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Dumbledore: uma quase-mobília de Hogwarts

Alvo Dumbledore é um dos personagens mais complexos de ‘Harry Potter’, principalmente pela sua relação com as pessoas, sejam Harry, Snape, Hagrid, Voldemort ou até mesmo sua família. Porém, nunca se pode esquecer a dedicação do diretor com Hogwarts.

Igor Ferreira analisa o comando de Dumbledore à frente da escola. Entendendo os limites da ousadia e da disciplina, a segurança e a palavra certa. Leia a coluna e deixe seu comentário!

por Igor Ferreira

A grande maioria dos fãs que veneram a figura controversa de Alvo Dumbledore, muitas vezes pega-se discutindo assuntos como a genialidade do grande mestre, os seus diversos problemas familiares, a relação tumultuada com Gerardo Grindelwald, seus gostos excêntricos e sua suposta homossexualidade. No entanto, pelo que percebo, muitos deixam de observar (ou se observam, deixam de discutir) um assunto fundamental e que me salta os olhos em todo decorrer da saga: a estreita relação entre Hogwarts e o professor Dumbledore.

Bruxos mais, digamos, desinteressados, contam a passagem por Hogwarts como mais um mero período da vida. Já que todos tem que ir pra escola, fazer o que, né… Outros, entretanto, acabam se apegando de tal forma aos encantos sutis do castelo que dedicam quase que suas vidas inteiras, abdicando de gozos pessoais, para servir a nobre arte de ensinar. Ninguém, entretanto, como o próprio Hagrid diz, fez tanto por Hogwarts como Alvo Dumbledore.

Após uma série de eventos desastrosos, culminando com a morte de Ariana e o afastamento de Aberforth, o passado de Dumbledore é incerto. As páginas de Rowling nada nos dizem sobre o período de trinta e nove anos que se passa entre os trágicos acidentes de Godric’s Hollow e o retorno de Alvo a Hogwarts, já como um saudoso professor de transfiguração. Podemos e devemos imaginar o que Dumbledore fez nesse meio-tempo, mas isso não vem ao caso agora. O que vale analisar é que, uma vez de volta à escola, Dumbledore se dedicou como nunca a preparar uma geração inteira de novos bruxos e, para isso, empreendeu uma política de que não há referências passadas. Alvo buscou resgatar jovens bruxos que, de uma forma ou outra, haviam sido distanciados do mundo em que deveriam viver, sendo o exemplo mais notório disso (e talvez o maior erro de um Dumbledore que confia sempre no melhor das pessoas) a empreitada que levou Tom Riddle até Hogwarts.

Humilde e determinado, Dumbledore se dedicou de corpo e alma ao papel de professor, produzindo resultados notáveis. Para se ter uma ideia, ele foi responsável por conduzir a educação de sua brilhante sucessora, Minerva McGonagall, que só deixou o cargo de professora de transfiguração para se tornar diretora de Hogwarts. No mais, passaram pelas mãos de Dumbledore, Lorde Voldemort, Severo Snape, Lílian Evans, Remo Lupin, entre outros que se tornaram bruxos memoráveis.

Dumbledore seguiu firme nos seus princípios, o que lhe valeu, após a morte do então diretor Armando Dippet, o confortável gabinete com entrada no sétimo andar. Foi o cargo que ocupou até sua morte, sempre prezando pelo bem de Hogwarts e de seus estudantes. E que fique a ressalva de como os estudantes de Hogwarts eram importantes para Dumbledore. Em Harry Potter e o Enigma do Príncipe, por exemplo, fica claro como a mera insinuação feita por Harry sobre a falta de segurança para com a segurança dos estudantes nas ausências de Dumbledore causam aborrecimento no diretor. Novamente em A Ordem da Fênix, quando Dolores Umbridge se descontrola e quase agride Marieta Edgecombe, Dumbledore se interpõe de forma sagaz, de varinha em punho e, firme, se dirige à professora: “Não posso permitir que você brutalize os meus estudantes, Dolores – disse Dumbledore e, pela primeira vez, pareceu aborrecido.”

Parece até que me perdi da linha inicial que resolvi traçar sobre como Dumbledore acaba se confundindo com a mobília da escola, mas, aproveitando o gancho do parágrafo anterior e ainda falando de Dolores Umbridge, lembro-me agora de uma passagem fundamental para ilustrar a sintonia entre Dumbledore e Hogwarts. Quando Alvo Dumbledore deixa a diretoria devido ao enorme complô que se estabelecia ao seu redor e Umbridge é nomeada para sucedê-lo no cargo, a sala do diretor, creio que representado a fidelidade de Hogwarts, se fecha a sua suposta nova ocupante e assim fica até a volta de seu digno merecedor. É como se Hogwarts reconhecesse que lhe faltava uma parte e que este pedaço estava prestes a voltar, a qualquer momento.

O todo reconhecendo a parte, mas uma parte que jura não reconhecer o todo por completo. Dumbledore demonstra traços da humildade verdadeira e de sua inexistente arrogância ao assumir não conhecer todos os segredos de sua escola. Em Harry Potter e o Cálice de Fogo ele faz uma declaração engraçadíssima ao professor Karkaroff sobre uma sala cheia de penicos que talvez só aparecesse às cinco e meia da manhã, com a lua em quartil ou quando quem procura está com a bexiga excepcionalmente cheia. Sinceramente não creio que Dumbledore desconhecesse a existência da Sala Precisa ou que ele estivesse, aos 115 anos, muito longe de entender Hogwarts por completo, afinal, como o próprio Voldemort diz ainda bem jovem e Harry Potter reforça aos onze anos, Dumbledore foi permanentemente onisciente de tudo que acontecia por ali.

“Ele é um homem engraçado, o Dumbledore. Acho que meio que queria me dar uma chance. Acho que sabe mais ou menos tudo o que acontece por aqui, sabe?”

Mesmo depois da morte, Alvo Dumbledore permaneceu como parte interina de Hogwarts, repousando eternamente nos jardins serenos da propriedade. O professor, com seus oclinhos de meia-lua apoiados desengonçadamente sobre o nariz torto, marcou a história da escola e, sem dúvidas, é impossível não lembrar Hogwarts sem pensar na figura esguia de cabelos e barbas prateados postada no Grande Salão para receber, ano pós ano, de braços abertos, os jovens que ele tanto estimava. Por isso, mais uma vez, reforço minha ideia inicial de um Dumbledore que foi, é e sempre será algo tão permanente naquela escola quanto as pedras que sustentam o castelo.

Igor Ferreira adora picolé de limão.