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Bullying em Hogwarts

Se o assunto é escola hoje em dia, sempre surge a questão do bullying. Crianças que são perseguidas por colegas por não serem populares e bonitas (ou por pura implicação mesmo) sofrem sério dano em sua autoestima e acabam com dificuldade para construir amizades. Todo mundo já testemunhou bullying e sabe reconhecê-lo.

Como mostra Igor Ferreira, o bullying sempre esteve presente em Harry Potter. O protagonista chegou a ser uma vítima em Surrey do próprio primo. Severo Snape sofreu nas mãos de Tiago Potter e Sirius Black e até os gêmeos Weasley têm culpa no cartório. Leia a coluna deste domingo e diga o que você acha do bullying em Hogwarts e na vida real.

por Igor Ferreira

Derivada do termo em inglês “bully”, que significa valentão, essa palavra que tem se tornado cada vez mais comum nos dias de hoje é usada para definir formas de violência verbais, físicas ou psicológicas, intencionais ou repetitivas praticado por um indivíduo ou um grupo para intimidar o outro individuo incapaz de se defender. Não é nada difícil identificar no nosso cotidiano diversas ocorrências de bullying, desde o garotinho mais reservado que ganha apelidos pejorativos a cada dia que passa, até aquela menina nova na turma que ficou excluída do restante por não ter um sapato tão novo como o das amigas. O bullying é resultado do preconceito e configura uma forma mesquinha de exercê-lo sem gritar aos olhos dessa sociedade que ainda insiste em desconsiderá-lo, fazendo vista grossa à humilhação, a dor e a agonia que suas vítimas sofrem.

Apesar de ser normalmente encontrado em toda e qualquer esquina do mundo inteiro, aplicável a pessoas das mais variadas idades, quando se pensa em bullying surge em nossa mente nítida imagem de um ambiente escolar, onde, como diria Dolores Umbridge, se amontoam centenas de serezinhos repugnantes repletos de espinhas, hormônios pululantes e coraçõezinhos desordeiros. E Joanne Rowling, na sua ímpar capacidade de perceber e traduzir a realidade, conseguiu levar para dentro de Harry Potter os típicos e repetitivos casos de bullying que impregnam todas as escolas, inclusive Hogwarts.

É difícil começar e terminar numa única coluna a análise de todos os tipos de valentão que habitam a tão desejada Escola de Magia e Bruxaria, mas vamos lá: Fred e Jorge Weasley. É, esse texto vai mexer com muitos ídolos endossados, mas por mais que gostem dos gêmeos e do seu jeito bem humorado de ser, devem admitir que às vezes seus atos extrapolam um pouco os limites, ou um muito. Ainda que normalmente os presentinhos carinhosos dos dois sejam ofertados a pessoas não muito queridas (Duda, Montangue, Draco, Goyle, Crabbe) isso não justifica a humilhação e os desconfortos gerados. Mas vá, as brincadeiras de Fred e Jorge, creio, não têm por objetivo machucar e ferir física ou psicologicamente seus “alvos”. Os Weasley querem muito mais é fazer rir, garantir a descontração mesmo nos momentos mais tensos, valendo-se até da própria família (Rony e Percy são os preferidos) para boas gargalhadas. Numa escala de zero a cinco pontos para profissionais em bullying, os gêmeos que criaram a magnífica Gemialidades Weasley ganham meio. E avancemos.

Draco Malfoy e sua turma de capachos, a tradução para a bruxidade do que é o grupinho restrito dos amigos de Duda Dursley. Normalmente acontece assim mesmo, como com as andorinhas: um valentão só não faz bullying. O líder de um grupo sente segurança quando está cercado por aqueles que compactuam de seus ideais, os idiotas o apoiam na sua empreitada infantil e ridícula e, desse modo, ele tem liberdade para agir, mandar e desmandar. Já perceberam como Malfoy não é o mesmo quando que se encontra sozinho, sem os seus leais criados? Toda sua valentia se interioriza e ele é tão ofensivo quanto a doninha em que Moody o transformou. Para o grupo, duas estrelinhas. Para cada um dos membros, uma só está de muito bom tamanho.

E por que não o bullying post mortem? Sim, fantasmas! Começando pelo pobre Sr. Nicholas, que é renegado e excluído pelos tão pomposos membros da Caça dos Sem Cabeça e vive reclamando dos seus companheiros de Hogwarts (Dama Cinzenta, Frei Gorducho e Barão Sangrento). Estranho, sim, o típico grifinório arrogante e exibicionista incomodado com as demais casas, mas as regras sempre adotam exceções, não é? Exceção à regra, nem fantasma, nem vivo, Pirraça, o poltergeist, inferniza totalmente a vida de todos os alunos e funcionários de Hogwarts, e geralmente causa desconforto e uma ligeira angústia entre as suas vítimas (pobres Lupin, Harry e Umbridge). Só pra não perder o foco, vou enquadrar Pirraça entre nossos amigos translúcidos e dar ao belíssimo time dos fantasmas nota dois.

Às vezes o bullying acontece mesmo sem querer, quando a pessoa, não necessariamente um valentão, provoca qualquer tipo de sofrimento àquele que está do outro lado. Isso é bem comum entre os amigos que lá vez ou outra soltam um comentário infeliz que faz mal ao seu próximo. Não pensam em ninguém para tipificar nesses casos? Rony, Harry, Hermione vivem fazendo isso! Suas vítimas acidentais, Luna e Neville, que além de sofrerem com o restante da escola ainda enfrentam piadinhas do seu grupo íntimo. Uma estrela e meia para os criminosos acidentais.

Mas o sofrimento que demarca as fraquezas também intensifica a fortaleza de cada um, faz com que se descubra a coragem, a valentia, o ímpeto, sentimentos que tornam a resistência aos danos do bullying possível e até mesmo ameaçadora em determinados casos. Podem não estar lembrados, mas Tom Riddle foi vítima constante de seus colegas de orfanato que o excluíam por ser considerado estranho e anormal. É de se pensar na teoria de que o dano psicológico da perda da mãe aliado aos seus longos e impiedosos anos no Orfanato Wool possam ter sido significativos para constituir, senão determinar, a personalidade ameaçadora e vingativa daquele que viria, mais tarde, a se tornar Lorde Voldemort. Criancinhas do orfanato, vocês criaram um monstro! Uma constelação inteira para vocês!

Enfim chegamos à parte mais esperada desse texto e aquela que, desde o começo, vocês devem se perguntando: “Como ele pode ter esquecido?”. Pois bem, chegou a hora de falar sobre Os Marotos. Pedro Pettigrew, Remo Lupin, e os desprezíveis Sirius Black e Tiago Potter. Há muito que falar das atrocidades que esses dois últimos fizeram ao buscar de fama e um falso prestígio? Tiago e Sirius foram simplesmente dois brutamontes que, apesar de extremamente habilidosos e inteligentes, não buscaram aplicar seus aprendizados em nada de muito útil. “Eles combateram Voldemort e blá blá blá blá.” Sim, combateram, e daí? As cicatrizes que Tiago e Sirius deixaram não são visíveis mas podem ser ainda mais fortes do que as brechas que o Lorde das Trevas pontuou na sociedade mágica. As marcas do bullying não se encontram normalmente no rosto, pois elas repercutem na alma e no coração das vítimas. Quem admira e idolatra Tiago Potter e Sirius Black com certeza viveu ou vive o lado deles da situação. Pois lhes digo: eu vivi o outro lado e não é nada bom fazer papel de Snape! Pode parecer muito divertido seguir a vida inteira como um inconsequente descabido, mas é preciso enxergar que há pessoas do seu lado, há seres humanos cercando-lhe e ainda que você não tenha sentimentos, há alguém sofrendo do outro lado.

Potter e Black, que tiveram como cúmplices praticamente metade da Hogwarts de seu tempo, fizeram de Severo Snape o homem que ele se tornou, frio, arrogante, melancólico, de coração duro, e é esse o resultado de diversas vítimas do bullying, ou será que todos vocês já se esqueceram do massacre na escola de Realengo no ano passado? Não que toda vítima despertará esse tipo de sentimentos e se tornará o reflexo de seus carrascos, muito pelo contrário já que normalmente a vítima buscará o exílio social, a recusa ao convívio em grupo! Não estou defendendo o professor Snape, que acabou repassando a vários alunos o reflexo de sua adolescência atormentada e humilhante, da qual ele preferia se esquecer.

Por todos os motivos acima e por tantos outros que deixo de exprimir por medo de me alongar demais , da escala de um a cinco, seis estrelinhas para os marginais juvenis Tiago e Sirius, e quatro para Snape. Sim, é suficiente. Sem esquecer também de ressaltar que quem acoberta o bullying é igual ou pior do que quem o pratica, garantem quatro estrelinhas Rabicho e Lupin, o monitor que se omitia frente aos abusos dos amigos.

Bem, já passo muito da hora de encerrar esse texto e antes que alguém me mande um Avada Kedavra por transcrever a verdade que muitos preferem esconder sobre seus personagens favoritos, me despeço pedindo que se lembrem que os personagens aqui trabalhados, como tantos outros (Argo Filch, Elifas Doge, Alvo Dumbledore, Arabella Figg, Rúbeo Hagrid, Aberforth Dumbledore, Mérope Gaunt), estão dentro do nosso mundo, talvez sentados do seu lado nesse exato momento, marcados por um apelido, uma brincadeira, um preconceito que lhes oprime e faz mal. Não se esqueçam também que, embora tantos preguem a criação de um estereótipo adolescente repleto de inconsequência e despido de providência, Jo Rowling nos alerta de tal modo para que possamos encontrar a solução para mais um problema que vem assolar a sociedade cada vez mais torpe e vil em que vivemos.

Igor Ferreira sempre tratou muito bem os colegas na escola.