Seção Granger

Seção Granger: “Como eu era antes de você”, de Jojo Moyes

Não é sempre que lemos um livro e nos apaixonamos por ele, não é mesmo? Na Seção Granger de hoje, Renato Augusto Ritto, tradutor do Potterish e estudante de Editoração pela USP, escreve o porquê não gostou nem um pouco do sucesso “Como eu era antes de você”, escrito por Jojo Moyes e publicado no Brasil pela Editora Intrínseca.

“A premissa parecia ótima, a escrita é bastante aceitável, mas infelizmente a história é mal construída e o desfecho é lamentável. Vê-se egoísmo, doenças sérias (mentais, principalmente) e uma romantização absurda de assuntos seríssimos. Um conjunto péssimo de más escolhas.”

Esse livro inspirou um filme homônimo da Warner Bros. Pictures com a participação de Matthew Lewis, intérprete de Nevile Longbottom. O longa-metragem chega aos cinemas em 16 de junho deste ano. Será que a equipe do Magia do Cinema gostará dele?!

Para ler a resenha crítica na íntegra, acesse a extensão do post.

”Como eu era antes de você”, de Jojo Moyes
Resenha crítica por Renato Augusto Ritto

Acredito muito em “advertências” de conteúdo (trigger warnings), e “Como eu era antes de você” precisa urgentemente de uma. Assim, já deixo avisado: esse livro fala sobre suicídio. Isso porque acho uma irresponsabilidade gigantesca a editora estar comercializando o novo sucesso editorial como um Young Adult romântico e fofinho quando na verdade ele discute um assunto pesadíssimo de forma inadequada. Jojo Moyes tentou, página a página, chocar o leitor, deixando a discussão principal para um segundo plano horroroso e falhando miseravelmente.

Pra começar os motivos de repúdio ao livro, falemos sobre o enredo. “Como eu era antes de você” narra a história de Will Traynor, um rapaz de 35 que há dois anos sofreu um acidente, sendo atropelado por uma moto, e está tetraplégico, ou seja, perdeu os movimentos dos braços e das pernas. Louisa Clark, uma jovem de 26 anos recém desempregada que precisa urgentemente de um emprego, é contratada para auxiliar Will em suas necessidades. O problema é que Traynor está profundamente infeliz com a sua atual condição e parece não ver alegria em nada de sua vida; Louisa, entretanto, começa a fazê-lo recuperar um pouquinho de alegria.

Muito bonito, não é? Sim. Se essa fosse realmente a premissa.

O maior problema desse livro é ele ser narrado pelo ponto de vista de Louisa. Não é possível acreditar, nem por um segundo, que a ideia de Jojo Moyes era fazer um livro bonito e sentimental discutindo o suicídio. Se ela quisesse falar sobre escolhas e sobre o que uma pessoa a esse ponto pensa, o livro seria narrado por Will Traynor, a pessoa que está cheia de conflitos internos.

O que parece, pela leitura do livro, é que a ideia de Jojo Moyes era fazer um livro que choca mais e mais o leitor apenas para deixá-lo horrorizado. Não existe um motivo plausível para algumas das cenas mais devastadoras serem narradas – a cena principal do final, principalmente –, e isso só reforça a ideia inicial: elas foram feitas pura e simplesmente para chocar os leitores, e não de uma forma a discutir os assuntos propostos, mas simplesmente horrorizá-los. Isso me desmotivou a gostar do livro.

Além disso, penso em todos os leitores anônimos, aqueles que têm problemas sérios de depressão e tendência suicida, e o quanto a autora, primeiramente, e a editora, em segundo plano, não estão levando em conta nada do sofrimento dessas pessoas. O quanto a ideia propagada por esse livro é danosa quando publicada para um público jovem, que naturalmente está passando por problemas de adaptação na sociedade, aceitação própria etc.

De verdade, até agora tento entender qual foi o ponto da autora. O amor é retratado de forma doentia, e eu estou desapontado porque não encontrei nada nem parecido com ele nesse livro. A premissa parecia ótima, a escrita é bastante aceitável, mas infelizmente a história é mal construída e o desfecho é lamentável. Vê-se egoísmo, doenças sérias (mentais, principalmente) e uma romantização absurda de assuntos seríssimos. Um conjunto péssimo de más escolhas.

Não consegui gostar. O livro me deixou profundamente perturbado e achei a cena final totalmente desnecessária. Mesmo que fosse narrado do ponto de vista de Will, o ponto daquela cena não é plausível. Mais apelativa, impossível. Espero que os departamentos de marketing das editoras que editam esse título ao redor do mundo parem de tentar divulgar esse livro como o romancezinho água com açúcar, como tem feito até agora, e parta para uma discussão mais profunda e menos romantizada, mostrando que a vida vale sim a pena, mesmo que você tenha grandes dificuldades e problemas gigantescos.

Renato Augusto Ritto é tradutor do Potterish, estudou Letras e estuda, atualmente, Editoração, ambos os cursos pela Universidade de São Paulo.