostas neste romance são muito menores. (Em “Harry Potter”, a guerra civil foi literalmente entre o bem e o mal; aqui, é entre sem importância, fofocas de mentes liberais e conservadoras.) É que sentimos que os personagens de “The Casual Vacancy” são muito menos imaginados totalmente do que os do épico Harry Potter.
Há Gavin, o melhor amigo de Fairbrother, que acaba se apaixonando por sua viúva; o adversário de Fairbrother, o extravagante obeso Howard Mollison, que se considera o Primeiro Cidadão de Pagford; Krystal Weedon, uma garota repugnante dos projetos, e sua mãe viciada em drogas, Terri; o novo assistente social de Krystal, Kay Bawden, que recentemente se mudou para Pagford com sua filha adolescente; os meninos adolescentes sem afeto, Fats e Andrew; e uma variedade de fofoqueiros locais e pessoas dramáticas. Tais personagens são desenhados de forma legal, pouco aprofundada, e com pouca complexidade ambígua que alimentou as parcelas posteriores de Harry Potter. Na verdade, há uma vaga no fundo do coração deste romance.
Nós não saímos sentindo que sabemos as histórias passadas dos personagens da “Vaga” em detalhes íntimos da maneira que nos sentimos em relação a Harry e seus amigos e inimigos, nem terminamos o romance com um profundo conhecimento de como seus passados – e o passado de suas famílias – ligarem-se às suas vidas presentes. É claro, a Sra. Rowling tinha sete volumes para mapear as complexidades do mundo mágico em “Harry Potter”. O leitor só pode esperar que ela não tente aperfeiçoar o mundo trouxa de Pagford em quaisquer outros volumes, mas em vez disso mude no futuro para algo mais atraente e profundamente sentido.
‘The Casual Vacancy’ quebra o feitiço de Harry Potter
The Telegraph ~ Allison Pearson
27 de setembro de 2012
Tradução: Jenifer Cestari e Juliana Torres
“Você tem sorte”, disse um amigo, “pode ler o livro da JK antes. O que achou?” Mesmo se eu pudesse dizer – eu não podia porque minha língua havia sido silenciada por um feitiço que advogados lançaram em mim – o que eu diria? Que eu tinha lido uma passagem escrita pela autora favorita das crianças em que uma adolescente é estuprada pelo traficante de heroína de sua mãe, um homem poderia bem ser o pai do irmão adotivo de três anos dessa garota, mesmo assim seria difícil ter certeza, porque a mãe em questão é uma prostituta.
Então, da caneta que lhes trouxe o Caldeirão Furado vem isso: “Seus dedos em sua barriga enquanto ele desabotoava as calças – ela tentou gritar e ele lhe deu um soco na cara – o cheiro dele era rançoso em suas narinas equanto ele dizia, “Grite de novo e eu te corto” Pobre Hermione Granger. The Casual Vacancy, primeiro romance adulto de JK Rowling, às vezes é engraçado, sempre bem observado e cheio de desespero e crueldade. Um adolescente se corta para se aliviar de sua miséria, outro comete suicídio. Pornografia online é descrito em detalhes ginecológicos.
>>
Se passa no lugar fictício West Country Village of Pagdord, e os personagens adultos parecem estar em uma categoria antes não conhecida na festa da Vila: Gratuitamente Desprezíveis Seres Humanos. Parece que a autora soltou todo xingamento, sexo e mordacidade que estava preso dentro dela desde que Harry Potter e a Pedra Filosofal foi lançado em 1997. E para falar do fim, meu Deus, tão enormemente sem vida que faz com que Thomas Hardy se pareça com PG Wodehouse.
Quando um entrevistador do The New Yorker disse a Rowling que há forte objeções pela ideia de que jovem leitores de Harry Potter podem ser levados a esse material ela respondeu friamente: “Não há parte de mim que sente que me apresentei como babá ou professora de seus filhos. Sou uma escritora e vou escrever o que quero escrever.”
Se você vendeu 450 milhões de livros, especialmente à crianças, e atingiu uma soma de £560 milhões, principalmente do bolso e do dinheiro do aniversário de crianças, então você pode não se considerar babá ou professora deles, mas com certeza você foi sua história para dormir e eles com certeza se sentirão atraídos pela sua voz. Para meus filhos, e bilhões de outras crianças, Rowling é uma Deusa da casa, a contadora de histórias que não apenas mediu como também definiu sua infância.
Tantas memórias vem a mim com o passar dos anos: minha filha, com oito anos, usando uma capa de plástico preta em uma fila de meia noite na livraria, ansiando por as mãos em Harry Potter e a Ordem da fênix. Seu indignado irmão mais novo aprendendo a ler o mais rápido possível para poder se juntar à ela naquele mundo secreto para o qual ela tinha se fechado, Eu lembro também, o ano em que um dos livros foi publicado no verão e os pais adiaram as férias da família até depois de data de publicação para garantir duas semanas de paz. Nosso vôo para Itália estava cheio de um som que ninguém achou que ouviria de novo: o denso e bem costurado, prazeroso som do silêncio de crianças lendo.
Eram tão grandes e gloriosos os poderes de Rowling de encantamento, que ela convocou uma inteira geração – geração que esteve em perigo de se perder do mundo escrito – ao mágico círculo de livros. Estaremos sempre em dívida com ela. Não duvido que The Casual Vacancy foi tão antecipado quanto o Natal: mais de um milhão de pre-vendas foram efetudas, inevitavelmente muitos dos compradores serão muito jovens. Então por que Rowling decidiu quebrar o feitiço, desconcertando fãs a lerem esse desigual e muitas vezes lancinante livro?
Devotos da Jane Austen (Rowling sendo um deles) conhecerão o formato, talvez até mesmo os personagens. The Casul Vacancy alterna o foco de sua atenção entre famílias numa comunidade rural – Howard Mollison, um confeiteiro de direita, Shirley, sua esposa que é consciente sobre seu status, seu filho procurador Miles e sua incrivelmente entediada esposa Samantha; Parminder, uma médica e vereadora, e sua intimidada, auto-flageladora filha; Ruth, uma enfermeira casado com Simon, que a espanca e a seus filhos; Colin, vice-diretor com uma desordem de obsessão compulsiva que o tormenta com a idéia de que ele abusou sexualmente de seus pupilos, mais Tessa, sua esposa que é conselheira na escola e Fats (Stuart), seu filho adotado indócil que anseia por “autenticidade” na forma de sexo num cemitério com Krystal Weedon de Fields, uma região próxima.
Kay, uma assistente social que acabou de chegar de Londres, é a ligação entre as ruazinhas adoráveis de Pagford e Fields, cujo nome bucólico (Campos) é desmentido por um terreno baldio cheio de crianças negligenciadas, pais indiferentes viciados e toda uma lista com os males de uma Grã-Bretanha falida.
Quando Barry Fairbrother, vereador e bom samaritano, morre no primeiro capítulo, seus oponentes no conselho vêem nisso uma chance para preencher a vaga com uma simpática Nimby e expulsar os odiados Fields, e com uma isso uma clínica de reabilitação de seu bairro perfumado. Na visão de Howard Mollsion, “Pagford brilhou com uma espécie de luz da moral. Para ele a cidade era um ideal, um exemplo de como ser; uma micro-civilização que se manteve firme contra o declínio nacional.”
Se você quer imaginar os Mollisons, leve sua mente de volta à Rua dos Alfeneiros nº 4 Little Whinging, Surrey. Era o lar dos Dursleys, que trancaram seu sobrinho órfão Harry Potter debaixo das escadas para acabar com a sua magia. Com seus valores sufocantes do subúrbio, os Dursleys se mantinham por tudo aquilo que Rowling despreza, e eles reencarnaram aqui com veneno extra e com apenas uma fração da diversão. Com Vernon e Duda Dursley, Howard, 64 anos, é reacionário e ridiculamente obeso: “Um grande avental de estômago caia tão abaixo na frente de suas coxas que a maioria das pessoas pensava imediatamente no seu pênis quando o viam pela primeira vez, se perguntando a última vez que ele o teria visto. Como ele o lavava, como ele conseguiria executar qualquer das ações que são designadas ao pênis.”
Esse é o humor ácido de Rowling nas primeiras páginas. Eu acho que Jane Austen ficaria admirada pela forma como ela descreve a notícia da morte de Barry se espalhando como um vírus por Pagford; inicialmente o choque e a tristeza são eclipsados quase que instantaneamente pela excitação da oportunidade de fofocar e de planejar que a notícia ruim carrega.
Depois de 15 anos de capas da invisibilidade, o anseio de Rowling por um realismo altamente visível é compreensível. Há uma cena onde a assistente social Kay visita Terri, a mãe viciada de Krystal Weedon, e seu filho de três anos, que está pelado para economizar a fralda. As camadas geológicas de miséria são reveladas com tal habilidade que você quer escalar as página e tirar aquela criança dali. Rowling realmente sabe o que está fazendo. Kay nota que Terri consegue lembrar precisamente a dosagem da droga que ingeriu, mas não a idade da própria filha, “Mas ela já tinha visto coisas muito piores; vergões e feridas, talhos e queimaduras, hematomas escuros como breu; bebês deixados em carpetes cobertos com merda de cachorro; crianças engatinhado com ossos quebrados…” (eu estremeço só de pensar como isso vai ser aceito nos EUA, que adoravam Harry Potter por seu aspecto britânico, e que acreditam que Quatro Casamentos e Um Funeral foi um documentário realista).
Enquanto Rowling presta seu devido respeito aos personagens mais pobres e despedaçados, no topo da escala social ela se ocupa criando imagens grotescas. Aparentemente, não foi suficiente que o Howard fosse gordo, adúltero e conservador; ele tem que vestir um chapéu de feltro no trabalho. Um chapéu de feltro numa confeitaria? Sério? O pináculo da misantropia surge num jantar horrível organizado por Miles e Sam Mollison. Em vão a assistente social esquerdista de Londres tenta expor suas simpatias contra o fanatismo suburbano de Miles. “Torta de lama do Mississippi?” chama Samantha, bêbada. Tudo que falta para se tornar uma festa de Abigail é tocar Demis Roussos no estéreo.
Essa farsa negra dificilmente se assenta com o medo doentio que encontramos depois de algumas páginas. Andrew, chamado de “Cara de Pizza” por seu pai Simon por causa da acne, descreve a vida brutalmente com “um feliz prisioneiro de seu próprio desprezo pelas outras pessoas”. Você realmente sente a família inspirando e expirando quando Simon está “em um daqueles humores que normalmente sugeriam que ele estava prestes a explodir”. Eu nunca li um relato tão preciso sobre uma família encolhendo-se debaixo da mão de ferro de um tirano e, se Rowling nunca teve uma figura assim na sua própria vida, de verdade, essa mulher tem poderes mágicos.
Invariavelmente, a autora é melhor quando volta à sua zona de conforto, lidando com personagens adolescentes, seus anseios imperfeitos e amizades solitárias. Ela entra debaixo da pele de Andrew, Krystal e Fats de maneira que não consegue fazer com os adultos, todos são antipáticos e irritantes, exceto Barry Fairbrother. O que não vale, porque ele está morto.
O ponto baixo do livro é quando é mais agressivo politicamente, satirizando o que o amigo de JK, Gordon Brown, chama de “fanáticos”. E a novela praticamente explode perto do final, perdendo seu formato na fúria contra a suja e injusta Inglaterra que nós, trouxas, criamos para nós mesmos. É como se fossem The Archers usando nitrato de amilo. Alguns vão achar isso bravo e inovador por parte da Rowling, mas com certeza vai ser um choque para outros, que amavam sua estampagem com dormitórios e festas. Nos dias por vir, junto com milhares de pais pelo mundo, eu terei que fazer algo que vai contra meus instintos: eu vou tentar impedir meus filhos de ler um livro.
“Posso ler, mãe?” perguntou meu Harry Potter estudioso num domingo de manhã, aconchegando-se para perto para tentar dar uma olhada na minha cópia. “Não, não pode.” “Por quê?” “Porque está cheio de coisas sombrias e você é muito novo.” “Não é pior que o Prisioneiro de Azkaban.” “Sim, é pior.” “Por quê?”
Eu tive que pensar muito antes de responder. Nos livros anteriores de JK Rowling, havia o mal, a morte, a tristeza, mas também havia esperança e redenção. No fim do The Casual Vacancy, não há nenhuma varinha para agitar, nenhum feitiço para fazer o horror ir embora. É impiedoso. Uma criança morre, outra se afoga; quase ninguém na história ama outra pessoa, e a autora não é muito mais gentil que isso.
“Não há magia nesse livro para tornar as coisas melhores,” eu disse. “A maior parte é realmente horrível. Eu não quero que você leia isso, querido.”
“OK,” ele disse, pesando a sabedoria nas minhas palavras e pulando pra fora do sofá, “Eu vou ler.”