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O medo do diferente

Lamentavelmente vê-se, hoje, um recrudescimento terrível dos mais diversos tipos de preconceito. Pessoas são vítimas de gozação e até mesmo de crimes hediondos por serem, de algum modo, diferente dos outros.

Em Harry Potter essa situação não é diferente. Uma breve reflexão nos mostra que o medo do diferente é um dos pontos centrais da trama e é, afinal de contas, o que move Lord Voldemort. Na coluna deste domingo, trago uma reflexão sobre esse “medo”, e sobre como é possível traçar um claro paralelo entre o mundo bruxo e o nosso.

Por Luiz Guilherme Boneto

Várias sociedades, hoje, são xenófobas, racistas e homofóbicas – sim, em pleno século XXI. Mesmo aqui no Brasil, um país conhecido pela tolerância social, assiste-se um claro recrudescimento desse tipo horroroso de preconceito, e o noticiário aponta que em algumas das nações europeias onde a crise econômica foi mais acentuada, as manifestações xenófobas aumentaram muito.

A situação na Inglaterra dos bruxos, à época de Harry Potter, não é muito diferente. De repente, com a ascensão de Voldemort, ser nascido trouxa tornou-se ilegal – mais ou menos como nas nações africanas que estão transformando a homossexualidade – sobre a qual não há escolha – em crime. Há quem defenda que ser gay é uma escolha – como se um ser humano em sã consciência, vivendo numa sociedade terrivelmente machista e preconceituosa, fosse escolher algo parecido. E como se, ainda que fosse escolha, houvesse algum problema nisso. De igual modo, bruxos nascidos trouxas jamais escolheram a própria condição, e nem por isso eram menos bruxos que os outros.

As passagens dos livros e as cenas dos filmes nas quais os nascidos trouxas são interrogados no Ministério da Magia demonstram bem quão baixo pode chegar o ser humano – seja ele bruxo ou trouxa. Os funcionários do Ministério sabiam perfeitamente que estavam lidando com uma mentira, que aquelas pessoas não haviam roubado suas próprias varinhas e, portanto, não caberia a elas qualquer tipo de condenação. Eram subordinadas, porém, a alguém que se alçou ao poder, um “ser humano” – se é que Voldemort pode ser assim chamado – tresloucado e frustrado com a própria condição, e que desconta nos outros o ódio que sente de si mesmo. Isso lembra a vocês alguém?

A meu ver, isso nada mais é do que o medo do diferente. Voldemort era mestiço, filho de um homem trouxa, a quem ele covardemente assassinou, e de uma mulher bruxa. Seu pai não era, sob vários aspectos, um homem digno do amor do filho – e talvez venha daí todo o ódio que o Lorde das Trevas sentia. Toda aquela frustração, a mágoa e o abandono decerto contribuíram para que Voldemort sentisse medo não do diferente, mas de seus iguais, a quem ele tornou diferentes com suas próprias convicções tortas. Lamentavelmente há, por aqui, pessoas que fazem igual e projetam nos outros seu próprio ressentimento. Não é mais fácil culpar um estrangeiro pelo seu próprio desemprego? Cabe aqui o exemplo. E cabe a pergunta: uma pessoa segura de si, conhecedora da própria competência, capaz de amar e ser amada, ainda que tenha passado pelas mais terríveis tribulações, será preconceituosa? Proponho a você, que me dá a honra de ler esta coluna, que faça uma breve reflexão sobre as pessoas que conhece e responda ao meu questionamento.

O medo do diferente já causou inúmeras tragédias na humanidade. Hoje, há comprovações científicas de que todos nós somos iguais, porém a mesma sociedade que manda pessoas à Lua tem entre seus cidadãos homens que veem suas próprias esposas como propriedade atestada pelo casamento, para dar um exemplo muito prático. De igual modo, a mesma sociedade que pode fazer magia, que consegue mudar acontecimentos voltando no tempo, é capaz de produzir um bruxo de pensamentos tão hediondos que poderia de destruir toda uma civilização se não fosse barrado antes disso. Mais uma vez pergunto: lembra alguém?

É preciso que nós, pessoas comuns e fãs incondicionais da mais aclamada série de todos os tempos, estejamos atentos ao preconceito. O hábito da leitura transforma: faz dos cidadãos pessoas conhecedoras de seu próprio papel. Será que há alguma atitude em nós que pode ser modificada? Algum preconceito que precise ser extirpado? Lembremo-nos: o medo do diferente é absurdo à medida que percebemos, como num passe de mágica, que todos nós somos absolutamente iguais.

Como diria a Profª Trelawney: ser fã de Harry Potter requer a mente aberta.