Foram às ruas no último sábado (29) centenas de milhares de pessoas – especialmente no Brasil, mas também em outras partes do mundo. Pediam, ou mais do que isso, ordenavam um basta ao machismo, à misoginia, à homofobia, ao racismo, à xenofobia – e a quem as represente. Sem empunhar uma varinha, os manifestantes fizeram mágica: foram ouvidos no mundo todo, suas vozes a ecoar um pedido, ou mais do que isso, uma ordem: #EleNão.
Desconfiamos que aquelas pessoas são fãs incondicionais de Harry Potter. Podemos vê-las ali, vestidas de lilás, transportando-se e extraindo lições de um mundo mágico onde reinou o medo, a segregação e o ódio. É comum a estes fãs a sensibilidade na luta contra o fascismo. Não à toa, “Você-Sabe-Quem” e “Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado” são expressões frequentemente utilizadas para chamar um candidato à presidência cujo nome nos recusamos a pronunciar e que, definitivamente, nunca leu Harry Potter.
Temos medo, mas também temos coragem para lutar. Por isso, estivemos lá no sábado e estamos aqui hoje. É necessário. E é urgente.
Vivenciamos na pele o preconceito e a luta. Nós, que somos negros, mulheres, LGBTs, refugiados, todos temos em comum as batalhas que travamos juntos pela vida. Os que não são minorias sociais, mas estiveram nas manifestações, demonstram empatia, sentimento tão notável entre os fãs de Harry Potter que já foi tema de pesquisa científica: um estudo chegou à conclusão de que a leitura da série muda a percepção dos jovens sobre grupos estigmatizados e os torna menos propensos a discriminá-los.
Para nós, existir tal como somos é um ato político. É político sair às ruas todos os dias, sempre prontos a ouvir, sem fraquejar, insultos, baixarias, piadas, “brincadeiras” que nos destroem. Nos unimos a uma política que não passa necessariamente pelos corredores de um parlamento qualquer, mas que corre em nosso sangue. No sábado, demonstramos a todos que também somos capazes de fazer política para afastar o perigo de um candidato que é contra nossa existência e pode pôr em risco o pouco que conquistamos.
Identificamos esta mesma política em Harry Potter na resistência, na coragem, na consciência coletiva de que Lorde Voldemort não podia voltar ao poder e contaminar o mundo bruxo com o horror, com o medo, com a morte, não, não… Ele, não.
Aos fãs apolíticos, sentimos informar: a série Harry Potter é puramente política. A Ordem da Fênix, como organização de luta e resistência, é política. A Armada de Dumbledore, pondo-se à frente da tirania de Dolores Umbridge, é política. Dumbledore e Newt se unindo para lutar contra o fascismo de Grindelwald, que pregava a supremacia bruxa sobre trouxas, é política. O Fundo de Apoio à Libertação dos Elfos Domésticos (F.A.L.E.), tão ridicularizado e incompreendido, é luta pelos direitos das minorias, é resistência e é política.
J. K. Rowling se preocupou em estabelecer instâncias claras de poder no mundo bruxo. O Ministério da Magia é a evidência mais óbvia de como é possível utilizar-se do poder para fazer mal àqueles que deveriam ser, em primeiro lugar, defendidos. A lição nos parece clara: a democracia é uma entidade frágil com a qual não se brinca, que deve ser alimentada todos os dias de modo a se fortalecer.
Neste momento tão dramático na vida brasileira, o POTTERISH é coerente com sua história e com Harry Potter. Não podemos deixar de fazer política. Pedimos, ou mais do que isso, ordenamos: Ele, não!
Fizeram política os que foram e os que não foram às ruas, mas mantiveram suas varinhas erguidas onde quer que estivessem. Fazem política aqueles que leem Harry Potter compreendendo devidamente a mensagem de inclusão, de paz e de harmonia social – valores pelos quais devemos prezar incondicionalmente.
Não vivemos o horror, em Harry Potter e em nossas próprias peles, para permitir que o mal triunfe sem que nada façamos. As varinhas se erguem no luto e na luta. Não é o momento de baixá-las. Ele, não! Ele, nunca!