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Trouxas abortados

Poucas palavras são tão eficazes para começar uma discussão inflamada do que “aborto”. A sociedade tem debatido a mudança da lei que proíbe à mulher o direito de interromper sua gravidez (exceto em casos de estupro e risco da mãe), geralmente com opiniões bastante polarizadas.

Porém, no mundo mágico de Rowling, o termo remete a pessoas que são filhas de bruxos, mas não têm o ‘dom’ da magia. Será que essa discriminação é justa? Leia a coluna de Bruno Barros e discuta o que aborto – no mundo mágico ou real – significa para você.

por Bruno Barros

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. — Artigo 2º do Código Civil Brasileiro

Aborto. Pronto, polêmica. Alguém pode, por favor, me explicar como uma simples palavra pode gerar tanto rebuliço? É considerado, por várias religiões e grupos, um ato de suprema violação ao direito à vida que segundo o Código Civil Brasileiro é o primeiro direito de qualquer pessoa. Alguns pensam assim, já outros não se consideram nem um pouco ignorantes enquanto opõem-se a esta opinião. Este ato, o aborto, gera tanta polêmica que muitas vezes é visto até mesmo como tabu. No mundo fantástico de Harry Potter, esta palavra possui outro significado, mas seu efeito pode ser tão polêmico quanto para os trouxas.

Você lembra daquele amiguinho da escola, que ninguém ligava pra ele, passava os intervalos sozinhos, não conseguia fazer os deveres, acertar uma bola no gol ou arrumar o cabelo da boneca da forma certa? São mais ou menos estas características que distinguem nosso aborto e exclusivo e principalmente o fato de que ele não tem habilidade nenhuma com magia, o que geralmente é motivo de vergonha em um lugar onde todos em sua volta são capazes de usá-la.

Continuando, vamos relacionar os abortos do universo fantástico de J. K. Rowling com os abortos trouxas. Mas quem seriam os trouxas abortados? Além da visão biológica, discorro sob a visão social de tantas realidades, as tantas pessoas empobrecidas, excluídas e descartadas que andam pelas ruas todos os dias, que não vivem, mas sobrevivem, os tantos afetados pela má distribuição de renda e não favorecidos com oportunidades dignas para uma vida. Ainda além, refiro-me aos tantos abortos que realizamos todos os dias ignorando toda esta realidade. Bastaria presentearmos estas pessoas com um curso “Feitiço Expresso” para que elas também pudessem realizar magia. Não esperamos que elas façam encantamentos com maestria ou a perfeição de um verdadeiro bruxo, mas vale a pena lembrar que elas podem ajudar nos momentos mais difíceis.

Você que reclama da vizinha do lado que mora com trinta e sete gatos, cuja casa cheira a repolho estragado e é puro pó, não se precipite em pensar que ela está ali só por estar, precisamos de mais algumas “Senhoras Figgs” para nos lembrar de manter a varinha à mão, para testemunharem a nosso favor quando duvidarem de nós. Sabe aquele velho chato da escola, que vive resmungando sobre as travessuras que os garotos fazem? Precisamos, até mesmo, de mais alguns “Argus Filches” para que zele pelas regras que, muitas vezes, insistimos em transgredir, para nos fazer rir quando dançar com sua fiel companheira Nor-r-a, como se fosse a pessoa mais feliz do mundo. Logo, precisamos nos importar com estes abortos, para que não tenham o mesmo triste fim de Ariana Dumbledore, e não nos deixe com marcas e mágoas eternas. Mesmo não fazendo parte deste grupo, as características de Ariana refletem perfeitamente as consequências de quando abortamos alguém.

O que fazemos com as pessoas tem um poder imenso. Pode ajudar alguém a encontrar a felicidade como também pode abortá-la. Tomo a liberdade de agradecer a estas três personagens que, cada um a sua maneira, nos ajudaram a perceber que mesmo abortos têm o seu papel a ser cumprido, o qual muitas vezes é essencial. Independente do fim que cada um teve, suas vidas foram lições que, realmente, valem a pena para pensar um pouco. Diferente dos trouxas, estes abortos vivem e têm o seu propósito, não buscam a magia que está dentro deles mas a que está no mundo, porque cada um, com sua personalidade, foram diferentes.

Convido a todos a colocar a varinha em mãos e tornar o mundo um lugar melhor, ajudando a mostrar a cada aborto o seu valor, levando a magia do mundo a eles, fazendo a utopia dentro de cada um acontecer, deixando a ignorância de lado e ajudando um aborto a viver.

Ironicamente, Bruno Barros quer que os abortos consigam viver.