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As luzes de Alvo Dumbledore

Partindo de um dos artefatos mais curiosos da saga Potter, o deluminador de Dumbledore, nossa colunista Marisa Rosalino analisa a verdadeira importância do objeto mágico e sua real relevância para a história em si. Dessa forma, prova ao leitor pouco atento uma verdade inegável: na série de Rowling, um questionamento pessoal do herói Harry nunca é mera coincidência.

Além disso, a autora dá mais um exemplo da maneira incrível como Dumbledore – poderoso, porém defectível – aparece em auxílio de seus aprendizes quando menos se espera.

Leia o texto completo e entenda o brilhante raciocínio de Marisa clicando aqui, sem deixar de lado os indispensáveis comentários ao fim da página.

Por Marisa Rosalino

Não foi uma só vez que Jo Rowling utilizou Harry para direcionar nossas indagações à seu bel prazer. É necessário, para o decorrer da história, que o herói se pergunte algo de extrema importância posterior, para distrair-se com um acontecimento importante logo em seguida. Assim, nós também nos perguntamos, também nos distraímos e podemos nos deparar com uma agradável surpresa quando aquela primeira indagação revela-se crucial. Como vemos a história através dos olhos de Harry, o bruxo é uma ferramenta. E me pareceu despropositado usar essa ferramenta para apresentar-nos uma dúvida que não seria respondida, quando Harry conclui não entender o porquê dos epitáfios de Kendra e Ariana serem aqueles. O fato tinha todas as características daquela jogada descrita acima: logo após esse episódio, ocorre a visita ao túmulo dos pais de Harry, uma cena emocionalmente intensa, seguida de um agradável relato sobre como uma serpente pode usar um cadáver para andar por aí e, por fim, sair pelo pescoço da vítima. Digamos que é uma cena forte o suficiente para nos distrair de um pequeno detalhe como o epitáfio – se não fica na mente de Harry, não fica na nossa. Ainda assim, não havia resposta. Ao menos não aparente.

Outro assunto que me pareceu pouco desenvolvido no sétimo livro foi o deluminador: um artefato criado por Dumbledore, cujo funcionamento não foi muito bem explicado e de cuja invenção não há pista alguma. Se nunca o tivéssemos visto antes, pareceria plausível argumentar que Dumbledore previra a dificuldade de Rony e inventara o artefato especialmente para presenteá-lo em seu testamento. Mas não é o caso: o aparelho está com o diretor quando somos inicialmente apresentados a ele, no primeiro capítulo do primeiro livro da série. É o primeiro artefato mágico que nos é mostrado, artefato este utilizado pelo bruxo mais poderoso daquela época, apesar de, aparentemente, apenas apagar e acender luzes. Devia ser algo especial – como descobrimos que seria, seis livros depois. E por isso parecia haver mais nele do que o óbvio.

Talvez o epitáfio e o deluminador, por estarem ambos ligados à maior questão do passado de Dumbledore, também partilhassem uma ligação própria entre si. Pois me pareceu que levar o seu usuário aonde estivesse o seu coração seria uma boa descrição para o funcionamento do deluminador, considerando o fato de que o aparelho produziu uma luz a qual adentrou o peito de Ron Weasley, quando este o utilizou. Tal conexão parecia também ser muito bem explicada pelo terceiro e último elemento citado nessa coluna: o espelho de Ojesed. Não sabemos dizer quando Dumbledore encarou-o pela primeira vez, se já o conhecia de seus tempos de estudante ou não. Ainda assim, sabemos o que veria antes e depois da morte de Ariana. Após o fatídico acidente, o que o mago veria seria similar ao que Harry viu, aos 11 anos de idade.

Harry superou o espelho, mas Dumbledore nunca o fez. E enquanto Harry, um primeiranista não particularmente brilhante, poderia apenas desejar cruzar o espelho, Dumbledore, uma figura tão genial, talvez pudesse ter tentado fazê-lo. É possível que tenha tentado inventar um artefato capaz de conduzi-lo até onde seu coração estava, seu maior tesouro, sua família. Uma luz para guiá-lo por caminhos que ninguém havia conseguido cruzar, até o outro lado do espelho. Quem sabe até tenha sido bem sucedido – mas sabemos que ele não conseguiu reunir-se à família, por ter tentado usar a pedra no anel de Marvolo, anos depois. Qual a diferença, então, entre Ron Weasley e Alvo Dumbledore?

Quando Ron e Harry visitaram o espelho de Ojesed, Dumbledore deve ter visto em cada um deles o reflexo de si mesmo. Harry era Dumbledore após a morte de Ariana, com os mesmos desejos – e Dumbledore ajudou-o a superar esses desejos, algo que nem mesmo ele havia conseguido fazer. Por outro lado, Ron era Dumbledore antes da morte de Ariana, as mesmas ambições, a mesma amargura. E o mago deve ter previsto que, assim como ele, o menino talvez viesse a decepcionar aqueles a quem amava. Deixando o deluminador para Ron, deu ao rapaz a chance de fazer algo que ele não pôde: voltar atrás. Porque a diferença entre os dois casos é que Hermione disse o nome de Ron. Essa é a condição primordial do deluminador: o usuário precisa ser convocado. Sua mãe e irmã, no entanto, não poderiam mais chamá-lo. As pessoas do espelho estão sempre em silêncio.

Apesar de ter perseguido por toda a vida algo que nunca alcançou, mesmo que tal obsessão tenha lhe levado à morte, esse foi o legado de Dumbledore: impedir que dois meninos errassem do mesmo jeito como ele próprio errou, interferindo em seus destinos e garantindo a ambos uma possibilidade de futuro a qual ele nunca teve.

Marisa Rosalino daria sua própria varinha em troca de alguma das invenções brilhantes de Dumbledore.