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O pulo do rato

Para uns, só pode ser Harry Potter; outros, contrariando, dizem que é Voldemort. Muitos choram com dor no coração por Dumbledore ou por Snape. Alguns até imitam o jeito de Hermione. Cada fã tem seu personagem preferido, que é, para ele, praticamente imaculado.
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Mas, pobre Pedro Pettigrew, parece que ninguém nunca se lembra dele… Ou não! Nossa colunista Mariana Rezende dedica sua nova coluna interiamente a este aspirante a rato para tentar descobrir a causa desta aparente “aversão” dos fãs. Confira o texto aqui e reflita de verdade sobre este personagem.

Por Mariana Rezende

Sabe o pulo do gato quem se safa de apuros de forma inesperada, pessoal. A origem é um conto popular. A onça pede ao gato que lhe ensine seus mil pulos. Ao final, vê um lagarto e pede ao gato que lhe mostre como pegá-lo. O gato salta sobre o bicho e a onça, zupt!, em cima do gato, que, no mesmo movimento, escapa de banda. ‘Ei, isso você não me ensinou’, reclama ela. ‘Bobo seria eu se lhe ensinasse tudo. Este é o pulo do gato’, diz o bichano, escapulindo. (fonte: http://www.almanaquebrasil.com.br)

Qual é o seu personagem favorito? Harry, Luna, Dumbledore? Ou será que você curte os comensais? Todos nós temos nossas preferências, saciadas pelos complexos (leia-se: humanos) personagens de J.K. Rowling, que não economizou criatividade ao rechear o mundo mágico com personalidades inesquecíveis. Contradizendo tudo que acabei de afirmar, apresento o tema da coluna: Peter Pettigrew. Sim, ele mesmo. Aquele gordinho entalado na sub-trama da história. Aquele que ninguém nunca deu muita bola, inclusive os fãs. Digo isso porque, até hoje, não encontrei um único pottermaníaco que nomeasse Rabicho como seu personagem favorito. É claro que isso sempre pode ser um argumento absurdo. Talvez eu esteja no círculo errado de amigos, e não saiba da existência de uma Associação de Amantes do Pettigrew; mesmo assim, venho aqui para expor a minha visão de mundo e confesso que escrevo na expectativa de ter minha teoria desmentida por algum comentário pró-Pettigrew.

Antes de Rabicho ser encurralado no capítulo “O servo de Lord Voldemort” do Prisioneiro de Azkaban, nós o conhecíamos somente como o garotinho não muito talentoso que morreu heroicamente tentando combater o comensal/assassino/traidor Sirius Black. Na Casa dos Gritos, no entanto, Sirius fornece a sua versão dos fatos: Pettigrew não passava de um interesseiro que só ajudava alguém em troca de benefícios, sempre andando ao lado de pessoas mais fortes e inteligentes em busca de proteção (primeiro James, Sirius e Remus, depois Voldemort). Covarde, forjou a própria morte e incriminou Sirius simultaneamente, passando os treze anos seguintes escondido em sua forma animaga. Desmascarado e temendo os velhos amigos, começou a investigar o paradeiro do Lord das Trevas e foi sob os seus cuidados que Voldemort (vulgo “O Bebê Grotesco”) conseguiu recuperar o corpo e os antigos poderes. Ele morreu (dessa vez pra valer) sufocado pela própria mão – de prata – no porão da casa dos Malfoy.

Existem vários pontos na história dele que me interessam. Como ficamos sabendo no terceiro livro, Pettigrew passou informações da Ordem para Voldemort durante um ano até o fatídico dia das bruxas de 1981. Ele não foi, portanto, coagido a entregar os Potter. Resta saber como tudo começou. Os comensais o teriam procurado ou ele se alistou por conta própria? Pessoalmente, acredito que as constantes baixas entre os membros da Ordem contribuíram para a tomada de decisão. Se desde a escola Rabicho se cercava de pessoas mais poderosas, ele não permaneceria colocando a vida em risco por um time – aparentemente – fadado a perder. Havia, além disso, a questão da amizade entre ele e os outros Marotos. Durante “A pior lembrança de Snape” no quinto livro, é possível notar a diferença gritante na forma com que James e Sirius se relacionavam com Remus e Pettigrew. Enquanto Remus é tratado com igualdade e respeito, Rabicho nada mais é do que um bajulador que passou a memória inteira sendo ridicularizado; sendo chamado de obtuso por James, e depois irritando Sirius com as adulações constantes direcionadas para James e seu show com o pomo de ouro. Talvez, ao começar a trabalhar como espião para a força das Trevas, ele tenha experimentado um poder desconhecido. A sensação de ter em mãos não só informações vitais, mas também o destino daqueles que um dia ele tanto idolatrou. Teria sido esse o motivo que levou o Chapéu Seletor a colocá-lo na Grifinória, a coragem de se importar somente com a própria vida? Ou quem sabe a coragem de se arrepender no último momento, sacrificando-se em nome de uma dívida? Por outro lado, a dívida que Pettigrew acumulou ao ter a vida poupada por Harry era – como Dumbledore informou – um contrato mágico (“Assim é a magia no que ela tem de mais profundo e impenetrável, Harry. Mas confie em mim… quem sabe um dia você se alegrará por ter salvado a vida de Pettigrew.” – O Prisioneiro de Azkaban, p. 342). E Voldemort, ao presenteá-lo com a mão de prata, deu um aviso quase premonitório (“Que a sua lealdade jamais volte a vacilar, Rabicho.” – Cálice de Fogo, p. 516). Não seria inviável supor, portanto, que a dívida o tenha forçado a soltar Harry e a mão criada por Voldemort, “percebendo” a traição, tenha-o punido com a morte. Neste caso, não haveria arrependimento algum.

De qualquer forma, nenhuma dessas questões se enquadra no objetivo central desta coluna, apesar de serem fundamentais para compreendê-lo. O que me intriga de verdade é o alto índice de rejeição por parte dos fãs tanto em comunidades, como em fanfics e até mesmo em simples debates informais. Parece haver certo desprezo, quiçá desconforto, na hora de conversar sobre Rabicho, inclusive entre as pessoas que têm vilões como seus personagens favoritos(*). Voldemort e Bellatrix sentiam prazer em torturar, matar e destroçar famílias, mas nada disso os impediu de alcançar o primeiro lugar na lista de favoritos de muita gente. Snape e Regulus Black também traíram, passaram informações, trocaram sua lealdade e geralmente são aplaudidos por isso. Qual seria a diferença entre eles e Pettigrew? Os motivos? Eles mereceriam perdão por terem escolhido servir o lado que consideramos “correto”?

A morte dos Potter, a queda de Voldemort, O-Menino-Que-Sobreviveu, a prisão de Sirius e a sua saída de Azkaban, o retorno de Voldemort, a fuga de Harry da Mansão dos Malfoy — Rabicho tem participação ativa em cada um desses acontecimentos, essenciais para a trama dos livros. E ao invés de delegar tamanho papel de importância para um personagem marcante, J.K. nos apresentou a um homenzinho aparentemente insignificante, dotado de fraquezas inescrupulosas; contudo ardiloso o bastante para aproveitá-las, vendendo uma imagem subestimada capaz de refletir até mesmo na opinião dos leitores.

(*)Vale ressaltar aqui que a noção de “bonzinhos” e “vilões” é relativa. Caso a história fosse contada por Voldemort, Dumbledore, a Ordem, Harry e os outros seriam os vilões que estariam tentando macular a pureza da sociedade bruxa. Para não ficar desviando do assunto com esses detalhes, assumo a visão adotada nos livros.

Mariana Rezende cochichou ao Ish que é fã número um do Rabicho.