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Crítica técnica de Arthur Melo sobre Harry Potter 7.2!

Há algumas semanas nós publicamos duas críticas do filme Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 escritas pelo André Luiz, nosso redator que pôde comparecer à cabine de imprensa de São Paulo. Os textos – um com e, outro, sem spoiler – traziam sua opinião como fã.

Hoje enfim trazemos a crítica escrita pelo nosso crítico de cinema Arthur Melo, proveniente da cabine na cidade do Rio de Janeiro. Arthur, embora também fã, constrói um texto que analisa o lado mais técnico da película.

Mas nada surpreende se posto lado a lado a Alan Rickman, cuja entrega a Severo Snape transcende qualquer um de seus êxitos na série. Rickman consegue, em poucas expressões, relacionar o espectador (e principalmente aquele que leu os livros) a toda a complexidade do personagem, resgatando todas as emoções já despertadas por Snape durante a série e fundindo-as em um único momento.

Confira a crítica na íntegra em notícia completa!

HARRY POTTER E AS RELÍQUIAS DA MORTE: PARTE 2
Crítica do longametragem

Arthur Melo ~ Potterish.com
20 de julho de 2011

Honestamente, seria mais fácil iniciar este texto com o tijolinho de informações sobre a duração da série nos cinemas e seus tantos bilhões de dólares gerados. Mas isso é coisa sabida e repetida a exaustão até por quem não aprecia Harry Potter. Críticas, como bem devem ser, são textos impessoais que buscam através de toda a imparcialidade possível (porque total seria acreditar no inexistente) e boa argumentação apontar as principais características de uma obra. Eu seria desonesto comigo e com a coerência do que será aqui exposto se, desta vez, eu não me bandeasse um pouquinho para o conforto da parcialidade. Mas, claro, sem deixar o bom senso desligado.

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II é, indubitavelmente, o longa mais equilibrado da franquia. E é uma conclusão fácil de se chegar ao olharmos para trás. Os dois primeiros filmes, fidelíssimos ao proposto por J.K Rowling em seus livros, tinham bem pouco do sopro de criatividade que veríamos chegar a partir de O Prisioneiro de Azkaban, de Alfonso Cuarón. Contudo, quando um acerto estrutural ou uma ótima melhora eram impressos no universo dos filmes, perdia-se em diversos outros pontos. A qualidade do roteiro, geralmente, era um deles. Quando ele chegava próximo do acerto total, pendia para o total oposto ao que os livros narravam (Enigma do Príncipe) ou sofria com a necessidade de um corte anticlimático (Relíquias da Morte – Parte II). Mas, mesmo assim, a série prosseguiu com vigor e satisfatória qualidade em sua ascensão. Apenas no último dos oito degraus a franquia tocou (“tocou”, não “agarrou”) a perfeição.

Com um roteiro bem amarrado e isento de qualquer furo relevante, Relíquias da Morte – Parte II entrega o melhor retrato dos personagens diante das iminentes situações desagradáveis que os esperam. E isso pode ser conferido tanto no timing que o filme permite aos atores quanto, simplesmente, nos melhores diálogos que o roteirista Steve Kloves jamais teve a sagacidade de inserir nos capítulos anteriores. Pela primeira vez após muito tempo, Harry é não só o agente, mas também seu próprio mentor. A percepção disto se torna mais clara com o desenrolar da trama que, em caráter de periculosidade progressiva, oferece o jovem à situações que, a cada sucesso, aumentam a responsabilidade de Harry para com a sobrevivência de seu mundo.

Neste contexto, seria óbvio pensar que poderia haver deslizes da parte de Daniel Radcliffe ao transmitir a determinação de Harry em findar seus longos anos de horror. O que, mérito do ator, não ocorre. Não só Radcliffe, mas Rupert Grint e Emma Watson estão imersos na grandiosidade de seus personagens e devolvem isso nas suas atuações tão distantes do “overacting” de outrora. Helena Bonham Carter, inclusive, protagoniza um dos melhores momentos da personagem originalmente vivida por Emma e impressiona em sua versão de Hermione Granger, bem distante dos tropeços que vem dando como Belatriz desde a Parte I. Mas nada surpreende se posto lado a lado a Alan Rickman, cuja entrega a Severo Snape transcende qualquer um de seus êxitos na série. Rickman consegue, em poucas expressões, relacionar o espectador (e principalmente aquele que leu os livros) a toda a complexidade do personagem, resgatando todas as emoções já despertadas por Snape durante a série e fundindo-as em um único momento.

Nenhum comprometimento do elenco, obviamente, surtiria efeito sem um devido acompanhamento da direção. E David Yates aqui evolui novamente. A cena de abertura (entre o brasão da Warner Bros e o logotipo) já anuncia aquilo que Yates utilizará durante toda a projeção: minúcia. A sua opção de planos, espaços de tempo e decisões dentro de questões triviais são um primor ao se misturarem com o bom trabalho da direção de fotografia do português Eduardo Serra, e também com a computação gráfica, responsável por dar características comportamentais únicas a um dragão que precisa justificar ao público, no momento em que ao preencher os pulmões com ar fresco pela primeira vez em muito tempo, o quão claustrofobicamente vivia. Até a velocidade de câmera e sua movimentação em cena espantam não pelo uso, mas por aquilo que é visto sob a – desta vez – incorrigível trilha sonora de Alexandre Desplat (que acerta brilhantemente – tão bom quanto e talvez melhor do que John Williams em Prisioneiro de Azkaban).

Quanto à técnica, não há pontos a serem corrigidos. A Direção de Arte consegue se superar no estonteante subterrâneo de Gringotes, nas dimensões embasbacantes da destruição de Hogwarts e na beleza sutil e atraente do Chalé das Conchas. E, claro, o altíssimo nível dos efeitos visuais que transbordam o seu merecimento (finalmente) de não menos que um Oscar não só pela qualidade, mas pelo seu inteligente uso. Inesperadamente, o 3D feito por conversão na pós-produção se saiu muito bem – melhor inclusive do que aquele presente em recentes filmes gravados originalmente no formato, o que é assustador (vide os momentos finais do derradeiro embate e a fabulosa escapada de Gringotes).

Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II revela que a necessidade pode caminhar ao lado da vontade. Justifica de pronto a divisão de seu desfecho em duas partes ao se permitir, com isso, inserir mais conteúdo relevante. Se o propósito era realizar uma produção cara e voltada ao grande público que não desprezasse sua inteligência, então todo e qualquer produto da indústria será bem-vindo. Não importa, realmente, se o objetivo inicial foi ou deixou de ser arrecadar mais milhões. Se o investimento se justifica (também) artisticamente na tela ao entregar muito mais do que explosões e embates computadorizados, distante do entretenimento acéfalo da atual máquina de dinheiro hollywoodiana, então o ingresso está pago.

Contudo, o oitavo Harry Potter é, muito além disso, uma recompensa aos fãs que, por anos, se entregaram à série de tudo o que já foi oferecido ao maior personagem do cinema da última década. Em seu desfecho, a franquia mostra que tem total conhecimento de sua aceitação e de sua importância cultural e emocional. Harry Potter e as Relíquias da Morte – Parte II descreve em suas sequências mais nostálgicas e nas referências menos óbvias aos primeiros filmes que os seus realizadores de fato entenderam a história e a necessidade dos fãs de vê-la nas telas. Como, também, entenderam que é preciso, acima de tudo, criar blockbusters competentes o suficiente para sustentar nos fãs o orgulho de se caminhar em bairros trouxas com o brasão de Hogwarts pendurado ao peito.

Thanks, Harry.