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O fruto da diversidade

A Batalha de Hogwarts deixou uma série de vítimas, entre elas um bebê herdeiro de um lobisomem: Teddy Lupin. Brunna Cassales mostra como o garoto é mais um exemplo dos filhos da miscigenação no mundo bruxo e do sacrifício que seus pais fizeram por um mundo mais justo e com menos preconceitos. Leia a coluna desta semana e deixe seu comentário!

por Brunna Cassales

– Eu explodi em lágrimas. Foi a primeira vez que fiz isso. Eu tinha que mostrar que Lupin era bom. Detestei ter que matar Lupin e Tonks. Detestei. Detestei. Mas estava escrevendo sobre guerra. Isso é o que a guerra faz. Deixa pouco, apenas bebês recém-nascidos que não sabem… – ela se cala, perdida em pensamentos – Então aconteceu com Harry e depois aconteceu de novo. Eles deixaram que acontecesse de novo; não quiseram acreditar em Harry. De modo que eu tive que mostrar aquele mal de novo. (J.K. Rowling em entrevista a Melissa Anelli ~ Harry e seus fãs)

Um menino órfão cuja morte dos pais foi consequência da luta contra as forças de Voldemort, afilhado de um grande bruxo que já sofreu um bocado de injustiças. Não, não estou falando de Harry. Me refiro a Teddy Lupin, o menino que nasceu durante uma guerra para mostrar ao mundo a possibilidade de regeneração depois do caos.

Teddy era apenas um bebê quando o poder exercido por Voldemort e seus seguidores ruiu definitivamente com o final da 2ª Guerra Bruxa. Ele estava começando sua vida enquanto todos ao seu redor estavam recomeçando. Um recém-nascido com um futuro resplandescente para ser vivido livremente a sua frente, cujo preço incluiu a perda de seus pais durante a guerra. Embora Remo Lupin e Ninfadora Tonks tenham que ter pago com suas vidas, não poderiam deixar um legado maior para seu filho: a certeza de um futuro sem ameaças declaradas, sem sombras, sem partidários das trevas espreitando o melhor momento para entrar em ação. E, ao mesmo tempo, não poderiam deixar um legado maior para o mundo: seu filho, o bem sucedido fruto de um lobisomem e de uma metamorfomaga que, no fim, não se deixaram abater pelas diferenças que a vida lhes impôs, superando assim todos os percalços para se unirem.

É muito singelo o momento em que Teddy surge na história. Para Lupin, é a realização sustentada pelo alívio de não ter transmitido sua maldição ao filho, o pilar que concretiza a família que não imaginava poder construir como qualquer homem normal; para Harry, é a oportunidade de lutar para proporcionar ao afilhado aquilo que seu padrinho foi privado de lhe proporcionar; para Gui e Fleur, é uma notícia maravilhosa em tempos difíceis, um incentivo a também trazer uma criança ao mundo – até para Rony e Hermione é um projeção futura disso; para todos, é um novo horizonte, um raio de esperança renovada durante a devastação da guerra.

Um belo contexto decorrente do nascimento do filho de um personagem que antes temia transmitir sua terrível maldição a ele e lamentava profundamente ter deixado que existisse a possibilidade de sua mulher, Tonks, se transformar numa pária ao se casar com ela.

J.K. Rowling criou Lupin como um lobisomem fazendo uma metáfora para a reação das pessoas diante de doenças e deficiências. Como se não bastasse toda dor e sofrimento internos propiciados pela transformação em uma criatura da noite sem controle, Lupin ainda é alvo de discriminação perante a sociedade bruxa devido ao mal que o acomete – assim como muitos portadores de doenças e deficiências são discriminados em nossa própria sociedade – e os fatos o forçam a deixar de lecionar, algo que fica claro desde a sua inserção na trama que nasceu para fazer. Carregar a maldição lupina desde os oito anos não é nada fácil e desde as tristes marcas em seu rosto até as roupas puídas e remendadas podemos ver o quanto aquela vida é miserável. Não há dúvida de que é o tipo de coisa que nunca iria querer para o filho.

Mas coisas boas aconteceram ao homem cujo maior medo é a lua cheia! Além dos Marotos, os amigos que se tornaram animagos só para ajudá-lo, Tonks apareceu de peito aberto, sem se importar com a maldição que carregava e muito menos com a diferença de idade. E, apesar de sua insistente relutância em aceitá-la por se achar pobre e perigoso demais para ela, nunca desistiu dele.

Através de uma análise atenta, a desastrada – e descolada – auror fã de “As Esquisitonas” mostra ser o par ideal para Lupin. E isso vai muito além do fato de não ligar para as diferenças. Primeiramente, Tonks possui sua própria peculiaridade. Não uma maldição, mas um talento do qual está acostumada a usufruir, seja ao deixar os cabelos nos tons rosa chiclete ou violeta – sua marca registrada –, seja ao brincar de transformar o nariz. Ela sabe que é incomum, que difere de todos ao redor, só que em vez de constranger-se ou amargurar-se com isso, orgulha-se disso. Em segundo lugar, Tonks é filha de uma bruxa, Andrômeda Black, que renegou a própria família sangue puro para se casar com um nascido-trouxa, Ted Tonks. Em terceiro, Tonks é a alegria despretenciosa, a liberdade de estereótipos e o “alto astral” em pessoa. Portanto, não poderia haver melhor par para completar alguém que passou a vida inteira sofrendo e sendo discriminado pelo que o faz sofrer do que o radiante – até na cor do cabelo! – fruto do rompimento de precoceitos.

É interessante notar que o pequeno Teddy não herdou a maldição do pai, herdou o talento da mãe. A metamorfomagia em Teddy é uma forma singular de Jo mostrar aos leitores que a magia às vezes expressa sua melhor face. É claro que o menino deve ter herdado muitas outras características do pai também – as características boas, como bondade, caráter, intelecto e até os traços joviais que Lupin deixava transparecer sob a máscara de infelicidade quando sorria. Características que fizeram Hermione exclamar como seria impossível uma criança odiar aquele que havia sido seu mais gentil professor. Portanto, o fruto resultante da união de um lobisomem com uma metamorfomaga reflete simplesmente o melhor dos dois.

Lupin diz a Harry em espírito, enquanto o acompanha caminhar para a morte na floresta, que seu filho saberá pelo que os pais morreram lutando: um mundo melhor. Os pais de Teddy não tiveram anos para cumprir seu papel de ensiná-lo e protegê-lo, ams deixaram isso implícito no ato de lutar até o fim para que ele tivesse um futuro melhor.

Felizmente, Teddy cresce cercado pelo carinho da avó, do padrinho e dos amigos de seus pais membros da Ordem da Fênix.
Mesmo grande o suficiente para já ter saído de Hogwarts, ele aparece para jantar na casa dos Potter pelo menos quatro vezes por semana, como diz Harry no Epílogo. E antes que o livro acabe, ficamos sabendo que ele já tem até uma namorada, pois estava se agarrando com Victoire Weasley na Plataforma 9 ¾, como seu quase-primo Tiago Sirius faz qustão de frisar. Tal como seus pais foram um para o outro, não poderia haver melhor par para Teddy Lupin do que a primeira filha de Gui e Fleur – um quase-lobisomem e uma descendente de veela –, nascida em 2 de Maio, data de aniversário do fim da 2ª Guerra Bruxa. Victoire é, como seu próprio nome diz, outro símbolo de esperança e recomeço. Mas vamos deixar para explorá-la mais a fundo em outra coluna… não há mais espaço nesta. Afinal, “frutos da diversidade”, na obra de Jo, são o que não faltam.

Brunna Cassales comanda um orfanato de bruxos.