Filmes e peças

Os desafios da dublagem de “A Bela e a Fera”

O público brasileiro tem uma forte relação com as versões dubladas de filmes, principalmente aqueles ligados ao universo infantil. Com a chegada de A Bela e a Fera aos cinemas, estrelado por ninguém menos que Emma Watson, o Potterish conversou com a atriz e o diretor de dublagem do live-action da Disney, Giulia Nadruz e Rodrigo Andreatto, que estão muito orgulhosos do trabalho que fizeram.

Por Kaio Rodrigues

Rodrigo, que dubla há 24 anos, chegou até a emprestar sua voz ao nosso querido Rony Weasley em um dos jogos baseados no Mundo Bruxo de J.K. Rowling. Ele reconhece que cada trabalho é diferente e desafiador, mas quando foi convidado a dirigir a dublagem de A Bela e a Fera, sabia que as dificuldades iriam além: “Para honrar a animação na qual o filme foi inspirado, tentamos manter ao máximo as referências. Qualquer mudança visível na tela foi proposital, feita depois de muito debate.”

Para Giulia, acostumada ao teatro musical, a missão ia além: substituir a dubladora anterior de Watson, que, por não cantar, sequer chegou a ser considerada para o papel de Bela. “A Disney tem se empenhado para buscar profissionais que façam tudo na dublagem, evitando uma disparidade entre os diálogos e os números musicais”, explica Giulia, que admira o trabalho de Luisa Palomanes. “Os fãs ficaram decepcionados por ela não ter dublado o filme, e eu super compreendo. Mas a gente tem que se adequar às mudanças.”

Coincidentemente, a atriz nasceu em 1991, ano em que o clássico francês do século XVIII chegou às telas pela primeira vez. “Quando fui convidada para fazer um teste de voz e descobri que era para A Bela e a Fera, quase tive um piripaque”, relembra.

Andreatto não precisou de teste. Desde 2012, ele é o responsável pela dublagem de (quase) todos os longa-metragens da Disney, e apesar da jornada árdua de trabalho, nada diminui sua empolgação pela profissão, que “dispensa qualquer vaidade”. Diferente dos atores, que só têm acesso às próprias falas e gravam trechos muitos pequenos por vez, o diretor de dublagem recebe uma cópia completa do filme. Ainda que em uma qualidade baixíssima e cheia de marcas d’água, é ela que norteia todo o trabalho. “A importância da direção é justamente conseguir passar para quem está dublando tudo o que o ator precisa saber para entrar no personagem”, explica Rodrigo. “Assisti ao filme 5 ou 6 vezes antes de gravar.”

Ao contrário dos demais live-actions da Disney, A Bela e a Fera não foi dublado no Rio de Janeiro. Para manter os vozeiros idênticos aos originais, no estúdio paulistano um aparato especial chegou a ser montado para a captação dos ruídos externos das cenas. Mas o maior cuidado mesmo era com o timbre da interpretação em diálogos e canções, gravados em momentos e espaços físicos diferentes:

“Precisávamos causar a sensação de que o personagem estava conversando e de repente saiu cantando, na mesma emoção. Era uma preocupação muito grande minha, porque estou cansado de ver musicais onde a voz do ator muda, assim como a entonação e a interpretação.”

Para evitar esse tipo de problema, Rodrigo manteve contato diário com o diretor musical da versão brasileira, Nandu Valverde.

E falando sobre dificuldades, qual teria sido o personagem mais difícil de dublar? Hm… A Fera? Não! Para Andreatto, o maior desafio foi adaptar Maurice, o pai da Bela, “porque a interpretação original de Kevin Kline é muito boa, cheia de nuances”. E surpreendentemente, talvez o trabalho mais fácil tenha sido com Giulia: “Ela é muito doce, mas muito firme, exatamente como a Bela. Com os outros personagens, precisei ficar de olho no modo de falar e nos sotaques.”

Essa atenção especial a trejeitos e formas de falar, assim como a preocupação com técnicas e inovações, representa um avanço significativo na dublagem brasileira. Para Giulia, o preciosismo da Disney tem sido fundamental: “Eu considero a dublagem brasileira uma das melhores do mundo, senão a melhor”. Segundo Rodrigo, as sementes para tudo isso começaram a ser plantadas nos anos 1990: “Eu comecei numa época em que os filmes eram gravados por adultos imitando vozes infantis. Fiz parte de uma das primeiras turmas de crianças que dublavam.”

Após mais de um mês em uma rotina intensa de gravações, Giulia já planeja novos trabalhos e sonha com o dia em que poderá encenar seu próprio filme. Já Rodrigo está a todo vapor! Com ares de mistério, fala sobre os próximos longas que dirigirá: “Um é a sequência de uma animação que já tem dois filmes anteriores. Até já gravamos. E outro é uma animação nova, um musical. São desafiadores, mas eu adoro. É o que escolhi para minha vida.”

Dirigido por Bill Condon, A Bela e a Fera chegou às telas em 16 de março e ainda está em cartaz! Se você ainda não assistiu à versão dublada, o que está esperando?!

Kaio Rodrigues é estudante de Letras da UERJ, colunista do Potterish e editor da Seção Granger.