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O limite da (in)sanidade

Já diria a sabedoria popular: de médico e de louco todo mundo tem um pouco. Nossa colunista Brunna Cassales preferiu não se atrever na área médica e se concentrar na parte, talvez, mais difícil. Somos todos loucos, ela afirma… mas não insanos.

Você acha que ela está viajando? Pois então leia sua nova coluna e tente compreender, numa análise séria da sanidade dos personagens mais (ou menos) malucos, o que ela quis dizer com isso.



Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.
– Albert Einstein

É comum ouvir dizer por aí que quem apresenta um comportamento anormal é insano. De uns tempos para cá, a rotina imposta no cotidiano das pessoas passou a ser, de certa forma, inserida em um padrão tão extremo de normalidade que isso logo fica taxado como entediante e, para nos sentirmos livres, refugiados, nós costumamos dizer, sem receio, que somos loucos. E com ênfase.

Será que é certo associarmos insanidade à loucura logo à primeira vista? Bem, ao meu ver, depende do contexto. Atitudes nobres na maioria das vezes são ousadas e — dependendo do tamanho da ousadia — pode-se dizer que a atitude é louca! Sim, louca, não insana. Por que as conseqüências, mesmo que ignoradas, são devidamente calculadas no ato de loucura ao qual eu me refiro. Então, isso significa que o mundo pode estar repleto de loucos, mas não está repleto de insanos? Não mesmo. Julgamos aqui os loucos como indivíduos bem-aventurados, apaixonados por sua causa. Existem muitos desses, é claro. Entretanto, engana-se aquele que supõe que a loucura encobre a insanidade. Não. Olhe ao redor! Os insanos estão por toda parte.

Você deve estar pensando que essa louca (mas sã!) que vos escreve agora vai enumerar personagens do Universo Harry Potter em cujas veias percorre a insanidade sem limites. Não vou negar que se foi isso o que pensou, até determinado ponto, acertou. Porém, antes disso, gostaria de fazer alusão àqueles que estão além dos limites da insanidade. E, permita-me, não me refiro aos sãos, mas sim aos “não-insanos”.

“Não-insanos” — ou “mais-que-insanos” — são aqueles que já passaram da fase da insanidade, já extrapolaram, e, portanto não podem ser classificados como tais. Um exemplo ideal disso é Belatriz Lestrange. Não é necessário mais do que uma breve observação para se perceber que se trata de uma desvairada; uma mulher obcecada por seu lorde, que visa ajudá-lo a alcançar, a qualquer custo, seus objetivos para figurar sempre dentre seus seguidores preferidos e cujo comportamento é peculiarmente sádico e psicótico. Assim como Rita Skeeter, cujo jornalismo à la “imprensa marrom” — estilo sensacionalista desmedido — torna seu caráter reconhecível de longe, e Dolores Umbridge, onde por trás do excessivo cor-de-rosa existe uma mulher preconceituosa e dissimulada, que usa todos os meios possíveis para reafirmar sua autoridade — inclusive a tortura —-, ela sabe o que está fazendo e não se arrepende, embora o que faça seja perturbador. O próprio Voldemort se classifica como “não-insano” e não é preciso delongas para se confirmar isso. Por mais terrível que seja a forma como ele age, suas ações estão interligadas com os respectivos resultados que quer atingir. Sem hesitações nem arrependimentos.

Já dentre alguns dos personagens que mais se encaixam no limiar da insanidade, não poderiam faltar os Comensais da Morte que compõe a Família Malfoy e Rabicho, além do zelador de Hogwarts, Argo Filch. Em primeiro lugar, desde que Pedro Pettigrew foi desmascarado como “o infiel do segredo” até sua morte, são nítidas as oscilações que o movem. Seja para livrar a própria pele ou, talvez, impulsionado por algum milésimo de arrependimento, Rabicho demonstrou que é insano. Entrementes, os Malfoy, cada qual ao seu jeito, demonstraram que junto ao seu “sangue azul” percorria a mais pura insanidade. Lúcio queria mostrar sua prontidão; Narcisa, sua hospitalidade; Draco, sua competência. Todos queriam demonstrar lealdade, desejavam se provar, mas mantinham um pé atrás. No fim, ficou óbvio que tinham medo das conseqüências e, mais ainda, de buscar outra saída. E quanto a Argo Filch, os esforços para manter a ordem no castelo com sua vontade declarada de que os castigos físicos em alunos voltassem não provam “mais-que-insanidade”, tampouco apenas insanidade. O que prova que Filch é insano são as tentativas constantes de conseguir fazer algo de que ele não é capaz, por ser um aborto — o que, talvez, seja um ato mais esperançoso do que insano. Querer infligir dor aos alunos só demonstra seu ódio àqueles que podem aprender magia e praticá-la com êxito.

Por outro lado, existem motivos para se afirmar que nem só de insanidade vive o mundo — nem o mágico, nem o trouxa. Há personalidades com um quê de loucura, mas perfeitamente sãs, como a de Luna Lovegood. Muitos que não a conhecem poderiam dizer que ela é uma figura tão excêntrica que não sobra espaço para a sanidade, mas isso é um equívoco. Luna é absolutamente sincera ao declarar suas próprias opiniões e acredita em coisas incomuns, o que é confundido com falta de sanidade. A verdade é que Luna, por mais “Di-Lua” que seja, é uma das personagens mais sensatas da série Harry Potter. Como ela, há outros sãos que não tem essa característica reconhecida facilmente, dentre eles, seu próprio pai, Xenofílio, e Grope, o meio-irmão gigante de Hagrid que acaba se afeiçoando a ele e a Hermione e aprende a controlar seus instintos e conviver com o irmão que o tirou da vida sofrida entre os gigantes que o subestimavam.

Há muitos dentre os sãos, inclusive o próprio Harry, que só beirou a insanidade quando achou que poderia encontrar as Horcruxes sozinho. Ah, mas isso foi mais uma atitude louca, não insana. Ele já era um herói desde antes de saber que era bruxo, só por conviver com os Dursley a infância inteira e continuar são! Agora, quem merece destaque por sua sanidade é Neville Longbottom e Severo Snape. Neville é o menino que também sobreviveu. Não ao ataque de Voldemort contra sua vida quando tinha um ano de idade, mas também à perda prematura de seus pais, que foram torturados até perder a razão. Seria quase justificável ele sucumbir à insanidade, afinal, sua avó o pressionava para que desenvolvesse a mesma capacidade mágica que seus genitores, os quais tiveram um destino trágico. Mas ele superou a si mesmo, a seus traumas e às expectativas de todos, e se tornou o grande orgulho de sua avó, um grande bruxo. E Snape é um homem amargurado pelos fantasmas do passado que conseguiu sair do lado das trevas para se infiltrar nele, sempre sabendo no que estava metido e calculando cada passo sob as orientações de Dumbledore. Era realmente um homem muito corajoso.

Ninguém é perfeito, mas não se pode negar que há quem seja completamente são, mesmo com rompantes de loucura, afinal, loucura na dose certa é até aceitável. Insuportável é viver entre insanos — ou mais que isso… Bem, por fim, como um amigo me sugeriu, dedico esta coluna a Dobby, cuja vida não tem nada de insana e sim, tudo de heróica.

Brunna Cassales continua procurando seu parafuso a menos.