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Pouco romance com muito amor

Pouco romance com muito amorPouco romance com muito amor
Não há dúvidas de que em Harry Potter existe uma mistura de gêneros literários: há aventura, mistério, comédia, fantasia, drama… mas e romance? Por que será que Jo Rowling não deixou que a vida amorosa do nosso bruxo avançasse mais que uma bitoquinha?

Nossa colunista de velha data Pâmela Lima arrisca a resposta para essa questão que não sai da cabeça dos mais apaixonados (não só pela saga!). Não deixe de conferir o texto na íntegra aqui e colocar sua opinião nos comentários.

Por Pâmela Lima

Com o final do sétimo livro – especialmente o epílogo – muitos casais fecharam a série juntos. Alguns que qualquer um de nós poderia imaginar desde sempre (ou alguém achou que aquela briga entre Ron e Hermione no Baile de Inverno tinha algo a ver com o Torneio Tribruxo?) e outros que absolutamente ninguém poderia imaginar (como os novos moradores do Caldeirão furado, Neville e Hannah Longbottom). E não foram poucos. No livro e nas entrevistas a minoria dos personagens ficou sem um par. Até o jovem Dumbledore ganhou um amor adolescente com seu grande inimigo.

Mas vejam: tudo isso no último livro ou em entrevistas. Até Enigma do Príncipe temos alguns beijos, namoros enrolados entre personagens secundários, uma relação cômica entre Ron e Lavender Brown e mais um monstro nascendo no estômago de Harry. O próprio casal da discussão que eu citei no início do texto só foi realmente admitir seu amor nos quarenta e cinco do segundo tempo!

Parando para pensar sobre isso… Rowling não sabe escrever romances?

Da vontade da autora
Algo que vem sendo bastante ignorado quando se trata de literatura (seja a dita clássica ou best-seller) é o que o autor teve vontade de expressar na obra. Claro que não podemos dizer nada com absoluta certeza, mas lançar hipóteses não custa. E se, em vez de pensar “Harry já tem quinze anos, é normal que ele inicie uma vida sexual” o que J.K. teve em mente foi “Harry já tem quinze anos, é hora de encarar a morte”?

Sim, ele sentiu a primeira palpitação no baixo ventre aos treze e beijou pela primeira vez aos quinze, como muitos e muitos garotos. Ron deu seu primeiro beijo aos dezesseis e já tinha sido zoado pela irmã mais nova por nunca ter beijado. Coisas bem básicas, que acontecem com todo mundo. Rowling se esforçou para mostrar que Harry e seus amigos eram, antes de heróis, pessoas.

E ainda assim tudo o que aconteceu no ramo amoroso da série é dado (em fóruns, podem procurar em qualquer um) como sendo raso. Será que quem critica isso já parou para pensar sobre como a autora quis escrever uma aventura e não uma história de amor?

Se eu quisesse escrever uma coluna sobre o Dobby, e não essa, quem poderia me impedir ou criticar? É vontade, oras. Cada escritor sabe qual área domina e, principalmente, para qual área quer dar valor.

Das ocupações de Harry
Então alguém fala: “mas Pâmela, não é normal um menino adolescente nem sequer pensar em sexo até os dezessete anos!”. Concordo, nenhum menino (ou menina) normal deixaria de pensar em sexo como algo essencial.

Aí está: um menino normal. Quando associamos adolescência a romances e paixões ardentes estamos considerando jovens saudáveis e sem problemas psicológicos. Jovens que têm como maior ocupação a escola e, quem sabe, um trabalho de meio-turno. Agora pensemos em Harry Potter.

Harry, desde seu primeiro ano, é fadado a ter que matar Lord Voldemort ou ser morto por ele. Todos os anos o bruxo das trevas dá um jeito de ir atrás do menino e tentar, novamente, matá-lo. No único ano em que Voldemort resolve não dar as caras, um padrinho suposto assassino aparece nas redondezas de Hogwarts. Enquanto isso, Harry tem que tirar boas notas e ganhar a taça do quadribol – todo o time conta com ele.

E quando Voldemort ressurge definitivamente para começar uma segunda guerra? Quando o garoto tem quatorze anos, a idade em que todo jovem fica mais difícil.

Convenhamos, Harry tinha mais o que fazer.

Do amor, acima de todas as coisas
Ainda assim vemos quando Ginny conquista, muito aos poucos, a confiança d’O Menino-Que-Sobreviveu. E também percebemos as intenções de Hermione quando diz que Ron deveria convidá-la para o baile primeiro e não como um último recurso. Percebemos também quando Remus prefere ficar longe de Tonks a suportar a realidade de que a criança que ela carrega terá um pai lobisomem. E James, que preferiu encarar Voldemort sozinho e poupar mais alguns segundos de vida para sua esposa e seu filho.

Analisando com carinho esses detalhes, onde estaria a importância do romance? Sabemos que há amor, e ele está visível. Até naqueles romances que não vimos acontecer, mas sabemos da existência (como Luna e Ralf Scamander), temos um sinal de que, em um mundo com guerra, em um mundo pós-guerra, em qualquer situação as pessoas podem se conhecer e acabar gostando de verdade umas das outras.

Principalmente aquelas que passaram por uma guerra juntos. George e Angelina possivelmente tiveram muito que conversar enquanto superavam as dores da perda de Fred. E então nasceu um amor.

E nos dezenove anos antes de tudo isso acontecer? Fica na mão dos ficwriters – o que não é nenhum sacrifício.

Pâmela Lima já entrou no clima do Dia dos Namorados.