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Seção Granger: “A Garota Dinamarquesa”, de David Ebershoff

“A Garota Dinamarquesa”, romance de estreia de David Ebershoff publicado pela Editora Rocco, inspirou o filme homônimo estrelado por Eddie Redmayne, retratando com profundos detalhes a história de amor surpreendente entre uma mulher que ousou seguir o seu desejo mais profundo e sua ex-esposa, brilhante, generosa e à frente do seu tempo.

Marina Anderi, chefe de tradução do Potterish, reinaugura a nossa coluna literária Seção Granger com uma resenha crítica sobre esta obra.

“Lili é confiante, elegante, dona de si. O fato de ela e Greta serem pintoras de linhas artísticas distintas formam uma ótima rima quando Lili se transforma na musa de Greta. Não mais amantes, nem cônjuges, mas amigas, confidentes. É um desenrolar inesperado ao se tratar de uma história que se passa na década de 20, um pensamento moderno que não seria esperado à época.”

Para ler o texto na íntegra, acesse a extensão do post por meio deste link.

“A Garota Dinamarquesa”, de David Ebershoff
Resenha crítica por Marina Anderi

Apesar de ser baseado em fatos reais, “A Garota Dinamarquesa” não tem a intenção de ser uma biografia. Baseado em diários e correspondências de Lili Elbe e Greta Wegener, o escritor David Ebershoff esclarece no prefácio que usou muito da ficção para tornar a história mais interessante e romantizada, além de preencher lacunas. Isso é perceptível mesmo sem esse recado, pois a obra tem um caráter tão pessoal que é difícil imaginar alguém confessando tantos aspectos sobre a própria vida dessa forma, confiando tanto em outra pessoa.

Tudo começa, ingenuamente, quando Greta pede à Lili – então se identificando como Einar, homem, ao menos publicamente – para usar um vestido para que ela possa terminar um quadro de uma cantora de ópera que faltara à sessão de pintura. Isso desencadeia no desenvolvimento do que aparenta ser um alter ego.

De forma instigante, o livro é contado muitas vezes pelo ponto de vista de Greta, trazendo dois pontos importantes:

O primeiro – que não condiz com a história em si, mas sim com o mundo externo – é que o escritor, sendo um homem cisgênero, não se propõe a tentar transcrever o que Lili está passando através dela própria, já que ele não tem a mínima vivência para isso. É algo que foi trazido à tona e causou polêmica no anúncio da adaptação cinematográfica e seu elenco, repleto de pessoas cis, inclusive no intérprete da própria protagonista (Eddie Redmayne). Além de tirar espaço de uma comunidade que já tem pouca voz na mídia, para início de conversa, apropria-se de algo que não dá para compreender; desconstruir-se completamente, sem a experiência pessoal. Não é ideal o livro ser escrito por alguém cis, claro, mas ao menos o escritor utiliza Greta como o olhar externo que ele próprio possui.

O segundo é que Greta observa e apoia o então marido em sua jornada pessoal mesmo não compreendendo muito o que está acontecendo. Ela sugere um nome, sugere que Lili apareça mais vezes, e procura agir com a maior naturalidade diante da situação. Lili, enquanto Einar, ainda se trata como um alter ego, refere-se a si mesma como um personagem, usando até a terceira pessoa (“Lili esteve aqui esta tarde”, ela diz à esposa ao trajar roupas masculinas). Greta deixa bem claro ao leitor que percebe o quão diferente o marido é dos demais e não se sente confortável em sua própria pele.

Não é surpresa, então, descobrir que o personagem na verdade é Einar. Lili é confiante, elegante, dona de si. O fato de ela e Greta serem pintoras de linhas artísticas distintas formam uma ótima rima quando Lili se transforma na musa de Greta. Não mais amantes, nem cônjuges, mas amigas, confidentes. É um desenrolar inesperado ao se tratar de uma história que se passa na década de 20, um pensamento moderno que não seria esperado à época. Não que não haja desavenças entre elas, pois Lili tende a não considerar os sentimentos de Greta em muitas situações, mas fica difícil julgá-la uma vez que se sabe pelo que está passando.

A transição de Lili Elbe é um marco na história da comunidade trans e certamente ajudou muita gente. Nem no livro e nem no filme a sua vida é contada de forma ideal, sem palpite da comunidade que a representa, mas espero que, de qualquer forma, inspire aqueles que estão precisando.

368 páginas, Editora Rocco (Fábrica 231), publicado em 2016.
Título original: “The Danish Girl”.
Tradução: Paulo Reis.

Marina Anderi é estudante de Cinema na Universidade Federal de Pernambuco e chefe de tradução do Potterish.