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J. K. Rowling e a maldição sherlockiana

Que Harry Potter é uma saga lida e relida por milhões de pessoas, nós já sabemos. O sucesso da série nos quatro cantos do mundo, em países pobres e ricos, em culturas extremamente diferentes umas das outras, é um fator que impressiona a crítica e, certamente, seguirá impulsionando Harry Potter nos próximos anos.

Nossa nova colunista Luciana Barbosa aborda, na coluna deste domingo, até onde esse sucesso pressionou e continuará pressionando J.K. Rowling, e relembra um dos maiores clássicos da literatura para embasar essa reflexão. Não deixe de ler e registrar seu comentário!

Por Luciana Barbosa

Fã de Sherlock Holmes e Harry Potter, sempre refleti acerca da relação que seus respectivos autores mantinham com seus principais personagens. Sir Arthur Conan Doyle viveu uma história conturbada com sua criação. O mais famoso detetive da história fez refém o seu autor, o obrigando a escrever suas histórias muito além do que jamais pretendeu. Conhecendo o drama pelo qual passou Sir Arthur com Holmes, questionamos: Rowling sofreu/sofrerá com o mesmo problema? Seu envolvimento cinematográfico com o roteiro de “Animais Fantásticos e Onde Habitam”, divulgado recentemente, caracterizaria a forte pressão que o universo de Harry Potter exerce sobre a autora?

“Tenho sido obrigado a escrever sobre Sherlock pelos muitos e amáveis amigos que sempre desejam saber mais a seu respeito”, afirmou Sir Arthur, em entrevista, no ano de 1927. O autor considerava as histórias de Holmes literatura menor e, sem sucesso, tentou se ver livre de seu maior protagonista. Tendo escrito ao todo 60 histórias (quatro romances e cinquenta e seis contos) sobre o detetive e seu inovador método de investigação, que unia ciência e dedução, Sir Arthur acreditava que escrever essas aventuras afastavam sua “mente de coisas melhores”.

Em 1893, publicou “O Problema Final”, acreditando que poria aí um ponto final em seus problemas com Sherlock. No conto, o detetive sucumbe enquanto duela com seu arqui-inimigo, o professor Moriarty. Os protestos contra a morte do detetive foram muitos. Fãs chegaram a marchar em luto nas ruas de Londres, questionando a decisão de Sir Arthur Conan Doyle. A pressão foi tanta que, em 1903, o autor ressuscita seu protagonista em “A Casa Vazia”.

Joanne Rowling, diferentemente, traçou desde a concepção do personagem o começo e o fim da saga Potter. Definir que publicaria sete romances que narram a história do bruxo não a impediu, no entanto, de sofrer com a pressão pela publicação das histórias. A autora conta que, pressionada pelos fãs e pelo mercado, foi obrigada a “escrever correndo”, e que “isso foi difícil em alguns momentos”. Joanne afirma que ninguém jamais saberá como foram difíceis aqueles tempos. Por conta da correria, até pretende reescrever alguns dos livros Potter, e futuramente lançá-los numa espécie de versão do diretor.

Apesar de sofrer com isso, Rowling, talvez tendo aprendido com o exemplo de Sir Arthur e de outros escritores, soube fechar satisfatoriamente a história de Harry. O epílogo publicado ao final de “Harry Potter e as Relíquias da Morte”, onde deixa clara a vida tranquila e sem novas aventuras a que seu personagem pode gozar, demonstra a intenção determinada da autora de fechar ali, de uma vez por todas, a saga Potter.

A exemplo de Tolkien, autor de O Senhor do Anéis e O Hobbit, Joanne pensa na possibilidade de dar vida à história de outros personagens no universo potteriano, mas não se sente obrigada a fazê-lo. Escreverá novamente sobre esse universo, mas apenas se houver um projeto interessante o suficiente para atraí-la. Com essa motivação, os filmes sobre “Animais Fantásticos e Onde Habitam” só se tornarão realidade por fazerem parte de um projeto instigante o suficiente. A publicação de “Morte Súbita”, seu romance social-político voltado para o público adulto, prova sua independência frente ao menino bruxo. Nesse caso, a criatura não engole o criador. Apesar da crítica especializada ter ficado dividida quanto ao livro, a recepção do público foi muito boa. Afinal, a autora foi extremamente ousada quando resolveu abusar do realismo, mesmo tendo total ciência de que sua enorme legião de fãs pedia mais e mais magia.

Provavelmente, não sairá da pena de Rowling um outro personagem com o mesmo sucesso de público que Harry obteve. Mas ela parece não estar muito incomodada com isso. “O Chamado do Cuco” só reforça essa ideia. Assumindo inclusive um pseudônimo nesta obra, a autora tirou dos seus textos o peso de seu nome. Apresentando para a crítica um livro livre de pré-julgamentos, provou, com a boa aceitação, que tem talento para escrever boas histórias independentes da saga Potter.
Resta agora saber se seus livros, incluindo os de Harry Potter, ganharão o status de eternos. Sir Arthur Conan Doyle não sabia, mas estava criando com Sherlock um clássico que resiste ao tempo. Tomara que o menino bruxo tenha a mesma sorte e ganhe a posteridade.

A coluna inicial de Luciana Barbosa é elementar, meu caro leitor.