Artigos

Alvo Dumbledore e a homossexualidade

A homossexualidade de Alvo Dumbledore já gerou inúmeros debates com fãs de todo o mundo. Enquanto muitos veem esta como apenas mais uma característica do diretor, outros seguem inconformados com este fator, a meu ver, tão irrelevante e tão fantástico a respeito do melhor bruxo de todos os tempos.

Relembrando a imensa quantidade de homossexuais que estão ao nosso lado na luta por um mundo mais igualitário e justo, lembro na coluna deste domingo sobre essa temática cada vez mais discutida e tão importante no mundo de hoje, uma campanha na qual vários dos mais importantes líderes mundiais estão se engajando e da qual J.K. Rowling, única como ela só, não poderia se furtar. E não se furte a ela você também! Permita-nos conhecer a sua opinião!

Por Luiz Guilherme Boneto

Hoje vou falar sobre homossexualidade. Já toquei neste assunto aqui no Potterish em outra coluna há um ano, conforme você pode ler neste link. Porém o tema era outro, e a minha abordagem, é claro, foi mais superficial. Ocorre que vivemos um momento no qual os homossexuais veem seus direitos se expandirem por meio de várias ações do poder judiciário, que aprovou o reconhecimento de casais gays como instituição familiar em 2011 e, mais recentemente, instituiu no país o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, tornando o Brasil a 15ª nação do mundo a fazê-lo.

Com a obtenção de direitos e o reconhecimento da cidadania num geral, recrudesce o ódio, a intolerância e o preconceito. Foi assim quando os negros passaram a lutar pelo fim do racismo, foi assim quando as mulheres se afirmaram como cidadãs, e é assim hoje com os homossexuais, cujo movimento está, enfim, deixando os armários ao redor do mundo. Existe na sociedade uma ideia que baseia os discursos de ódio, e que fica muito clara à visão de qualquer estudioso: nenhum grupo dominante cede nada sem brigar, nem mesmo espaço. Explica-se, pois, as agressões físicas e verbais e o fato de que, só no Brasil, mais de trezentos homossexuais morrem a cada ano vítimas de crimes de ódio. Não, não estou me referindo aos assassinatos por outras razões quaisquer, e que lamentavelmente são muitos. Aqui eu aponto para pessoas que foram mortas porque são homossexuais, e só por isso. E essa estatística não é oficial, logo, deve ser subestimada.

Sabemos também que J.K. Rowling tem maneiras muito subjetivas de abordar determinados assuntos, e que ela, em sua inteligência incontestável, transmite recados aos seus fãs e leitores. Sendo Jo uma mulher reservada em sua vida pessoal e mesmo em público, não creio que seja possível afirmar seu apoio direto aos movimentos que defendem a cidadania da população homossexual, porém um fato por ela anunciado, dentro e fora da história, me faz arriscar um palpite sobre sua opinião.

Dentre o imenso cardápio de personagens fascinantes criados por ela, diante de todos os possíveis escolhidos, J.K. Rowling selecionou um, e apenas um homossexual em sua história. Poderia ter sido um colega de Harry vítima de homofobia, em mais uma abordagem clichê sobre o tema, dessas que não mudam nada no panorama geral de preconceito e exclusão. Poderia ainda ter sido o primo de Harry, Duda, para dar aos Dursley o dilema que quase todos os pais de homossexuais vivem ao constatar a orientação de seus filhos. Ou ainda o escolhido poderia ser algum membro da Ordem da Fênix, para atestar a força que um gay pode ter ao lutar contra o que considera errado. Como sempre, entretanto, J.K. Rowling foi muito além. Sua escolha decaiu sobre Alvo Dumbledore, o bruxo mais poderoso do mundo, um homem idoso cuja sabedoria era reconhecida por amigos e inimigos, e o poder, aclamado pelos próximos e temido por aqueles que poderiam despertar sua ira. Trata-se, de longe, da figura mais imponente da saga. Um homem que possuía como característica, ao lado de seus inúmeros defeitos e qualidades, a homossexualidade.

O fato de Dumbledore ser gay fica implícito no último livro e pode ser constatado por um leitor mais atento. Confesso que, quando li “Relíquias da Morte” pela primeira vez, não percebi nada parecido porque o meu foco era conhecer o desfecho da história. Em nova leitura, porém, é possível observar que a relação entre Dumbledore e Grindewald ia além da amizade – e teve um desfecho tão trágico. Fosse apenas o que estava descrito no livro e na abordagem tendenciosa de Rita Skeeter, poderia haver um longo debate sobre a sexualidade do diretor, e seria muito difícil chegar a um consenso. J.K. Rowling nos ajudou nisso: encerrou a questão ao afirmar em 2007 que Dumbledore era, sim, gay. Diante da reação animada da plateia que a ouvia, ela ainda pontuou: “Eu teria dito isso antes se soubesse que vocês ficariam tão felizes”. Diz-se ainda que a autora descartou uma cena no filme “O Enigma do Príncipe” que abordaria um romance do diretor com uma mulher – sobre o risco no roteiro, ela teria escrito: “Dumbledore é gay”.

Essa revelação tem sete anos e, vez por outra, dou por mim a refletir sobre ela. Jo contou ao mundo que seu personagem mais poderoso era gay, e emendou ainda que sempre o viu dessa forma, como se essa característica não fosse proposital. Em todo o Ocidente, seja na Inglaterra ou no Brasil, a homofobia é um tipo de preconceito a ser estudado e combatido com vigor, porque como todos nós sabemos, muitos gays e lésbicas chegam a cometer suicídio ao constatar que a atração física por pessoas do mesmo sexo não é uma fase, mas uma característica que irá acompanhar toda a sua trajetória de vida. Isso é fato, bem como a ideia de que o público-leitor de Harry Potter estava, durante o lançamento dos livros, situado em sua maioria na faixa infanto-juvenil – somos nós, os jovens adultos de hoje. J.K. Rowling pode ter mudado a vida de algum fã gay ao dizer: “Está vendo aquele bruxo incrível, logo ali? Aquele velhinho que você aprendeu a admirar? Ele é gay. E daí?”.

Eu não gostaria de estar escrevendo esta coluna porque ela atesta a crueldade social na qual estamos inseridos. Ser homossexual não é questão de escolha, não é um capricho do qual adolescentes rebeldes se utilizam para ferir os pais, não é uma bandeira aleatória que as pessoas decidem empunhar sem razão. Os movimentos de defesa dos gays estão aí porque o preconceito existe, e como todo preconceito, é infundado e terrível. Ao abordar a homossexualidade de Alvo Dumbledore de um modo tão sutil, J.K. Rowling vai muito além do clichê – ela traz esse fato à luz da normalidade, do qual nunca deveria ter saído. Dumbledore não é apenas “o personagem gay” da história. Estes existem aos montes por aí. Ele é o mais sábio, o mais poderoso, a inspiração de muitos.

Ainda hoje, muitos fãs renegam a sexualidade do mais incrível diretor que Hogwarts já teve. Porém ela não é apenas mais uma teoria sobre a história, mas um fato concreto e afirmado por J.K. Rowling, a única que pode atestar qualquer coisa sobre a série que criou. O choque com a homossexualidade é fruto do desconhecimento e da associação de gays e lésbicas a fatores que não correspondem à realidade – uma breve dose de conhecimento, porém, basta para jogar longe o preconceito. De minha parte, tomo a homossexualidade de Dumbledore como uma das mais incríveis fagulhas de genialidade extraídas da mente de Rowling, uma forma subjetiva e inteligente de lidar com um tema que, em pleno século XXI, segue sendo um dos tipos mais cruéis de preconceito que vivenciamos. Para defender a plena cidadania a todos, o pré-requisito não é ser homossexual, mas ter um mínimo de consciência do que se passa da porta de casa para fora.

As pessoas mais incríveis que você conhece podem ser homossexuais, e vale a reflexão: o que isso muda?

Só lembrando: o Potterish defende que qualquer maneira de amor vale a pena. E eu também.