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O dementador no nosso mundo

Que J.K. Rowling é uma mulher genial, restam poucas dúvidas. De que determinados pontos da sua obra e que, ainda que ficcional, determinadas atitudes e ações dos personagens em Harry Potter podem (e devem) ser transportados para a vida do leitor, também ninguém questiona.

Você sabia, porém, que a criação dos dementadores teve uma razão especial na série? E que esse motivo saiu diretamente de um dos piores momentos já vividos na vida de tia Jo? Bruno Contesini veio hoje nos contar um pouco mais sobre isso e dissertar sobre a influência que os momentos depressivos têm na vida de cada um de nós. Sempre há um bom modo de superá-los, e é fundamental não esquecer disso.

Por Bruno Contesini

Quantas vezes, nos dias atuais, ouvimos dizer que estamos no século da depressão, que trata-se de uma das doenças mais atuantes e sérias do nosso tempo? Tudo isso é mesmo uma realidade, mas o que é, de fato esse transtorno, e de que modo ele está relacionado com o universo Potter?

Primeiramente, é preciso fazer uma diferenciação, a depressão é uma doença, que necessita de diagnóstico de profissional da medicina (ou de curandeiro do hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos, é claro), sendo assim, é bastante diferente de uma sensação de tristeza episódica, natural a qualquer ser humano.

Por se tratar de um termo bastante disseminado, há muita confusão entre uma sensação de tristeza e o transtorno depressivo maior, a grande diferença entre eles está na continuidade, ou não, da condição de “tristeza” por longos períodos!

O que nem todos sabem é que J. K. Rowling sofreu deste transtorno depressivo, tão logo se separou de seu primeiro marido. A partir das lembranças deste período, inclusive, ganham forma os dementadores, criaturas mágicas fundamentais para a série, e para a correlação proposta nessa coluna.

Do que se alimentam os dementadores? Da esperança! E é exatamente isso que ocorre na depressão, perde-se a motivação, e junto dela, a esperança de que um estado de felicidade volte a sorrir! Como eu mesmo já mencionei em coluna anterior, qual a tua obra? Quais os teus objetivos? Qual a sua motivação para prosseguir? Provavelmente, um quadro depressivo impossibilite que sejam respondidas essas perguntas, exatamente como os dementadores fazem com os prisioneiros de Azkaban.

O que manteve o equilíbrio emocional de Sirius Black nos anos de Azkaban, como esteve claro em vários momentos, foi a lembrança de Harry e o sonho de poder reconstruir uma vida com o garoto, longe das injustiças que haviam provocado a separação de ambos! Curiosamente, no caso de Rowling, sua filha, Jessica, foi o que a manteve em condições de vencer o que a afetava! Parece claro, que experiências pessoais da autora, engrandecem sua mais importante obra de ficção, tão cheia de valiosas lições.

Qual o requisito fundamental para conjurar um patrono corpóreo? Concentrar-se em pensamentos felizes! Em outras palavras, concentrar-se no que o seu coração mantém como motivação, mesmo nos momentos em que o frio toma conta do ar!

O paciente depressivo quer ocultar-se de seu mundo, viver isoladamente, longe daquilo que já não parece ser capaz de trazer expectativa de melhora, pensamentos pessimistas tomam conta de seu imaginário, e é preciso buscar refúgio em algo que traga conforto, escrever Harry Potter, no caso da autora, certamente foi uma porta de entrada para um mundo inteiramente novo, um mundo do qual as suas tristezas pessoais não faziam necessariamente parte, além disso, Hogwarts era o lugar onde podia, com tinta e papel, compartilhar pensamentos e lições, de uma forma indireta e reconfortante!

Harry Potter é muito mais do que a razão de horas de leituras de uma geração inteira de aficionados, é muito mais do que o instrumento de compreensão de ideais, do que uma oportunidade de edificação de personalidade, amparada na moral e na ética inabaláveis do protagonista, a série foi também, o reencontro da esperança, por parte daquela que nos deu esse presente, nas palavras de Rowling: “Passei por uma fase bem difícil e estou bem orgulhosa de ter saído dela”.

E de que forma o bruxinho protagonista se relaciona com tudo isso? Sabemos que, por diversas vezes, o jovem perdeu aqueles que amava, perdeu a oportunidade de construir um sólido conceito de família, tinha como desejo mais profundo o reencontro com seus pais, algo que sempre soube ser impossível, ao menos de uma forma tangível.

Harry também viu diante de si extraordinários desafios, muito maiores do que qualquer garoto tão novo teria sido, em condições normais, capaz de suportar! Barreiras que poderiam tê-lo feito recuar, procurar novos caminhos, ou quem sabe, desistir deles, entregando-se à depressão.

“Não vale a pena viver sonhando Harry, e se esquecer de viver”! O que há nas entrelinhas dessa tão importante colocação de Dumbledore? É simples! Não se entregue cega e perdidamente aos seus sonhos, ao que a sua vida poderia ter sido e, por um motivo ou outro, não foi! Dedique-se a viver cada dia de sua vida buscando o caminho da felicidade, porque deste modo será possível perceber que, embora não tenha sido possível encontrar Lilian e Thiago diante de seus olhos, será possível encontrá-los diante de seu coração!

Acredito enquanto autor, que Harry tomou consciência da profundidade da colocação do diretor, apenas quando encontrou aqueles que amava de posse da pedra da ressurreição, pronto para entregar-se para a morte, ele ouve que todos sempre estiveram com ele no coração.

Deixo claro que não sou profissional da psicologia, não tenho qualquer formação que faça de mim alguém apto para dissertar, com propriedade, sobre temas tão complexos da mente humana, mas em minha análise, Harry encontrou forças no mesmo amor que sua criadora tinha pela filha Jessica, e que seu padrinho tinha por ele. A solução favorita de Dumbledore, enfim, provava também ser capaz de motivar Potter, e seus amigos que amava, no sentido de uma revolução do seu mundo, que fez de cada um deles personagens tão admirados por milhares de corações, muitos dos quais, podem ter encontrado conforto nas horas de leitura.

Bruno Contesini esqueceu de recomendar, mas ainda que não haja um dementador por perto, uma barra de chocolate é sempre bem-vinda.