As Relíquias da Morte

A difícil tarefa de traduzir Harry Potter

A difícil tarefa de traduzir Harry PotterA difícil tarefa de traduzir Harry Potter

Com o lançamento das edições internacionais de Harry Potter e as Relíquias da Morte, os fãs e a imprensa param para se perguntar como é o trabalho dos tradutores e as dificuldades que eles passam para traduzir e adaptar a série Harry Potter para o seu idioma e sua cultura.
Em 1999, quando foi dada a Gili Bar-Hillel a tarefa de traduzir Harry Potter e a Pedra Filosofal para o hebraico, conhecido nos EUA como Harry Potter e a Pedra do Feiticeiro, ou o primeiro livro da conhecida série de sete volumes, ninguém previu o sucesso comercial sem fronteiras que estava à espera da franquia Harry Potter.

Na verdade, as editoras israelenses Yedioth Ahronoth Books e Books in the Attic só entregaram para Bar-Hillel o projeto Potter como uma espécie de tentativa.

Bar-Hillel, uma tradutora bastante experiente, pediu emprego a eles. Sabendo que ela era integrante do Clube Internacional de Bruxos de Oz, as editoras acharam que ela teria entusiasmo suficiente pelo trabalho, e conhecimento sobre literatura de fantasia infantil para trazer corretamente a história do inglês para o hebraico.

Oito anos depois, Bar-Hillel é uma real celebridade israelense, conhecida nacionalmente como a mulher que faz o mundo imaginário de Harry Potter acessível para milhares de fãs da língua hebraica.

Ainda assim juntando as diferenças entre as sintaxes do hebraico e do inglês, o vocabulário e a cultura especializados do universo de Harry e a impossibilidade de Bar-Hillel em encontrar informações que estão faltando nos livros (a editora britânica da autora da série J.K. Rowling, a Bloomsbury, protege-a cuidadosamente do público), frequentemente fazem de Harry Potter um projeto confuso de se traduzir.

A tarefa do que constitui uma tradução “acurada” tem arrastado Bar-Hillel para a sua fama nacional indesejável, assim como levado os israelenses a aplaudir, e outras vezes ridicularizar, sua escolha de palavras e seu julgamento.

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HARRY POTTER
Quando “Harry” conhece o Hebraico
CJN News – Sarah Bronson
18/10/2001
Tradução: Virág Venekey

Em 1999, quando foi dada a Gili Bar-Hillel a tarefa de traduzir Harry Potter e a Pedra Filosofal para hebraico, conhecido nos EUA como Harry Potter e a Pedra do Feiticeiro, ou o primeiro livro da conhecida série de sete volumes, ninguém previu o sucesso comercial sem fronteiras que estava à espera da franquia Harry Potter.

Na verdade, as editoras israelenses “Yedioth Ahronoth Books” e “Books in the Attic” só entregaram para Bar-Hillel o projeto Potter como uma espécie de tentativa.

Bar-Hillel, uma tradutora bastante experiente, pediu emprego a eles. Sabendo que ela era integrante do “Clube Internacional de Bruxos de Oz”, as editoras acharam que ela teria entusiasmo suficiente pelo trabalho, e conhecimento sobre literatura de fantasia infantil para trazer corretamente a história do inglês para o hebraico.

Oito anos depois, Bar-Hillel é uma real celebridade israelense, conhecida nacionalmente como a mulher que faz o mundo imaginário de Harry Potter acessível para milhares de fãs da língua hebraica.

Ainda assim juntando as diferenças entre as sintaxes do hebraico e do inglês, o vocabulário e a cultura especializados do universo de Harry e a impossibilidade de Bar-Hillel em encontrar informações que estão faltando nos livros (a editora britânica da autora da série J.K. Rowling, a Bloomsbury, protege-a cuidadosamente do público), frequentemente fazem de Harry Potter um projeto confuso de se traduzir.

A tarefa do que constitui uma tradução “acurada” tem arrastado Bar-Hillel para a sua fama nacional indesejável, assim como levado os israelenses a aplaudir, e outras vezes ridicularizar, sua escolha de palavras e seu julgamento.

Citando do italiano “traduttore, traditore”, ou seja, tradutor é um traidor, Bar-Hillel afirma que os amantes da literatura muitas vezes são desconfiados em relação aos tradutores, que, por definição, criam tanto a ponte, como o filtro entre os leitores e o texto original. Ela reconhece que seria inevitável que alguns leitores iriam discordar de suas escolhas. Contudo, o que surpreende ela, é o qual fundo, até mesmo jovens fãs, brigaram pelas suas próprias interpretações lingüísticas.

“Eu recebi a reclamação de uma criança sobre como traduzi a palavra “wand” (varinha em português)”, conta ela. “A reclamação era que “wand” tem um som redondo e sonoro e “sharveet” tem sonoridade dura. O que posso fazer? É a palavra em hebraico para varinha”.

Apesar das criticas terem chateado ela inicialmente, Bar-Hillel enxergou rapidamente que isto é positivo: numa era em que a comunicação é cada vez mais rápida e linguagem cada vez mais casual, seu trabalho está permitindo leitores jovens examinar cuidadosamente a literatura, com um nível crescente de sutilidade e atenção com nuances… e isto só pode ser algo bom, decidiu ela.

Ainda assim, o fanatismo por Harry Potter tem obrigado Bar-Hillel a preparar a sua tradução de “Harry Potter and the Deathly Hallows”, o sétimo e último livro da série, com o espírito de uma advogada de defesa (a edição inglesa foi lançada em julho, a versão em hebraico é esperada para janeiro). “Para cada escolha que eu faço, onde poderia ter feito outra, eu preparo uma explicação de porque eu fiz aquela escolha”, conta ela.

Bar-Hillel, uma mãe casada, com três filhos, de 32 anos, é filha e neta de professores da Universidade Hebraica de Jerusalém. Seu avô, Yehoshua Bar-Hillel, foi um filosofo nascido em Viena. Sua mãe foi professora de psicologia, que ensinou frequentemente nos Estados Unidos. Quando criança, Bar-Hillel, passou muito tempo nos EUA e aprendeu a ler em inglês antes do hebraico. Ela estudou na Universidade Hebraica de Tel Aviv, na Universidade de Harvard e seu Bacharelado é em escrita teatral e dramaturgia.

Enquanto que o processo de traduzir qualquer trabalho gera escolhas desafiadoras, traduções literais são raramente desejadas, mesmo quando eles são possíveis, já que as diferenças entre as sintaxes inglesa e hebraica criam dificuldades mesmo no nível mais simples.

Como um exemplo, Bar-Hillel aponta a conversa no início de “Deathly Hallows”, no qual a Sra. Weasley manda seu filho Ron (o melhor amigo de Harry) limpar o seu quarto. Resmungando da ordem, Ron fala, “Why in the name of Merlin’s saggy left…” (em português: Em nome do “algo” esquerdo desmanchado de Merlim, porque…) antes dele ser interrompido pelo seu pai, que reclama para ele não falar assim com a sua mãe. Nós nunca descobrimos que substantivo Ron pretendia usar no final da frase. A omissão cria um problema para Bar-Hillel, porque em hebraico adjetivos são colocados após os substantivos ao qual se referem (NT: em português acontece o mesmo). Sem saber exatamente que item ou parte do corpo de Merlim foi desmanchado e no lado esquerdo, Bar-Hillel vai ser forçado a traduzir a pergunta de Ron sem usar adivinhação apropriada.

“Eu vou ter que decidir ou por um substantivo ou rearranjar completamente o que ele iria falar de algum modo criativo”, planeja Bar-Hillel.

Adicionalmente, segundo Sarit Suel, um estudante de graduação do programa de tradução da Universidade de Bar-Ilan, há também o desafio de ajudar jovens leitores israelenses a entender o mundo de Harry Potter que se passa inserida na cultura seletiva das escolas britânicas. Suel, que está escrevendo sua tese em como as escolhas de Bar-Hillel mudaram a medida da evolução da seqüência, aponta, por exemplo, que não existe palavra em hebraico para “prefect” (em português: monitor), então Bar-Hillel, escolheu traduzi-lo como “madrich”. Apesar da palavra não ser um paralelo perfeito, ela conota corretamente um líder jovem com responsabilidades semi-formais em relação à encargos juvenis.

“Eu não queria estar no seu lugar”, fala Suel.

Bar-Hillel enfrentou um desafio relacionado à comida bem no início da série. No primeiro capítulo do livro um, o Prof. Dumbledore, diretor da Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts, está discutindo com a sua colega Professora McGonagall a morte do arquiinimigo Voldemort, quando coloca a mão dentro do bolso, retira algum doce, e oferece a ela um “lemon sherbet” (em português for traduzido como: sorvete de limão). Na tradução para hebraico, Bar-Hillel, escolheu “krembo” para Dumbledore oferecer á McGonagall, um doce israelense específico que não tem nenhuma gota de limão no seu sabor. A escolha irrita muitos fãs, mas Bar-Hillel explica a sua decisão com calma.

“Um amigo meu da Inglaterra me mandou “lemon sherbet”, então eu pude entender o que eram”, recorda Bar-Hillel. “São um doce de limão com uma sensação gasosa na boca, e na Inglaterra são vistos como um deleite para as crianças. Adultos não comem muito. A importância do “lemon sherbet” é nos contar algo sobre o personagem de Dumbledore e que este velho e sábio bruxo com uma longa barba carrega no seu bolso um deleite infantil. O doce infantil equivalente em Israel é o “krembo”. Se eu tivesse traduzido como um doce de chupar com limão, não teria passado a mesma imagem de Dumbledore.

Além da ausência de paralelos da cultura britânica, para Bar-Hillel há também o problema da relativa ignorância dos israelenses em relação ao Cristianismo, referências que tem certo papel na série. Um trecho que foi particularmente desafiador aparece no livro cinco, Harry Potter e a Ordem da Fênix. Sirius Black, padrinho de Harry, passa pela porta de Harry cantando “Marrye Hippogriffs” (em português foi traduzido como: Deus lhes dê a paz, alegres hipogrifos) para seu bicho de estimação, o hipogrifo Bicuço. Sabendo que as crianças israelenses não iriam reconhecer a parodia da melodia de uma canção de Natal (NT: a canção Merry Christmas), Bar-Hillel traduziu-o como um verso em tom de Chanukah: “Mi yimallel Hippogriff she-ochel?” (“Quem vai recontar a história do hipogrifo devorador”?), parte da canção popular do Chanukah que começa com “Mi yimallel gvurot Yisrael?” (“Quem vai recontar os atos heróicos de Israel”?).

“Obviamente eu poderia ter traduzido de forma literal”, conta ela, “e muitas pessoas teriam preferido que eu tivesse feito. Mas eu acho que o fato de Sirius usar uma canção comemorativa existente mudando as palavras, é importante para entender ele e o espírito do livro, e, neste sentido, é mais correto usar a canção do Chanukah, que o leitor reconhece, do que perder o trocadilho do texto original”.

Mas num outro exemplo, Bar-Hillel escolheu não se prender a detalhes judeus. Uma criança escreveu para ela recentemente, diz ela, contando que não gosta do fato de Harry comer bacon e se ela poderia dizer que ele come galinha em vez disso? Bar-Hillel mandou uma resposta para ele explicando gentilmente que Harry não é judeu e vive numa cultura diferente, portanto comer bacon para ele é normal. “É o que ele come de fato”, escreveu ela na resposta e por isso deixou como tal.

Se Bar-Hillel tem tantas considerações para levar em conta quando traduz o inglês para hebraico, imaginem os desafios que ela enfrenta traduzindo aquelas palavras que Rowling inventa, como “Polyjuice Potion” (em português: Poção Polisuco) (“Shikui Polymitzi”, de acordo com Bar-Hillel), “dementors” (em português: dementadores) (“soharsanim”) e “animagus” (em português: animago) (animagus).

E quanto à tradução de nomes de personagens como Remus Lupin (em português: Remo Lupin), o professor querido de Defesa Contra Arte das Trevas, introduzido no terceiro livro, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban? Leitores perspicazes devem ter percebido que “Remus” é referência a um dos fundadores de Roma, que, de acordo com a lenda, foi alimentado por uma loba”. De fato, pobre Remo Lupin revela ser um lobisomem.

“Se eu traduzo literalmente o nome”, conta Bar-Hillel, “os israelenses perdem-se das referências. Mas se eu mantenho as referências eu o chamo de “Ze’ev Ze’evi” (literalmente “Wolf Wolfy”, em português: lobo enlobado), e o segredo fica muito obvio”.

No final ela escolheu fazer a tradução literária do nome.

Não ter acesso à história completa e às soluções dos mistérios, às conexões entre eventos e personagens, que podem afetar os significados das palavras enigmáticas, é um “pesadelo para os tradutores”. Bar-Hillel confirma que muitas perguntas sem resposta causaram vários erros nas suas traduções.

O primeiro livro, por exemplo, menciona que uma criança com o nome de Blaise Zabini (em português traduzido como: Blás Zabini) foi escolhido para a Casa Sonserina, uma das unidades acadêmicas e residenciais em Hogwarts, mas não diz se é um garoto ou uma garota. Em hebraico, foi impossível traduzir o texto sem escolher um gênero para Blaise, então Bar-Hillel fez um chute e traduziu Blaise como uma garota no primeiro livro. Contudo, no sexto livro, Blaise reaparece e é revelado que o personagem na verdade é um garoto.

“Eu achou que eles consertaram isso nas edições posteriores”, conta Bar-Hillel, “mas não saber o final me causou muita angustia. Eu nunca sabia quando algo era relevante. O menor acontecimento poderia se tornar algo significante posteriormente e não tinha como eu saber quando isso era o caso”.

Com o lançamento da parte final da série neste verão, a curiosidade de Bar-Hillel sobre os muitos mistérios do livro foi finalmente preenchida. Ela ficou na fila na noite de lançamento do sétimo livro para comprar o seu exemplar… e começou a traduzi-lo no próximo dia.