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Será? – comparando Voldemort e Osama

O mundo parou no começo desta semana quando foi anunciada a morte mais aguardada por toda a comunidade estado-unidense. Bin Laden, o terrorista mais procurado do nosso século, partiu desta para uma melhor. Agora… o que tem isso a ver com Harry Potter? Fora a longa barba digna de Dumbledore, diria Judith Rauhofer, tudo.

Mariana Nascimento teve muito cuidado em trazer até nós dois artigos traduzidos que comparam (numa viagem excessivamente americana, diga-se de passagem) a relação entre as duas histórias, que, inegavelmente, terminam com a morte do vilão e a vitória do “escolhido”. Será que Osama esteve escondido nas páginas de um “Harry Potter” paquistanês esse tempo todo? Confira os dois textos mais o comentário da nossa colunista aqui, e depois nos conte sua opinião.


Paralelos entre Harry Potter e Osama Bin Laden
Texto traduzido de Hollywood Reporter: http://bit.ly/kHbx0S

Benefício para o filme

Enquanto Hollywood luta para descobrir formas de explorar a morte de Osama Bin Laden na tela, o primeiro filme que poderia realmente se beneficiar da notícia da morte do terrorista talvez seja o último “Harry Potter”, “Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2”, que a Warner vai lançar em 15 de julho.

Mesmo que a Warner nunca tenha incentivado a comparação, toda a saga Potter ― tanto os livros como os filmes ― teve um inevitável subtexto permeado pelos acontecimentos do 11 de setembro.

Enquanto o primeiro volume da série de J.K. Rowling foi publicado originalmente na Inglaterra em 1997, o primeiro filme, “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, foi lançado em novembro de 2001, poucos meses depois do 11 de setembro.

É colocado em andamento o conflito entre Harry ― o jovem bruxo órfão que descobre gradualmente o seu poder ― e a força do mal, Lord Voldemort, que se empenha em destrui-lo. Inicialmente chamado apenas de “Aquele Que Não Deve Ser Nomeado”, Voldemort é apresentado como um informe bicho-papão ― não muito diferente do misterioso Osama ―, mas depois, ao longo da série, assume cada vez mais uma presença física, até que, no último volume, ele e Harry enfrentam-se cara a cara em uma catastrófica batalha final.

Para uma geração de crianças que cresceram lendo livros de Rowling e assistindo às adaptações para a tela grande sob a sombra do 11 de setembro, foram inevitáveis os ecos do mundo real na saga por vezes relutante de Harry para derrotar Voldemort.

Em 2004, uma publicação do Mugglenet explicitou alguns deles, comparando os Comensais da Morte à Al Qaeda e notando que, “assim como Voldemort foi moldado pela morte de sua mãe e pelo abandono de seu pai, Osama foi moldado por sua luta pessoal entre os prazeres ocidentais e a disciplina islâmica”.

E, assim como Harry é conhecido nos livros como “o eleito”, vários críticos do presidente Barack Obama, como Rush Limbaugh, frequentemente se referiram ao presidente depreciativamente, chamando-o de “o ungido” ― embora, na segunda-feira, até mesmo Limbaugh tenha elogiado a forma como Obama orquestrou a morte de Osama.

Enquanto isso, na sequência da morte de Bin Laden em uma mansão perto de Islamabad, um meme já apareceu na web, observando a estranha coincidência de Osama e Voldemort terem morrido no mesmo dia, 1º de maio. Mas os verdadeiros fãs de Potter têm sido rápidos em apontar que não é bem assim: quando Harry e Voldemort finalmente ficam cara a cara na Batalha de Hogwarts, na cronologia dos livros a data é, na verdade, 02 de maio de 1998.

Claro que, mesmo sem o fim de Bin Laden, o filme da série Potter já está a caminho de ser um dos maiores do verão. A franquia já arrecadou mais de 6,3 bilhões de dólares de bilheteria mundial. Mas a morte de Bin Laden agora pode dar ao filme uma ressonância emocional extra para a geração Potter, o que poderia se traduzir em uma sucesso de bilheteria ainda maior.

Comentário sobre a atualidade
Texto traduzido e adaptado de 7sur7: http://bit.ly/l2E2zd

O referido artigo do Mugglenet não evoca Obama, simplesmente opinando que não deve haver um Harry Potter na vida real e que se espera que o mundo não precise de tal salvador, idealizado ao extremo.

Um estudo realizado por Judith Rauhofer, pesquisadora da University of Central Lancashire, confirma a existência de uma sutil relação entre o enredo e a sociedade contemporânea. “(Até o quinto volume), ‘Harry Potter’ pode ser visto como um conto simples do bem contra o mal”, disse. “A obra de J.K. Rowling, em seguida, evolui para algo mais, depois do 11 de setembro: uma espécie de comentário sobre a atualidade, basicamente.”

Efeito espelho
Além das capacidades de Voldemort e Osama de explorar as vulnerabilidades de uma sociedade que não poderia detê-los e de ressurgir do nada, com um ataque surpresa, há a marginalização dos grupos étnicos, as detenções arbitrárias (com base em meras suspeitas) e as ações “em nome da segurança” como paralelos interessantes identificados pela pesquisadora.

“A descrição de Rowling de uma sociedade alternativa e seu governo é uma camada de acontecimentos recentes da sociedade contemporânea”, diz ela. “A ameaça que atravessa a saga política concentra-se em grande medida na maneira pela qual o Ministério da Magia lida com o retorno de Lord Voldemort,” ela explica. E se Voldemort é visto como o equivalente de um terrorista, as medidas tomadas pelos bruxos são um reflexo das leis e políticas adotadas após o 11 de setembro. Um espelho que de fato poderia explicar parcialmente o sucesso desses livros para crianças entre o público adulto, de acordo com Judith Rauhofer.

Será?
por Mariana Nascimento

Quem viu a entrevista que J.K. Rowling concedeu à Oprah Winfrey sabe que o 11 de setembro não foi um acontecimento encarado com indiferença pela escritora. Contudo, é um pouco questionável a tese de Judith Rauhofer, segundo a qual a última parte da série se transforma em um comentário relacionado à atualidade. Isso porque uma obra que é planejada durante anos, em cujo início é possível encontrar pistas do que descobrimos no fim, dificilmente teria sua estrutura alterada por algo que acontece no mundo real durante o período de sua composição.

É claro que, superficialmente, pode ter havido alguma influência do 11 de setembro, mas todos parecem concordar que o correspondente mais óbvio de Voldemort em nosso mundo é Hitler, cuja ideologia afetou profundamente o mundo, principalmente a Europa (e Rowling é europeia, não americana), muito antes de “Harry Potter”, o que deu tempo suficiente para a escritora poder construir paralelos . Além disso, atentados terroristas já existiam antes de Bin Laden, assim como “a marginalização dos grupos étnicos, as detenções arbitrárias (com base em meras suspeitas) e as ações ‘em nome da segurança’”.

Ainda considerando o planejamento detalhado da série demonstrado por Rowling em diversas ocasiões, também é exagero dizer que a política do Ministério da Magia é reflexo das medidas do governo americano. Afinal, se Fudge tivesse adotado uma posição diferente, a história de “A Ordem da Fênix” não poderia existir, já que todo o enredo se baseia na necessidade de uma ação contra Voldemort que compense a do Ministério da Magia. Sem isso, Dumbledore não seria afastado de Hogwarts, pois ele e Fudge estariam do mesmo lado; Umbridge não dirigiria a escola; a Armada de Dumbledore não seria formada e Harry não teria tentado salvar Sirius.

De qualquer forma, é sempre bom notar como “Harry Potter” se enquadra em nossa realidade, praticamente desautorizando um olhar simplista (para não dizer preguiçoso) que procura reduzir a obra a uma história alienada sobre bruxos e varinhas mágicas. Aliás, é por causa desse tipo de visão que a hipótese de que a morte de Bin Laden beneficie a bilheteria de “Relíquias da Morte- Parte 2” se mostra um tanto improvável.

Mariana Nascimento soltou a bomba e saiu correndo.