Artigos

A morte em Harry Potter

Nosso colunista, Victor Martz, continua nossa área de Colunas abordando a questão da morte e a batalha do bem contra o mal no último livro da saga de Harry Potter.

Se você ainda não leu Harry Potter and the Deathly Hallows e não quer saber de spoilers, não aconselhamos a leitura.

Você pode conferir a coluna completa aqui.

Deixe seu comentário e feedback, é importante para nós e para o autor. Se quiser, sinta-se livre para comentar a coluna em nosso Fórum.

A Morte em Harry Potter

Por Victor Martz

Depois do lançamento de Harry Potter and the Deathly Hallows, já podemos perceber a verdadeira lição que J.K. Rowling queria passar com toda a saga, aquilo que podemos extrair como ensinamento das mais de 3000 páginas de história, que levou aproximadamente 10 anos para se concluir.

A história, como diversas outras ficções infanto-juvenis, retrata a batalha entre o bem e o mal, onde o mal não é apenas personificado por Lord Voldemort, mas sim por todo o desejo e ação que acaba prejudicando o próximo. Isso é bastante legal em Harry Potter, pois um mesmo personagem pode possuir características bem peculiares que não o qualificam como sendo totalmente bom ou mau. Porém, como Dumbledore fala: “São nossas escolhas que mostram quem realmente somos, muito mais do que nossas habilidades”. É frente a acontecimentos decisivos que o personagem revela o seu verdadeiro caráter.

Rowling, mesmo escrevendo essa saga que é, aparentemente, para crianças, não evitou utilizar a morte como elemento dramático. Seus personagens morriam para mostrar esse lado real e palpável da história, mostrando de forma bastante coerente que a morte é inevitável e imprevisível, algo que não se pode entender e que, mesmo assim, devemos continuar a nossa jornada.

Tudo começa com Lord Voldemort, um bruxo brilhante, mas que não consegue entender que a morte é parte essencial da vida. Ele a enxerga como uma punição, algo indecente e impróprio para seres evoluídos como os bruxos, por isso reserva todos os seus esforços para evitá-la e impedi-la. Ao fazer esse ato antinatural, ele próprio se transforma cada vez mais, tornando-se mais um monstro do que um humano, e ainda assim não percebe o dano que está causando, sobretudo, a si mesmo.

Por ser um comportamento que não obedece à ordem original da vida, quase todas as soluções para se preservar a vida por mais tempo acabam carregando carmas que afetarão para sempre quem se utilizar de tais métodos. A Pedra Filosofal era mais um problema do que uma solução para o seu dono. As Horcruxes, além de serem peças feitas de forma completamente egoísta e repulsiva, corriam o sério risco de causarem danos quase irrecuperáveis à alma do bruxo. E por fim, se tornar um fantasma provavelmente deveria ser um tormento eterno.

Mas em contrapartida, temos Harry Potter e Alvo Dumbledore, dois bruxos igualmente extraordinários que se opõem a Voldemort. Nós, por acompanharmos a visão de Potter da história, somos gradativamente levados a compreender a morte e suas conseqüências na mente humana. Um menino que cresce sob a sombra e o medo da morte dos pais e de si próprio vai entendendo, conforme o desenrolar da história, que a morte é algo inevitável. Quando Cedrico morre, rápida e inesperadamente, temos contato com a primeira morte testemunhada da história. Quando Sirius morre, JK quis mostrar que nem sempre temos completo entendimento do destino do mundo. Quando Dumbledore morre, Harry finalmente entende que não deve se prender ao mundo ao seu redor e que a sua missão deve ser feita por ele e mais ninguém. É aí que nos deparamos com o momento mais bonito e complexo da trama: o sacrifício de Harry.
Enquanto os vilões enxergam a morte como punição, para o lado do bem ela representa sacrifício, um pagamento pela paz e felicidade dos outros, um poderoso gesto de altruísmo. Dar sua vida pelo próximo se provou, durante toda a série, ser um ato tão grandioso que os mais incríveis acontecimentos só ocorreram graças a ele.

Amor? Eu ouvi alguém dizer amor? Sim, amor! Pois aí está o modo como o amor vence o mal. Gostar tanto de alguém, que se é capaz de desistir da própria vida para dar uma chance a essa pessoa, é a chave para o entendimento da obra e um feito que o mal nunca vai entender. Por esse motivo era tão necessário que Harry fosse morto pelo próprio Lorde Voldemort.
O sacrifício de diversos personagens causou aquilo que foi a vitória dos “mocinhos”. O amor de Lílian por Harry o salvou da morte. O amor de Dumbledore por Potter e por Hogwarts salvou a ambos da destruição. O amor de Snape por Lílian protegeu Harry e ele próprio de Lord Voldemort. E o amor do herói por seus amigos e companheiros causou a queda do mal e a vitória do bem. Todos se sacrificaram por um BEM que consideravam MAIOR que a própria vida.

Em Harry Potter também aprendemos que o amor é algo que não se impõem, ele simplesmente é conquistado. Dumbledore percebeu, anos depois de sua associação com Grindewald, que o sacrifício pelo BEM MAIOR era algo irreal, utópico. Ele deve ser voluntário, livre, para surtir o real efeito de mudança. Era preciso que Harry soubesse da verdade e caminhasse com os próprios pés rumo ao seu destino.

A fábula dos “Três Irmãos” nada mais é do que o encantamento de todas essas idéias. A morte não pode ser vencida e nenhum dos irmãos está vivo para provar o contrário, não é? O Mestre da Morte nunca foi aquele capaz de resistir à morte, mas sim quem…

“(…) não procura fugir da Morte. Ele aceita que têm que morrer, e entende que existem coisas bem, bem piores em viver do que em morrer.”
Dumbledore, Cap 35, DH

Aqueles que lutam freneticamente contra o inevitável, é para eles que há punição. Mesmo Harry lhe dando a chance de sentir remorso e se curar, Voldemort o ignorou e agora é obrigado a “viver” naquela forma atrofiada chorosa que vimos durante a conversa de Harry e Dumbledore.
Agora, se ele finalmente se remoeu ou é só frustração, acho que dificilmente saberemos.

Victor Martz é formado em Design Gráfico.