Enciclopédia ︎◆ J. K. Rowling

Entrevista com JK Rowling traduzida na íntegra!

No domingo passado nós noticiamos uma prévia da entrevista exclusiva que a autora JK Rowling concedeu ao jornal do curso de jornalismo de uma Universidade de Edimburgo, sua cidade natal.Hoje a nossa equipe finalizou a tradução de toda a entrevista, que pode ser lida na íntegra em notícia completa. Confiram dois trechos inéditos abaixo:

E aquela famosa enciclopédia sobre Harry Potter, a nova ruína de sua existência e raiz de recentes problemas judiciais? “Bem, eu meio que estou trabalhando nela… na verdade, eu estou trabalhando nela. Eu só não quero ter de trabalhar com prazos, mas devagarinho eu estou montando ela”.

E sobre o pior ou melhor comentário recebido por pessoas que a abordam nas ruas e restaurantes:

Bom, melhor… tantos. Eu suponho que qualquer comentário de um fã me dizendo o que o livro significou para eles em um modo pessoal são sempre maravilhosos de ouvir porque as pessoas no fim da adolescência, começo dos 20, literalmente cresceram com Harry. Ele envelheceu, eles envelheceram, e ele foi um grande fator na infância deles o que é uma coisa incrível, incrível para mim de saber”.

Os scans podem ser vistos em nossa galeria clicando aqui.

Lembrol: O vídeo com a entrevista de Daniel Radcliffe para o The Daily 10 foi legendado pela nossa equipe e já pode ser visto pelo YouTube através desse link e baixado para seu computador clicando aqui. Aproveite!

JK ROWLING
Entrevista dada a jornal estudantil de Edimburgo

04 de março de 2008
Tradução: Renan da C. C. Silva, Renata Grando e Bruna Moreno

É difícil não amar uma cidade em que você pode topar com JK Rowling em um café localizado no centro, educadamente pedir uma entrevista, e depois de quatro agonizantes meses ter uma audiência privada com possivelmente a autora mais famosa do mundo.

“Por favor, não chame assim,” ela insiste, com uma modéstia que parece levemente suspeita no começo. Eu posso argumentar com ela considerando os múltiplos prêmios, fortuna infame, e vendas na casa dos 400 milhões ao redor do mundo, mas penso melhor ao invés de irritar uma personalidade já alegada de ter uma aversão inerente a entrevistas. Em vez disso, apresento-a a um amigo que, primeiramente para evitar a ira já mencionada, serve como uma adequada capa com seu conhecimento profundo para minha completa ignorância de todas as coisas Potter (um Trouxa, acredito que seja o termo).

Mas isso não é sobre Harry, não inteiramente. É sobre a mulher que subiu ao ápice da literatura moderna na última década, certamente em termos de vendas e estrelato. O último romance de Harry Potter, Harry Potter e as Relíquias da Morte, foi lançado em julho de 2007 e foi rotulado o manuscrito mais valioso da História. Todo esse tempo sem o bruxinho – ela não sente nenhuma falta dele? “Sim,” ela diz, depois de leve hesitação. “Mas está ficando melhor. Imediatamente após terminar nós obviamente estávamos passando pelo processo editorial então eu ainda estava trabalhando nele. Não foi um fim abrupto, e realmente me pegou no meu aniversário, que é o último dia de julho,” o qual os fãs de Potter saberão que ela compartilha com seu herói, “e me pegou como uma bola de demolição naquele ponto”.

“Eu tinha estado preparando para isso por tanto tempo. Nos três últimos meses de escrita do sétimo livro, eu tive uma sensação constante e persistente que era isso. Era o fim. Era um final que eu tinha planejado por tanto tempo, e que visava escrever por tanto tempo. Então foi realmente dividido ao meio: metade alegria, e metade um senso de desolação. E então nós entramos no processo de edição e então você tem obviamente a publicação e aí dez dias depois o que me pegou foi: Eu não posso entrar mais naquele mundo. Acabou.”

É difícil ignorar o jeito divertido com o qual Rowling pronuncia cada frase, tornando compatível a uma autora de sua estatura. Sem dúvida provém dessa genuína, e claramente visível, paixão pelos livros, personagens, o mundo de que todos eles vêm; dessa transparência de emoção, você realmente percebe que com certeza isso não era uma aventura rentável escrita para encher seus cafés. Certamente, nesse caso, você não poderia dizer que ela nunca voltaria para uma parte tão importante de sua vida?

“Bem, não, não poderia,” ela ri. “Ninguém nem pode imaginar. É um sentimento bastante isolado porque, é claro, existem muitos escritores que escreveram dentro de certo mundo, mas o meu foi 17 anos. E foram 17 anos que contiveram muita turbulência na minha vida; Harry era minha constante. Essa era a coisa que estava sempre lá, era como um relacionamento fantástico que era o meu centro… Estava acabado. E era enorme,” ela lamenta, como se ainda de luto.

Nós mudamos o discurso levemente e falamos sobre o recente documentário da ITV que foi ao ar por volta do Natal de 2007. O filme, supostamente o relato mais definitivo da vida de Rowling desta maneira, percorreu um ano de sua vida com surpreendente melancolia com algumas revelações muito pessoais incluídas. Uma admissão desse tipo foi o desconforto compreensível que Rowling sentiu quando fãs e paparazzi começaram a seguir cada movimento seu. Nesse estágio de sua vida, então, quase um ano desde a publicação do último livro, do que ela sente mais falta – Harry Potter ou seu anonimato? Há uma pausa antes de responder. “Essa é uma excelente pergunta. Ninguém nunca me perguntou isso.” Pega essa, ITV.

Eu encorajo-a um pouco mais, dizendo que deve ser bem duro ter estudantes estranhos de jornalismo aparecendo para ela no Starbucks e pedindo uma entrevista… “Sinceramente, tem ido para cima e para baixo,” ela admite finalmente. “Definitivamente há momentos nos dez anos em que estive sendo publicada que eu teria dado quase qualquer coisa para ter o anonimato de volta, mas aqueles eram tempos ruins e na verdade eles nunca tiveram qualquer coisa a ver com pessoas aparecendo para mim no Starbucks. Porque pessoas aparecendo para mim no Starbucks são sempre encantadoras. Sempre.”

Não consigo evitar zombar, em parte descrente, mas também para inutilmente fugir do assunto a respeito de qualquer aprovação estúpida de um conglomerado de café. “É verdade, é verdade!” Rowling protesta. “Sabe, até onde consigo me lembrar… Eu não precisaria de todos os dedos de uma mão para pensar em qualquer um que alguma vez tenha se aproximado de mim e tenha sido de uma forma grosseira – eu estou deixando de lado os eBayers, eles são muito agressivos, mas não é sobre ser um fã, é sobre fazer o máximo de dinheiro possível daí eles podem ser bastante assustadores – mas houve tempos em que eu teria dado qualquer coisa para ter o anonimato de volta. Eu me sentia em estado de sítio em certos momentos. Nunca esperei jornalistas virem bater na minha porta da frente. Teve um período no meio que foi muito estressante.”

Com o risco de soar insistente e insensível, insisto em uma resposta para minha pergunta anterior. “Nesse momento sinto mais falta de Harry,” ela declara. “Eu sinto. Sinto falta dele como um personagem, mas a coisa interessante é que ele nunca foi o personagem mais popular nos livros. Na verdade houve uma enquete há um tempo atrás e algo como 2% dos leitores disse que Harry era seu personagem favorito. Existem muito mais personagens óbvios para amar: Hagrid, Rony, todo mundo ama Rony, quer dizer, quem não gosta de Rony…” ela ri, em um indefinível jeito de metade mulher, metade riso de estudante que aparece ao longo de nossa conversa.

Eu me pergunto se ela tinha lido algum dos seus próprios livros, dada reputação internacional deles. “O único que eu voltei atrás e reli desde a publicação foi o sétimo livro, que é meu favorito.” Rowling aparentemente tinha planejado o final logo, pouco tempo depois do começo da série inteira. “Sim, esse é o ponto em que eu estava trabalhando por 17 anos então com certeza seria uma grande experiência catártica e eu tinha pensado muito nisso. Mas também foi imensamente libertador não estar mais escrevendo uma história de escola, só tirá-los de Hogwarts embora eu ame Hogwarts. Você provavelmente poderia extrair algumas outras boas histórias de Hogwarts, há tanta coisa lá, mas as restrições que a carga horária de uma escola põe em cima de seus personagens são enormes. E nunca ter que escrever outro jogo de Quadribol,” ela ri. “A coisa que me manterá longe de Hogwarts pela próxima geração é ter que fazer um ruim Quadribol novamente!”

Mesmo assim, deve ser legal saber que os livros de Harry Potter são adorados por crianças e adultos igualmente, que têm se tornado um clássico de certo modo, e que serão transmitidos por gerações? “É um sentimento fantástico. Na verdade o que você disse por último é o sentimento mais incrível.” Minha amiga admite que realmente lerá os livros para seus filhos, levando a uma visível onda de alegria desordenada tomar conta da autora. “Essa é a coisa mais significativa para mim.”

Rowling se esforça por palavras, genuinamente dominada pela emoção. Minhas dúvidas anteriores foram completamente aliviadas; falsa modéstia isso certamente não é. “Esse é um maravilhoso, maravilhoso sentimento, pensar que você fisicamente – para não dar muito uma de Poliana – mas você fisicamente uniu pessoas de diferentes idades, gerações até, e é algo que todo mundo tem compartilhado… não há nada, nada melhor do que isso.” Doce como deve ser, não consigo nem por um segundo duvidar de que Rowling fala sério cada palavra que diz, tal é sua comovente clara franqueza.

Passando para uma questão mais polêmica, Rowling tem dito categoricamente que acredita em uma força maior, declaração reforçada por suas idas à igreja na infância (“Até eu ter 17 anos,” esclarece). Deve ser difícil conciliar suas crenças religiosas com aqueles que condenam Harry Potter como anticristão, me questiono em voz alta. A expressão de Rowling não muda uma fração. “Teve uma comentarista cristão que disse que Harry Potter tinha sido a maior oportunidade perdida pela igreja cristã. E eu pensei, existe alguém que de fato tem seus olhos abertos.”

Um grau de má interpretação inevitavelmente resulta da ambigüidade. Uma parte não tem aversão intensa a Harry Potter? “Oh, veementemente,” diz Rowling, “e eles mandam ameaças de morte”.

Minhas orelhas se levantam. Ameaças de morte? Para esse indivíduo aparentemente inofensivo, de fala mansa na minha frente? “Uma vez, sim. Bom, mais do que uma vez. É cômico em retrospectiva. Eu estava na América, e havia uma ameaça feita contra uma livraria – na qual eu ia aparecer, então tivemos a polícia lá.” No entanto, ela ainda compareceu, “obviamente as coisas foram checadas e eu nunca deixaria crianças irem lá por um segundo se eu pensasse que havia alguma substância nisso”.

Ameaças de morte à parte, qual foi o pior, ou melhor comentário que ela já recebeu? Ela pausa pelo que parece uma era. “Bom, melhor… tantos. Eu suponho que qualquer comentário de um fã me dizendo o que o livro significou para eles em um modo pessoal são sempre maravilhosos de ouvir porque as pessoas no fim da adolescência, começo dos 20, literalmente cresceram com Harry. Ele envelheceu, eles envelheceram, e ele foi um grande fator na infância deles o que é uma coisa incrível, incrível para mim de saber”.

Rowling é quase carinhosamente desconfortável em sua relutância em falar de como seu trabalho tem sido criticado. “Eu posso lidar com uma revisão ruim. Ninguém ama uma revisão ruim, mas uma revisão útil é aquela que te ensina algo. Mas para ser honesta, a coisa Cristã fundamentalista foi ruim. Eu teria ficado muito feliz em sentar lá e debater com os críticos que estavam vendo Harry Potter com uma perspectiva moral.”

“Em um sentido, nós trocamos argumentos pela mídia. Eu tentei ser racional sobre isso. Há uma mulher na Carolina do Norte ou Alabama que vem tentando banir os livros – ela é mãe de quatro crianças e nunca os leu. E então – eu não estou mentindo e não estou nem tirando sarro, essa é a verdade do que ela falou – recentemente perguntaram-na (por quê) e ela disse ‘Bom, eu rezei sobre se deveria ou não lê-los e Deus me disse não'”.

Rowling pausa para refletir o peso de sua fala, sua expressão uma de absoluta incredibilidade. “Veja, aí é onde eu absolutamente me separo da companhia das pessoas desse lado da cerca, porque isso é fundamentalismo. Fundamentalismo é ‘Não vou abrir minha mente para olhar o seu lado do argumento de maneira nenhuma. Eu não vou ler, não vou olhar, estou muito assustado.’ É isso que é perigoso, seja politicamente extremo ou religiosamente extremo… Na verdade fundamentalistas de todas as maiores religiões, se você os colocasse em uma sala, eles teriam malas em comum!” ela ri alto, antes de se acalmar. “Eles odeiam as mesmas coisas, é algo tão irônico”.

É de aquecer o coração ver Rowling se engajar tão ativamente em tópicos como esse e ser capaz de rir abertamente nesse momento de sua vida. É conhecimento comum que Rowling começou com nada mais do que um barato flat em Leith e uma filha bebê para cuidar. Isso foi 17 anos atrás – como ela sente que cresceu como pessoa desde então? “Eu sou muito mais feliz agora, mas não pelas razões que as pessoas esperariam”. Rowling está claramente se referindo a sua recente posição na lista Forbes como a segunda mulher mais rica no entretenimento, perdendo apenas para Oprah Winfrey. Sua humildade a impede até mesmo de querer elaborar. “Eu estou fazendo o que eu queria fazer, o que eu não estava aos 25. Eu era eternamente uma pessoa insegura aos 25, então agora eu acho que provavelmente cheguei a um nível saudável. Eu ainda fico extremamente nervosa quando tenho que falar em público, e seria bem errado pensar que cada vez que eu escrevo uma página eu penso ‘bestseller instantâneo'”.

Ainda assim, Rowling parece permanecer calma quando falando para 17.000 pessoas para o lançamento do último livro. “Eu me confortei com o que eu sempre me conforto quando essas coisas chegam – eu pensei ‘eu posso morrer antes de acontecer'”, seu tom se torna quase defensivo, “Eu sei que soa mórbido, não é intencionado para soar mórbido, mas eu realmente pensei… Nós todos poderíamos estar mortos, eu não vou me estressar antes de chegar. Antes disso, de falar em público, eu sempre costumava pensar: não pode ser pior do que um parto”. Ela ri alto.

Se há uma constante em ambos os trabalhos e as entrevistas de Rowling, é esse conceito de morbidez, que, eu não posso evitar de notar, ela brevemente cobre, defende, e então passa adiante. Não é nenhum segredo que Rowling sofreu depressão quando vivia em Leith antes dos livros serem publicados, uma forte metáfora que é encontrada na série Harry Poter através dos dementadores. Nós discutimos a ampla documentação do fato de que a depressão está em crescimento entre jovens e particularmente estudantes universitários nos dias de hoje.

“Eu definitivamente tive inclinações à depressão em um idade nova também”, Rowling reconhece, “mas é uma situação extremamente difícil de se reconhecer em você mesmo. O que é triste de uma forma é que a coisa que mais me fez ir até a ajuda, a coisa que me fez encarar o fato que não era um estado normal em que eu estava, foi provavelmente minha filha, e muitas pessoas de sua idade, muitos adultos jovens, não teriam isso. Ela era como uma pedra de certa forma, ela era algo que me deixava na Terra, me prendia ao chão, e eu pensei ‘isso não está certo, isso não pode estar certo, ela não pode crescer comigo nesse estado'”. Rowling fala extensamente sobre a Cognitive Behavioural Therapu que provou ser sua salvação. É algo que ela recomendaria para outros, então? “Eu recomendaria altamente. Eu acho que foi absolutamente sem preço. Bom, funcionou para mim então obviamente sou ‘pró’. Eu acho que estive em consultas por nove meses. eu poderia ter feito por mais tempo. Eu provavelmente saí um pouco cedo, mas…” Ela pausa. Tudo trabalhou para melhor, eu me arrisco. “Absolutamente. E te dá estratégias para depois. Eu estou preocupado agora que você disse isso sobre minha depressão e eu quero dizer a todo mundo que eles devem ir e buscar ajuda…!”

Eu digo que talvez a afirmação de Rowling possa ajudar a remover o estigma ligado às idéias de depressão e consultas. “A coisa engraçada é que eu nunca estive remotamente envergonhada de ter tido depressão. Nunca. Eu acho que sou anormalmente desavergonhada sobre isso, porque, o que há para sentir vergonha? O que tem aí para se ter vergonha?” Ela bruscamente muda o tópico. “Eu acho que é uma época muito difícil para ser jovem no momento. Eu me preocupo com isso, eu tenho uma filha adolescente e eu acho que nossa cultura no momento está… aterrorizada pelos jovens. Você não acha? Isso realmente me preocupa. Parece ter essa aceitação cultural de jovens como ameaçadores. Não em todo lugar, mas de certa forma, fala-se deles e os noticiam.”

Eu não posso evitar pensar o que se esconde por trás da palavra ‘noticiam’. Rowling teve inúmeros problemas com a imprensa no passado, e eu pergunto se ela acredita que há uma ligação entre o que ela está se referindo e à cultura Heat Magazine que os jovens estão comprando.

Eu trago o tópico da recente advertência que ela recebeu da imprensa por ter comentado a imagem do corpo de meninas jovens. De uma vez, Rowling fica mais séria do que esteve até então. “Isso é algo que tem particularmente pesado em mim. Há algumas pessoas para as quais eu tenho escrito e algumas anoréxicas nessa categoria.” No entanto, as pessoas criticaram suas afirmações.

“Bom, deixe eles”, ela diz audaciosamente, “Eles sempre criticam quando você diz alguma coisa desse tipo mas, para mim – eu tenho que ser muito cuidadosa com o que eu digo aqui”, Rowling pausa, delicadamente medindo suas palavras para evitar futuros problemas. “É um fato que em websites que são pró-anorexia – e eles realmente existem – eles usam imagens, certas imagens de certas mulheres famosas que eles chamam de ‘thinspiration’ (inspiração magra). É uma doença. Eu argumentaria que a imagem corporal promovida por certas seções da indústria da moda são pró-anorexia. Eu absolutamente me recuso a acreditar que certas mulheres estão comendo e se exercitando normalmente e mantendo aquele corpo. Eu me recuso a acreditar nisso.”

De uma controvérsia para a outra, parece inevitável que o tópico da sexualidade de Dumbledore fosse surgir. Como Rowling lidou com os efeitos? “Foi engraçado, na maior parte!” ela exclama. “Eu tinha sempre visto Dumbledore como gay, mas em um sentido isso não é grande coisa. O livro não era sobre Dumbledore sendo gay. É só que por fora eu obviamente sabia que ele tinha esse grande, escondido segredo e que ele flertava com a idéia de exatamente o que Voldemort faz, ele flertava com a idéia de dominação racial, que ele iria subjugar trouxas. Então esse era o grande segredo de Dumbledore.”

“Então por que ele flertava com isso?” ela pergunta. “Ele é um homem bom por natureza, o que o faria fazer isso? Eu nem pensei nisso dessa forma, simplesmente pareceu vir até mim, eu pensei ‘eu sei porque ele fez isso, ele se apaixonou.’ E se eles consumaram essa paixão fisicamente ou não, não é a questão. A questão é amor. Não é sobre sexo. Então isso é o que eu sabia sobre Dumbledore. E é relevante somente que ele se apaixonou e foi feito de tolo pelo amor. Ele perdeu completamente sua bússola moral quando se apaixonou e eu acho que subsequentemente se tornou muito desconfiável de seu próprio julgamento nesses assuntos, então se tornou bem assexuado. Ele levou uma vida celibatária e de leitura.”

Claramente, algumas pessoas não enxergaram as coisas deste modo. Como ela reage diante daqueles que discordam de um personagem homossexual num livro infanto-juvenil? “E daí?”, ela retalha imediatamente. “É uma questão muito interessante, porque eu acho que a homofobia é o medo que as pessoas têm de amar, mais ainda do que do próprio ato sexual. Parece que existe um desgosto inato pelo amor involvido, o que eu acho absolutamente extraordinário. Houve pessoas que pensaram ‘bem, por que então não vimos a angústia de Dumbledore sobre ser gay?'”. Rowling fica claramente surpresa com isso, e com razão. “Quando isso iria aparecer? E outra coisa era — e eu recebi cartas dizendo isso — que, como um homossexual, ele não teria segurança suficiente para lecionar em uma escola”.

Um ar de incredulidade invade a sala, como se a própria Rowling não conseguisse acreditar em si mesma. Ela continua: “Ele é um homem solteiro e muito velho. Você se pergunta: por que isso é tão interessante? As pessoas devem observar suas próprias atitudes. É uma sombra no personagem. Será que esta é a coisa mais importante nele? Não. Estamos falando de Dumbledore, pelo amor de Deus. Existem 20 coisas que são relevantes para a história antes de sua sexualidade”. Última linha, e então: ele não é um personagem homossexual, apenas um personagem que por acaso é homossexual. Rowling concorda veementemente.

A esta altura, uma hora já tinha se passado — muito mais do que nós tínhamos inicialmente ganhado. Eu começo a disparar algumas perguntas rápidas, apesar da propensão de Rowling de responder com sentenças longas, porém interessantes, que impediram que elas fossem tão ligeiras. Eu pergunto qual foi a última coisa que ela leu: “Ele morreu tragicamente, mas foi ‘This Thing of Darkness”, de Harry Thompson. Foi o último livro contemporâneo que eu li. Muito, muito bom”.

Eu a questiono sobre seus novos projetos, um rotulado como “conto-de-fadas policial”, e outro direcionado mais a adultos. Ela confessa que enquanto o primeiro ainda não está pronto, o segundo pode nem mesmo chegar a ver a luz do sol. Eu tento arrancar mais informações, até com chantagem emocional, mas Rowling se mantém com os lábios fortemente selados. “Desculpe, eu não posso, não posso!”, ela ri. “A partir do momento em que eu começar a falar as coisas, minha vida se tornará muito mais complicada”. Compreensível, considerando o leve intervalo dado pelos devoradores de lixeiras. E aquela famosa enciclopédia sobre Harry Potter, a nova ruína de sua existência e raiz de recentes problemas judiciais? “Bem, eu meio que estou trabalhando nela… na verdade, eu estou trabalhando nela. Eu só não quero ter de trabalhar com prazos, mas devagarinho eu estou montando ela”.

Os minutos finais de nossa conversa serpentearam por vários tópicos, de alguma maneira finalizando sobre stand-up comedy¹, num ponto em que Rowling demonstra uma animação adolescente, ofegando e mesmo rindo alto. “Eu sempre quis…” ela começa, antes de atender o ditafone a sua frente. “Será que eu posso falar na gravação que isso não é o que eu estou escrevendo… mas eu sempre quis escrever um romance sobre um comediante de stand-up comedy. Isso não é o que eu estou escrevendo no momento, então se alguma coisa sair semana que vem, não é meu, não fui eu quem fiz! Mas por muito tempo eu tive essa vontade”, ela revela.

Meu tempo acaba, apesar de uma distinta relutância das duas partes de ir embora.

É nesse ponto que eu anuncio meu mundo trouxa, evocando ainda mais risadas de Rowling quando ela me acusa de “fingir” – uma acusação que, por mais tentadora que possa ser para jornalistas britânicos exagerados, eu simplesmente não posso colocar nela. Por todo seu sucesso, por todo seu reconhecimento internacional, Rowling continua tão vulnerável e tão modesta quanto qualquer outro, quase desnorteada pela afobação ao seu redor – mais feliz, parece, por ter uma família do que por estar ganhando milhões. É animador, para dizer o mínimo, que ela ainda ande pela cidade com essa mesma maneira despretensiosa… embora dado como essa entrevista saiu, eu acho que você poderá não vê-la no Starbucks em algum tempo próximo.

NT¹: Tipo de apresentação humorística em que o artista conta piadas, canta e improvisa.