J. K. Rowling

J.K. Rowling discursa sobre liberdade de expressão e filantropia na premiação do Pen America

O PEN Literary Gala & Free Expression Awards, uma premiação criada para honrar escritores, poetas e contribuintes literários que lutam pela liberdade de expressão e que se opõe à censura ao redor do mundo, aconteceu na última segunda-feira (16/05). No evento, J.K. Rowling recebeu o prêmio PEN/Allen Foundation Literary Service Award das mãos da atriz Sarah Jessica Parker, sendo descrita como “uma autora aclamada, cujo trabalho transmite sua missão de se opor à qualquer forma de repressão e de defender o melhor da humanidade”.

J.K. Rowling, que é considerada um alvo frequente da censura, também ganhou reconhecimento por suas duas instituições: a ONG Lumos, que trabalha para transformar os sistemas de prestação de cuidados para crianças e fechar todos os orfanatos do mundo até 2050, e o Charitable Trust Volant, que arrecada dinheiro para aliviar a pobreza e privação social, especialmente entre mulheres e crianças, e para pesquisas da doença de esclerose múltipla, que matou sua mãe.

De acordo com os organizadores, Jo recebeu o prêmio pela inspiração que seus livros forneceram e ainda fornecem às novas gerações de leitores e escritores no mundo inteiro, por usar seus talentos e seu status de escritora global para combater a desigualdade e por emergir como grande voz da liberdade de expressão e acesso à literatura por todos.

Andrew Solomon, presidente do PEN America, disse:

“Por meio de sua escrita, Rowling gera imaginação, empatia, humor e amor pela leitura, e ao longo do caminho vai revelando escolhas morais que nos ajudam a entendermos a nós mesmos. Pelas suas experiências com Rowling, dentro e fora das páginas, inúmeras crianças aprenderam não só a expressarem seus pensamentos e sentimentos, mas também a importância de ouvir os outros. Como uma contadora de histórias talentosa, feroz opositora de censura, defensora dos direitos das mulheres e do acesso à educação, Rowling usa todas as ferramentas à sua disposição para criar um mundo melhor e mais justo para os nossos filhos.”

Rowling fez um discurso ao aceitar o prêmio, como pode ser assistido no vídeo abaixo (em inglês) a partir da marca 1h48min. A tradução na íntegra, feita pela nossa equipe, pode ser lida na extensão do post, por meio deste link.


Discurso de J.K. Rowling ao receber o prêmio PEN America
Traduzido por: Juliana Torres em 17/05/2016.
Revisado por: Rodrigo Cavalheiro em 17/05/2016.

J.K. Rowling: Obrigada, obrigada. Vocês não estão sós. Esta pessoa também tem que usar óculos. Oh… estou ficando corada. Primeiro, gostaria de agradecer muito, muito mesmo por essa enorme honra prestada dessa forma por uma organização que eu admirei profundamente por muitos e muitos anos. Também é um privilégio total dividir o palco essa noite com os honrados anteriormente. As campanhas da PEN em nome de escritores aprisionados são essenciais e inspiradoras, apesar de ser triste refletir sobre quão necessária a defesa dos escritores continua a ser hoje em dia.

Falando pessoalmente, eu tenho pouco do que reclamar a respeito da minha liberdade de expressão. Eu já fui confrontada uma vez por um fundamentalista cristão em uma loja de brinquedos aqui em Nova Iorque. Eu não fazia ideia de que a frase “estou rezando por você” poderia soar tão intimidante. Houve uma ameaça de bomba uma vez em uma loja na qual eu iria aparecer. Foram feitas buscas nas redondezas e nada foi encontrado. O evento aconteceu. E os livros do Harry Potter frequentemente figuraram nas listas de mais banidos. Mas, como tais listas destacam muitos de meus autores favoritos, eu sempre fiquei lisonjeada de ser incluída. Claro, eu posso me dar ao luxo de lidar com essas coisas com leveza, protegida como eu sou por ser cidadã de uma nação liberal em que a liberdade de expressão é um direito fundamental. Meus críticos tem liberdade para alegar que eu estou tentando converter crianças ao satanismo e eu tenho liberdade para explicar que eu estou explorando a natureza humana e a moralidade ou para dizer “você é um idiota”, dependendo com qual pé eu levantei naquele dia.

Entretanto, eu nunca tomei como certo esse direito. Por volta dos meus 20 anos eu trabalhei para a Anistia Internacional e foi onde eu aprendi exatamente o preço que as pessoas ao redor do mundo já tiveram que pagar e ainda pagam pela liberdade que nós do Ocidente às vezes tomamos como certa. De fato, eu me preocupo que possamos estar arriscando sua erosão através de pura complacência. As marés de populismo e nacionalismo atualmente se espalhando por muitos países desenvolvidos vêm sido acompanhadas por exigências de que vozes que não são bem vindas e são inconvenientes sejam retiradas do discurso público. A “mídia mainstream” virou um termo de abuso em algumas regiões. Parece que a menos que um comentarista ou canal de televisão ou um jornal reflita exatamente o ponto de vista do reclamante, ele deve ser culpado de ser preconceituoso ou corrupto.

A intolerância dos pontos de vista alternativos está se espalhando para lugares que fazem com que eu, uma moderada e liberal, fique muito desconfortável. No último ano, vimos uma petição online para banir Donald Trump de entrar do Reino Unido. Ela havia juntado meio milhão de assinaturas.

Eu considero quase tudo que o senhor Trump fala repreensível. Eu o considero ofensivo e fanático. Mas ele tem meu total apoio para vir ao meu país e ser ofensivo e fanático lá. Sua liberdade para falar protege minha liberdade para chamá-lo de fanático. A liberdade dele protege a minha. A menos que nós peguemos aquela posição absoluta sem ressalvas e desculpas, nós entraremos em uma estrada com apenas uma direção. Se meus sentimentos ofendidos puderem banir uma viagem de Donald Trump, eu não tenho qualquer moral para argumentar que aqueles ofendidos pelo feminismo ou pela luta pelos direitos dos transgêneros ou pelo sufrágio universal não possam oprimir os ativistas destas causas. Se você busca a remoção da liberdade de um oponente simplesmente porque ele te ofendeu, você cruzou a linha para ficar junto de tiranos que prendem, torturam e matam exatamente pela mesma justificativa.

Eu gostaria de concluir esses comentários lendo duas curtas passagens do blog de uma adolescente. Em 2009, Tal Al-Mallouhi se tornou uma das prisioneiras de consciência mais jovens do mundo quando ela foi removida de sua casa pelas forças de segurança da Síria. Ela tinha 18 anos. Sua família e amigos tiveram que esperar 11 meses para descobrir que ela havia sido acusada de dar assistência a um país estrangeiro. Seus pais tiveram permissão para vê-la apenas uma vez. Eles temem que ela possa ter sido torturada. Isso é parte do material que foi considerado tão perigoso e inflamatório que faz com que ela continue presa:

“Eu não gosto das palavras do poeta Rudyard Kipling: o Leste é o Leste e o Oeste é o Oeste e os dois nunca vão se encontrar. Em vez disso, eu promovo a união do Leste e do Oeste. Eles se encontram em algum lugar. Com o pensamento racional, duas grandes almas, daqui e de lá, podem concordar uma com a outra, independentemente da vasta separação no tempo e no espaço. Ó, meu irmão humano, se eu discordo de você em pensamentos, princípios ou crenças, isso nega o fato de que ambos somos humanos? Tudo que eu e você podemos fazer é respeitar um ao outro. Tolerar o ponto de vista de seus oponentes de forma calma e paciente. Enquanto os escuta, não pense em responder até ouvir todas as opiniões opostas.”

Eu repito esse apelo lindo por pluralidade, tolerância e a importância do discurso racional na esperança de que Tal Al-Mallouhi seja posta em liberdade logo. No meio tempo, que a PEN possa continuar lutando por ela, pelas liberdades nas quais uma sociedade liberal se apoia e sem as quais nenhuma literatura pode ter qualquer valor. Muito obrigada mesmo. Obrigada. Obrigada.