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‘O caminho para a destruição vale a pena’

O quanto você conhece sobre as lendas de Artur? Bernard Cornwell explica muita coisa numa trilogia denominada “As crônicas de Artur”, que Luciana Zulpo continua a apresentar nas resenhas do Potterish Desta vez, é hora de saber mais sobre os guerreiros que compõem uma das histórias mais famosas da Literatura.

Leia o texto e saiba mais!

“Trilogia: As Crônicas de Artur”, de Bernard Cornwell

'O caminho para a destruição vale a pena' Tempo: obra que exige muito tempo e dedicação
'O caminho para a destruição vale a pena' Finalidade: para ficar na ponta da cadeira
'O caminho para a destruição vale a pena' Restrição: tem dificuldade com pontos de vista alternativos
'O caminho para a destruição vale a pena' Princípios ativos: Druidas, cavalaria, magia e lendas Arthurianas.

“Esta noite a cortina que separa os mortos dos vivos irá tremular, rasgar-se e finalmente desaparecer. Serão sombras na escuridão, meros sussurros de ventos em uma noite sem vento, mas estarão aqui.(…) Direi o nome dos mortos. Ceinwyn, Guinevere, Nimue, Merlin, Lancelot, Galahad, Dian, Sagramor; a lista poderia encher dois pergaminhos.”

'O caminho para a destruição vale a pena'

Todos nós já ouvimos falar desses nomes . Já lemos ou vimos alguma versão das lendas arturianas. Há algum tempo resenhei aqui “As Brumas de Avalon”, que conta a história de Artur do ponto de vista das mulheres ao seu redor. Para quem ficou decepcionado com a falta de batalhas e feitos épicos, as “As Crônicas de Artur” é para vocês. É hora de contar a história do ponto de vista dos guerreiros.

Derfel Cadarn é um dos protegidos de Merlim, tocado pelo deus pagão Bel. É um monge cristão. Vem dos saxões, o povo que ameaça a Bretanha. Também é Lord Derfel Cadarn, um dos comandantes de Artur e é ele quem nos conta a história.

Trancado em um mosteiro e já no fim da vida, Derfel relembra e escreve, a pedido da rainha Ingraine, sua infância pagã no Tor, seu treinamento como guerreiro, a primeira vez que derrama sangue e seu encontro com Artur. Artur, que será seu amigo e senhor.

Cornwell se aproveita do que pode se tornar a grande fraqueza de se recontar a lenda de Artur – todos nós sabemos como ela acaba. Sabemos que Camelot cairá, levando consigo toda a Bretanha. Apostando que o caminho até esse fim será interessante o suficiente, Cornwell entrega logo de cara o final de seu protagonista. O resultado é que as páginas voam enquanto nós tentamos juntar as peças ansiosamente: como Derfel, pagão e guerreiro, acaba em uma batina? Onde está o erro nos planos de Artur? O que Merlin não viu?

Merlin. Nada do mago chocalhando a varinha, gentil e bondoso. Temos um druida sábio, arrogante,disparando observações cortantes e constantemente abismado com o absurdo das pessoas – fato que ele faz questão de deixar bem claro. Não temos a magia com faíscas luminosas, mas ela está lá. É a magia ligada aos elementos da natureza e ao sacrifício, própria dos antigos povos ainda muito ligados à terra. Se ela é real ou apenas mais um dos artifícios de Merlin cabe ao leitor dizer.

Talvez o senso de realidade seja uma das maiores qualidades do livro. Muitos autores conseguem descrever bem o plano geral das batalhas, construir uma cumplicidade nos leitores que os fará torcer pelo sucesso das grandes estratégias. Poucos dão o passo adicional: ficar ao lado do guerreiro. Não só mostrar o choque de grandes hordas, mas os encontros individuais, onde qualquer estratégia já não importa mais. Cornwell nos entrega a experiência do que é estar preso em uma parede de escudos, do metal contra a pele, do chão escorregadio de sangue, do cheiro acre dos homens. São os detalhes, não o quadro inteiro, que tornam a história mais real. Isso não apenas nas batalhas, mas também na descrição dos rituais e do cotidiano ao longo da trilogia – talvez um pouco excessivos para os leitores mais sensíveis.

Enquanto Cornwell retrata a guerra da maneira próxima,intima, o mesmo não se pode dizer do relacionamento entre os personagens. As emoções avançam com dificuldade ou dão saltos repentinos . Derfel não se arrisca a decifrar o interior daqueles a sua volta, deixando escapar poucas reflexões pessoais e ocupa-se com a descrição dos fatos, deixando-as para serem externadas em grande parte por Nimue, sua amiga de infância.

É comum em um universo em sua maioria masculino que as personagens femininas caiam em segundo plano, em geral representadas pela princesa pura e alienada, ou pela guerreira sexy. Cornwell, felizmente, consegue criar personagens complexas, ativas e com um arco de evolução bem construído. Nada de pôneis ou fetiches. Como leitora, não consigo deixar de vibrar quando Nimue coloca um pouco de senso na cabeça de Derfel, ou quando a tempestuosa Guenivere quebra todas as regras pelos seus objetivos ou quando a doce e obediente Ceinwyn finalmente toma o controle de si mesma.

Derfel leva os leitores a questionar toda hora a veracidade do que ele conta, admitindo que ele mesmo altera a história para deixá-la mais emocionante e alerta que outros depois dele também o farão . Com a habilidade de um bardo, por vezes ele volta ao passado e conta a história como se ela estivesse acontecendo enquanto é narrada. Em outros momentos, ele nos lembra que tudo aquilo é seu passado, e que a história será revelada na ordem que ele desejar.

Cornwell apostou certo. O caminho para a destruição vale a pena.

Resenhado por Luciana Zulpo

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