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Bem versus mal

Trouxas e bruxos são diferentes em muitas coisas, mas, no fundo, têm um traço em comum: ambos são briguentos. Sim, não adianta; nenhum deles opta pela paz e pela amizade se existe a possibilidade de travar uma guerrinha por algumas décadas.


Yuri Rigon
nos faz relembrar alguns dos mais conturbados da nossa História e, claro, faz um paralelo com os desentendimentos no mundo de Harry. Leia o texto aqui e confira como, infelizmente, somos muito parecidos…

por Yuri Rigon

As guerras fazem parte do mundo desde que ele se entende por mundo. Ou pelo menos é o que parece quando você pesquisa e encontra registros de guerras que aconteceram entre 1560 e 1070 a.C. Com tanto tempo que se passou (e considerando todos os acontecimentos, que deveriam ter gerado um aprendizado para situações posteriores, no mínimo), é surpreendente que, até hoje, os humanos não tenham encontrado um meio mais eficaz de resolver conflitos políticos, econômicos, raciais. Nem falo dos religiosos. Pura incompetência. Minha, sua, nossa. As guerras, na verdade, não são mais que o ápice da irresponsabilidade, a última instância, um grito estridente de uma sociedade que sufocou suas próprias esperanças de resoluções mais brandas e civilizadas.

Pois bem. Passado momento misantropo, o que venho dizer-lhes (para aqueles que já se perguntam sobre o quê este louco está falando, ou se digitaram o endereço certo no navegador e estão mesmo no Potterish ) é como a guerra está inserida no contexto da obra Harry Potter. Podemos começar muito antes do nascimento de Harry. E antes de Voldemort também. Pelo que se sabe, Grindewald já ameaçava a paz de bruxos e trouxas com certa habilidade. Dumbledore, então, o derrota em um duelo que muitos descreveriam, na época, como lendário, mas só porque não sabiam o que estava por vir. O mesmo Dumbledore que derrotou o homem que até era então mais poderoso bruxo das trevas, por ironia do destino, vê outro (ainda mais poderoso) nascer bem debaixo do seu nariz. De modo análogo, a sociedade, ainda que sem perceber (como Dumbledore), cria e alimenta o mal, logo depois insistindo em extingui-lo. É nesse contexto que o mundo conhece Lord Voldemort.

Ainda como Tom Riddle, aos poucos, ano após ano, Lord Voldemort vai conquistando a confiança de muitos ao seu redor e formando seu pequeno círculo de “amizades”, que mais tem a ver com medo de morrer do que com o sentimento de amizade propriamente dito. Ainda sim, Voldemort monta o seu exército. Dumbledore não fica atrás. Ficam estabelecidas, então, duas frentes de ação: Os Comensais da Morte e a Ordem da Fênix. A partir desse momento, fica claro que cada uma, à sua forma, defenderá seus interesses. É claro, também, que você fica do lado da Ordem (a não ser que você goste muito de assassinar pessoas e passar por cima dos cadáveres). Estabelece-se, então, a guerra propriamente dita, o “certo” contra o “errado”, o “bem” contra o “mal”.

Existe, porém, como em toda guerra, o meio-termo. Nesse caso, Snape. Ele, mesmo com sua fidelidade inabalável à Dumbledore mostrada ao final, nos traz dúvidas durante todo resto da série. Snape, ao longo da história, nos faz lembrar da Itália na Primeira Guerra Mundial: perdida entre ser aliada da Tríplice Entente ou dos Impérios Centrais da Tríplice Aliança. Os “meios-termos” são características marcantes das guerras e quase sempre são acusados de traição.

Só depois de muito desenrolar e muitos acontecimentos, em uma noite, Voldemort vê todo seu poder ameaçado. Enfraquecido, se esconde e vem à tona a figura de Harry Potter, o único que poderia derrotar o bruxo das trevas mais poderoso de todos os tempos. A guerra de Potter é mais interessante, podemos assim dizer. Não visa somente à proteção dos trouxas e da sociedade bruxa, visa à proteção de sua própria vida. É interessante, também, como Harry acaba montando seu exército. É algo muito mais natural e, dessa vez, baseado no puro sentimento de amizade, necessidade de estar junto e de combater junto. Forma-se, então, a Armada de Dumbledore.

Essa formação nada mais é, nesse momento, que a oficialização de tudo que Harry, Rony e Hermione vinham fazendo, ainda que inconscientemente, nos anos anteriores. Durante toda sua vida, na verdade, Harry trava batalhas. Não somente contra Voldemort, mas também contra si mesmo. A falta dos pais, o maltrato dos tios, o peso sobre seus ombros de ser o garoto famoso, e muitas vezes considerado perigoso (como em “A Câmara Secreta”) por ter “derrotado” ainda quando criança Lord Voldemort.

Depois de tantos impasses e batalhas é de um fôlego enorme para nosso otimismo ver Harry sair vitorioso. É claro que houve perdas. Todas extremamente lamentáveis. Mas ainda sim, é como se algo dissesse que ainda existe uma faísca de esperança, a última chance do bem prevalecer contra o mal.

Yuri Rigon apoia o amor, não a guerra.