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As vantagens e desvantagens da vida eterna

Você gostaria de viver eternamente? Em Harry Potter, houve quem estudasse essa ideia com paixão, e houve também quem a tivesse como o maior objetivo. Trata-se de um assunto fascinante e que divide opiniões, dentro e fora do universo potteriano.

Sem querer ficar de fora desse debate, nossa colunista Nilsen Silva nos traz hoje um ensaio sobre a vida eterna. Não deixe de responder ao questionamento de nossa colunista ao final de sua leitura!

Por Nilsen Silva

Comparada com o Santo Graal das lendas arturianas, a pedra filosofal era um dos principais objetos de pesquisa dos alquimistas na Idade Média. Sem ter um formato definido, a Lapis Philosophorum tinha o poder de transformar qualquer metal em ouro – mas seu poder mais ambicionado era o Elixir da Longa Vida, que permitiria prolongar a vida por tempo indeterminado. Com sua criação atribuída a várias personalidades como Paracelsus e Fulcanelli, a lenda mais famosa refere-se a Nicolas Flamel, um alquimista do século XIV que encontrou um livro antigo extremamente enigmático que continha a fórmula da pedra filosofal.

Com tanto mistério, é impossível dizer que a lenda não consegue incitar a curiosidade de ninguém. Principalmente quando as mistificações ao seu redor são tão imprecisas. Nicolas Flamel realmente possuía pedras filosofais? Os ladrões que saquearam sua casa após seu falecimento encontraram indícios de sua existência? Será que ele e sua esposa de fato morreram? E, se morreram, por que dizem que as tumbas de ambos estão vazias?

A pedra filosofal, como todos já sabemos, é um dos principais elementos do volume de estreia da série de J.K. Rowling. Na primeira aventura de Harry Potter (que ainda possui uma visão muito inocente e ingênua sobre o mundo), a autora fez questão de trazer à tona uma antiga lenda e aliá-la com a realidade de Harry – preservando não só a vida de Nicolas Flamel, como também tornando-o um amigo próximo de Dumbledore.

No livro, a pedra é o objetivo principal de Voldemort, que deseja possuí-la para viver eternamente. Apenas um espectro até então, Aquele Que Não Deve Ser Nomeado, ainda muito fraco para ter um corpo próprio, é obrigado a ser uma espécie de sanguessuga e viver à custa do pobre professor Quirrel, o Homem de Duas Caras. No ápice da história, Harry se vê diante de um dilema: ceder a pedra para Voldemort em troca de ilusões ou ajudar Dumbledore a destruí-la (ou protegê-la).

Em toda a série de J.K. Rowling os personagens se veem diante de tentações. Bifurcações para decidir por qual caminho seguir (e eu não estou me referindo ao labirinto de O Cálice de Fogo), a hesitação para confiar ou não em alguém, a insegurança de tomar uma posição na batalha. E logo no primeiro livro da série a autora presenteia seus leitores não só com uma história encorpada e bem estruturada, capaz de fazer qualquer pessoa se deslocar do mundo real para o imaginário, mas também uma história que provoca reflexões mais profundas. Está tudo nas entrelinhas.

O fato de Voldemort querer tomar a pedra filosofal não está muito distante do sentimento que todos nós teríamos se estivéssemos diante de um objeto tão poderoso quanto esse, eu ouso dizer. Obviamente os motivos são distintos (afinal, não acho que nenhum leitor do Potterish pretende ser o Lorde das Trevas), mas a ânsia por viver mais, por aproveitar mais, por ter mais tempo de concretizar planos é a mesma. Quem não gostaria de prolongar a vida por mais alguns anos? Quem não gostaria de “não ter” que viver cada dia como se fosse o último? Quem não gostaria de se livrar da pressão de seguir o rumo de uma carreira profissional sólida antes dos 30 anos?

No fim das contas, não é só Voldemort que teria seus olhos brilhando pela visão de possuir a pedra filosofal. Vida Eterna sem ter que ter seu pescoço mordido? Vida Eterna sem ter que beber o sangue de outras pessoas? Parece algo muito tentador. Na verdade, é algo muito tentador. Eu pelo menos não consigo nem imaginar o tipo de pensamento que cruzaria minha mente se a possibilidade de colocar minhas mãos em uma pedra filosofal (digamos que as lendas sejam verdadeiras) se tornasse mais real.

Mas… será que deveríamos fazer isso? No fim das contas, ter o tempo urgindo nos nossos ouvidos e sussurrando palavras apressadas não parece ser algo tão abominável assim. Às vezes, ter pouco tempo faz com que tomemos medidas drásticas para fazer as coisas acontecerem. A pressão tem poder. Muito poder. Eu particularmente acho muito prazeroso fazer planos para o futuro. Viver eternamente poderia colocar tudo isso à prova, e meus instintos procrastinadores seriam, mais do que nunca, ligados na potência máxima. E acho que o de vocês também.

Então eu deixo a pergunta no ar: se a pedra filosofal existisse – e se vocês pudessem colocar suas mãos nela -, vocês viveriam para sempre?

Nilsen Silva me confessou: só gostaria de viver o tempo suficiente para ler todos os livros do mundo.