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Unicamp oferece curso sobre Harry Potter para pessoas de meia e terceira idade

A Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) está com inscrições abertas para a oficina “Harry Potter: História, Cultura e Relações de Gênero no Mundo Mágico de J. K. Rowling”, através do Programa UniversIDADE. O projeto, voltado para a meia e terceira idade, reúne pesquisadores da Universidade das mais diversas áreas, que ministram cursos, oficinas e palestras à comunidade da cidade de Campinas e região.

O curso, que tem carga horária de 51 horas, tem como objetivo a leitura e o estudo crítico dos sete livros que compõem a série, além da discussão de temas que possam emergir a partir da leitura dos livros, como fatos históricos, referências a diversas mitologias, questões culturais e de gênero. Serão também discutidas as adaptações cinematográficas dos livros, de forma a abordar a série nos campos da História, da Literatura e do Cinema, em exercícios semanais.

Unicamp oferece curso sobre Harry Potter para pessoas de meia e terceira idade

As inscrições vão até o dia 28/07/2017, e o curso tem previsão de início em 15/08/2017. Mais informações sobre o curso, assim como o formulário de inscrição, podem ser encontrados no site do Programa UniversIDADE.

O Potterish conversou com o idealizador e instrutor da oficina, Victor Henrique da Silva Menezes, sobre seu interesse por Harry Potter e suas motivações para o curso. Para ler a entrevista, acesse a extensão desse post.

Victor é mestrando em História Cultural pela Unicamp, e bacharel e licenciado em História pela mesma instituição. Vem atuando no projeto UniversIDADE desde o segundo semestre de 2016, ministrando oficinas sobre História e Cinema, temas relacionados à sua pesquisa de mestrado. A ideia da oficina sobre Harry Potter surgiu através das solicitações de seus alunos, devido aos diversos comentários sobre a série que ele fazia em sala.

Potterish: Como e quando você conheceu Harry Potter?

Victor: Eu conheci a série por meio do filme Harry Potter e a Pedra Filosofal no ano de 2002. Eu cursava a 4ª série (atual 5º ano) do Ensino Fundamental quando o assisti, em VHS, na escola. Naquela época eu morava na cidade de Dracena (interior de São Paulo), e não em Campinas, onde moro atualmente. O objetivo da professora, ao passá-lo, era nos apresentar um filme “que estava fazendo um grande sucesso entre as crianças” (lembro como se fosse hoje as palavras dela). Como é de praxe quando se tem esse tipo de atividade na escola, poucos alunos prestaram atenção no filme. Lembro que fui um dos poucos que ficou vidrado na história, do começo ao fim. Foi uma espécie de amor à primeira vista. Desde aquele momento, e em particular a partir de 2003, quando eu comecei a ler os livros, Harry Potter tornou-se uma de minhas histórias literárias prediletas. Lembro que naquela época eu não tinha condições de comprar os livros, então eu os emprestava da Biblioteca Municipal de Dracena. Entre 2003 e 2007, por certo, eu estive entre aqueles que mais emprestaram os livros naquela biblioteca. Só a Ordem da Fênix, o meu predileto, eu devo ter lido umas 15 vezes no mínimo, ao longo desse período.

Potterish: O que o levou a fazer essa ligação entre História e Harry Potter?

Victor: Ao ler e reler os livros, a partir de 2003, eu comecei a perceber, aos poucos, algumas influências de momentos históricos do século XX, como a Primeira e Segunda Guerra Mundiais e as ideologias nazifascistas, na construção do enredo e em particular de personagens como Voldermort e os Comensais da Morte. Lembro que durante o Ensino Médio, em diversos momentos durante conversas com colegas, eu fazia comparações entre a parcialidade de nossa mídia e como a J. K. tinha elaborado a parcialidade das mídias bruxas, como o Profeta Diário, nos livros Cálice de Fogo e Ordem da Fênix. Enfim, naquela época eu já percebia a presença na série de algumas referências, e mesmo metáforas, de acontecimentos históricos e práticas socioculturais presentes nas sociedades contemporâneas. Tudo ficava, no entanto, no âmbito da especulação. A partir do momento em que ingressei na graduação em História na Unicamp, em 2010, por meio de leituras teóricas e das disciplinas cursadas, eu pude fazer análises mais profundas dos livros. Algo que tem marcado em muito a minha formação é a ideia de que todas as produções culturais – como livros, filmes, séries, telenovelas, peças teatrais, músicas, e mesmo a História – ao serem elaboradas, são influenciadas pelo seu momento de produção. Com isso, é possível compreendermos e analisarmos alguns dos aspectos da sociedade em que a J.K vive por meio de seus escritos. Harry Potter, então, para além de constituir uma expressão literária, pode ser lido e entendido também como um documento (isto é, objeto de estudo do historiador) de nosso tempo. E é devido a isso, que passei a fazer a ligação entre História e Harry Potter, visto que podemos entender e discutir alguns dos ideais presentes nas sociedades ocidentais contemporâneas, bem como acontecimentos históricos, por meio do enredo criado por Rowling. Vejam bem, Harry Potter não é um livro de História, mas é possível discutir temas ligados à essa disciplina por meio dele. Um breve exemplo: por meio do F.A.L.E, criado pela Hermione no Cálice de Fogo, podemos discutir, entre outras coisas, os movimentos abolicionistas brasileiros do século XIX em favor da libertação dos escravos. É possível também, discutirmos as atuais lutas LGBTQ e feministas em prol da igualdade de gênero, uma vez que as pessoas pertencentes a estes grupos ainda hoje, em muitos lugares, são vistas como seres inferiores de forma um tanto quanto semelhante a que alguns bruxos veem/entendem os Elfos-domésticos na série. Mediante isso, para além da minha paixão por estes dois temas – História e Harry Potter -, a ligação que faço entre ambos é influenciada em grande medida pelo interesse que tenho em analisar as questões culturais, de classe e étnico-raciais contemporâneas que permeiam as personagens e o enredo da série.

Potterish: Como o público da terceira idade que frequenta suas aulas reage aos comentários sobre a série? Eles já a conhecem?

Victor: Eu comecei a atuar no Programa UniversIDADE da Unicamp, voltado para pessoas que tenham a idade mínima de 50 anos, em 2016. Tanto no segundo semestre de 2016 quanto no primeiro semestre deste ano, eu ministrei cursos e oficinas sobre filmes e séries estadunidenses ambientados na Roma Antiga, tema ligado à pesquisa de mestrado que atualmente desenvolvo na área de História Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Unicamp. Ao longo destas aulas, em mais de um momento, eu fiz comentários sobre a série Harry Potter e o quanto ela, assim como os filmes que estávamos estudando, é influenciada por questões históricas, sociais e culturais da sociedade e mundo na qual foi elaborada. Para minha surpresa, ao fazer esses comentários, descobri que entre os cerca de cinquenta alunos que frequentavam as minhas aulas, havia um número razoável de pessoas que já tinham lido os livros e que também se diziam fãs da série. Mesmo entre aqueles que nunca leram os livros, havia os que conheciam minimamente a história devido aos filmes ou por meio de seus filhos e netos que são fãs de Harry Potter. Ao término do curso que ministrei no semestre passado (“A Antiguidade Romana nos filmes e seriados estadunidenses”) eu perguntei aos alunos se eles gostariam que eu ministrasse outra atividade entre agosto e dezembro deste ano e em caso positivo, sobre qual tema teriam interesse. Foi então que alguns dos alunos sugeriram que eu falasse sobre Harry Potter, visto que os breves comentários que eu havia feito em aula sobre a série os tinha deixado interessados em relê-la, ou conhecê-la, por meio de um olhar do historiador. Devido tal sugestão, foi feita uma votação em aula e a oficina “Harry Potter: história, cultura e relações de gênero no Mundo Mágico de J. K. Rowling” foi a escolhida dentre quatro propostas/temas de atividades apresentadas por mim a eles. A escolha por essa temática demonstra para mim que não há uma idade mínima ou máxima para se gostar ou se interessar por Harry Potter; e que também, nunca é tarde para se conhecer Harry Potter! A oficina terá início apenas em 15 de agosto, mas desde o mês passado tenho recebido inúmeros e-mails por parte dos alunos que pretendem fazê-la: aqueles que ainda não tinham lido os livros, tem me escrito para dizer que iniciaram a leitura e que os têm achado muito interessantes; já os conhecedores dos livros, estão relendo-os e me escrevem para tirar dúvidas e comentarem as suas percepções a partir do que eu comentara brevemente em aula (Espero que ao longo da oficina este interesse permaneça!) Penso que as aulas serão uma oportunidade para lermos/relermos a série sob novos olhares, ampliarmos os nossos conhecimentos sobre ela e o mundo contemporâneo e também nos divertirmos e nos emocionarmos, juntos, com as aventuras de Harry, Hermione e Rony.