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Presente de Natal: o vira-tempo

No Natal deste ano, nossos colunistas foram surpreendidos com um presente inusitado: cada um deles recebeu um mágico vira-tempo para ser usado como quisessem. Alguns se puseram em seu lugar de trouxas; outros resolveram aspirar mais alto e se fingiram de bruxos. Não importa: no final, o sentimento de nostalgia tomou conta dos corações desses quatro fãs saudosistas nesta coluna conjunta de final de ano.

Segure as lágrimas e a emoção para não perder as contas enquanto gira seu vira-tempo: uma, duas, três…



Presente de Natal: o vira-tempo

“Sinto muito”, por Bruna Moreno

Eu abri a janela e lá estava ele, tilintando seu brilho dourado. Tive quase a impressão de que ouvira um bater de asas de coruja se enroscando no farfalhar de uma árvore, deixando a cena do crime. Talvez mais do que uma impressão, afinal era assim que os funcionários do Ministério da Magia costumavam enviar correspondências.

Não havia tempo a perder. Agradeci silenciosamente a Weasley pelo empréstimo-presente e contei nervosa as voltas exatas no vira-tempo, para esperar com ansiedade o momento em que deixaria o dia de Natal para regressar ao Halloween de 1981.

Meu estômago embrulhou, à primeira vista uma possível reação de meu corpo à viagem no tempo. Logo constatei que o motivo era outro: a imagem diante dos meus olhos. Fora da janela, do outro lado da rua, a casa dos meus vizinhos da frente voltava a ser casa, e não mais um misto de escombros e ervas-daninhas. Era uma casa de verdade, e não um memorial de um dia infeliz. E eles ainda estavam lá dentro: James, Lily e o pequeno Harry Potter.

Saí em disparada pelas escadas, contando os segundos que ainda me restavam. Quando cheguei no andar térreo, estava perto o suficiente para ouvir baixinho as risadas dos dois garotinhos que, inocentemente, cruzavam na rua com Lorde Voldemort. Eu não poderia ousar ser vista por ele agora; tinha de esperar que ao menos virasse para o portão da frente dos Potter para que eu pudesse sair.

A outra figura, porém, não me cedeu todo esse tempo. Do ar, ela surgiu já em posição de ataque. Antes que pudesse soprar a primeira sílaba de seu Avada Kedavra, eu consegui lançar, pela fresta da janela, minha azaração:

— Petrificus totalus!

Ele caiu como feito de cimento. Voldemort, determinado, seguiu seu caminho sem dar atenção.

No momento em que consegui alcançá-lo e desfazer o feitiço, os gritos desesperados de Lily em defesa da vida já invadiam a rua. Minha visão embaçou com lágrimas incontidas; o homem da minha frente também não podia segurá-las.

— Severo, ah, meu Severo, me desculpe… — eu pedi, com o nó na garganta — Mas eu tinha que te impedir… Certas coisas do passado devem continuar como estão… Ainda que doloridas.

“Primeiro Natal de verdade”, por Débora Jacintho

Em meio a essa correria maluca de fim de semestre, eis que, em certa manhã, me deparo com um presente embrulhado, ao lado da minha cama. Tinha um bilhete: “Feliz Natal! Você tem direito a um momento. Escolha bem.” Só isso, sem assinatura, sem nada. Quando abri o pacote, embrulhado em um papel de seda dourado, quase caí pra trás. Um vira-tempo! Exatamente, um vira-tempo!

Esse “escolha bem” me lembrou muito o “use-a bem”, no bilhete que Harry recebeu de Dumbledore quando ganhou a capa da Invisibilidade. Quem terá sido a pessoa que me deixou esse maravilhoso vira-tempo no pé da minha cama? Bom, por ora, não quero me preocupar com isso, e sim pensar… Qual momento quero rever? Meu primeiro pensamento foi: o Primeiro Natal. O primeiro Natal de verdade de Harry foi uma ocasião única e marcante, a primeira vez que Harry recebeu presentes, a primeira vez que tinha amigos. Quero estar junto com ele também, nesse instante especial, e quem sabe, também ganhar um suéter da Sra. Weasley, se tiver sorte.

Algumas voltas no vira-tempo depois, cá estou, no pé da lareira da Sala Comunal da Grifinória, em dezembro do ano de 1991. Aproximo-me da escada e ouço vozes: “Feliz Natal!” “Para você também… Olhe só isso! Ganhei presentes?” “E o que é que você esperava, nabos?” Sabia de quem eram as vozes, e fiquei contente, vendo que meus melhores amigos de sempre tinham acabado de acordar e visto a pilha de presentes.

Aproximei-me dos garotos, que desembrulhavam os presentes rapidamente. Quando cheguei, havia uma pilha ao lado da deles com o meu nome! Eles me olharam, e como se respondessem à minha pergunta silenciosa (provavelmente estampada na minha cara), disseram: “Sabíamos que iria aparecer…”.

Eu não me continha de tanta felicidade por aquele momento único, e desembrulhei o primeiro pacote: era um suéter da Sra. Weasley para mim! Ele era roxo, e tinha um D bordado em rosa, maravilhoso! Na hora me vesti, com o sorriso estampado de lado a lado. Depois, encontramos com os gêmeos Weasley, e brincamos bastante de guerra de bolas de neve, nos terraços de Hogwarts, até dar o momento de ir embora.

“Hogwarts, uma história”, por Luiz Guilherme Boneto

Era um belo anoitecer.

Ao acionar o vira-tempo, não calculei exatamente em que ponto dos terrenos de Hogwarts ele me deixaria; por sorte, caí no alto da torre de Astronomia, que obviamente estava deserta àquela hora. Afinal, era o primeiro dia de setembro, e o Expresso de Hogwarts só chegaria à Estação de Hogsmeade dali a algum tempo.

Rapidamente saí correndo pelas escadas, o tempo todo atento aos professores e funcionários, querendo evitar sua presença. Naquele dia, os habitantes do castelo esperavam que eu estivesse a poucos quilômetros de distância, ansioso para desembarcar em Hogsmeade pela primeira vez, e não ali, descendo afobado as escadas da torre de Astronomia. Apesar dos perigos, apesar do medo de ser apanhado, eu tinha que rever mais uma vez aquela sensação, a mais marcante para um aluno que chega a Hogwarts.

Cheguei aos pés da torre, atento a qualquer movimento, mas não parecia haver ninguém por ali. Então, com um solavanco, me lembrei do que eu levava guardado no bolso de minhas vestes: uma capa da invisibilidade. O medo de ser apanhado me fizera esquecer que a carregava. Saquei a capa e vesti, enquanto uma sensação de reconfortante alívio se espalhava em meu peito e o meu coração assumia novamente um ritmo adequado à minha idade. Caminhei rapidamente para o Salão Principal, e postei-me a um canto, próximo à mesa dos professores, aguardando o momento.

Então chegaram os alunos. Rapidamente se acomodaram nas mesas das Casas, e pouquíssimo tempo depois, ou assim me pareceu, a Profª Minerva McGonagall adentrou o Salão, trazendo em seus calcanhares um punhado de aluninhos. E ali estava eu, tão pequeno, ainda menor que os demais; me lembrei, naquele momento com quase exatidão, o pavor que eu estava sentindo naquele instante.

E esperei. Não precisei esperar muito, afinal, o meu sobrenome começa com “B”, de “Boneto”; logo, eu era um dos primeiros na lista da professora. E ela berrou meu nome, para que todo o salão escutasse; lembrei-me também da vontade de sumir diante da atenção de toda aquela gente. Com as pernas trêmulas, eu me sentei no banquinho, e o Chapéu Seletor desceu direto sobre meus olhos turvos de medo; eu não me lembrava daquilo! Então, para que todo o Salão ouvisse e para minha incredulidade, o Chapéu gritou: “CORVINAL!”.

Então eu me vi correndo, tentando chegar o mais rapidamente possível à mesa da Corvinal, para me juntar aos meus novos colegas. Eis que eu conseguira rever um dos momentos mais marcantes e decisivos da minha vida. Invisível, meu eu presente passou por todos os estudantes e voltou à torre, onde acionou novamente o vira-tempo para voltar ao presente, e poder enfim contar aos meu alunos, e ao meu caro colega Neville Longbottom, os mínimos detalhes da minha cerimônia de seleção.

“Uma lição de presente”, por Bianca Farias

Sem acreditar no que estava acontecendo, coloquei a corrente do vira-tempo em volta do pescoço. Nunca achei que fosse ver um em toda a minha vida! Não sabia quem me enviara o presente: no embrulho havia apenas um bilhete escrito: “Você deve três vezes girar, para ir a um certo lugar”. Já muito animada para mudar de idéia, girei a ampulheta três vezes.

Fui parar no que parecia ser uma sala de aula vazia. Porém, havia um espelho no meio dela, com um menino sentado na frente. Estava tão focado no espelho que nem me viu. Escondi-me entre umas carteiras.

– Então, outra vez aqui, Harry?
Fiquei tão assustada quanto ele ao ver que ninguém menos que Dumbledore estava na sala também. Mas o velho homem sorria.
– Então, – continuou, sentando-se ao lado do menino – você, como centenas antes de você, descobriu os prazeres do Espelho de Ojesed.
Após certo tempo, Harry disse:
– Ele nos mostra o que desejamos… seja o que for que desejemos…
– Sim e não. Mostra-nos nada mais nem menos do que o desejo mais íntimo, mais desesperado de nossos corações. Porém, o espelho não nos dá nem o conhecimento nem a verdade.

“Ele será levado para uma nova casa amanhã, Harry, e peço que não volte a procurá-lo. Se algum dia o encontrar, estará preparado. Não faz bem viver sonhando e se esquecer de viver, lembre-se. E agora, por que você não põe essa capa admirável e vai dormir?”

Após os dois terem ido, fiquei sozinha na sala. Ainda não fazia idéia de quem tinha me enviado até ali.
– Ora, vejo que você acabou de aprender algo valioso, não?
Olhei para trás e vi ninguém menos do que a Profª Minerva.
– Foi você quem me enviou o vira-tempo? Você me trouxe até aqui? – perguntei, surpresa. Eram muitas emoções para uma noite de Natal.
– Querida, se tem uma coisa que Alvo Dumbledore me ensinou foi que ensinamentos são os melhores presentes. E eu queria dar um grande presente, para você levar para sua vida. – Ela sorriu. – De Natal, queria lhe mostrar o que Harry acabou de aprender: não é bom viver sonhando e se esquecer de viver.
“Queria lhe dar essa surpresa, e tornar seu Natal especial.”
– Obrigada, professora, eu adorei – disse sorrindo. Tornei a colocar a corrente do vira-tempo em volta do pescoço. Então, lembrei de uma coisa importante. – Professora, será que eu poderia… ah… dar uma espiadinha?
Ela olhou do espelho para mim e riu.
– Claro! Eu mesma já dei minha espiadinha. Quem não tem essa curiosidade, afinal?
Fui até o espelho, e respirei fundo antes de abrir os olhos.

“Uma ajudinha para Harry”, por Brunna Cassales

Quase não acreditei que o ganhara. Estava junto aos meus outros presentes de Natal e veio com um bilhete que dizia apenas “Use-o bem”. Não, não era de Dumbledore. Havia uma assinatura logo abaixo que reconheci na hora: três iniciais bastante significativas. Pensei que não poderia ficar mais feliz até abrir a caixa e encontrar nada menos do que um vira-tempo! Um vira-tempo de verdade! E, tive uma intuição certeira, não era um vira-tempo qualquer, era o vira-tempo da Hermione! Emocionada, voltei a atenção para as três consoantes assinadas pelo remetente. Ao que parecia, Minerva McGonagall não enviara aquele objeto de capacidade extraordinária de volta ao Ministério, mas para sua própria criadora. E a criadora, por sua vez, o enviara a mim.

Eu sabia que não tinha recebido um presente tão especial à toa: devia estar em minhas mãos usá-lo para interferir em algo muito importante. No entanto, o meu conhecimento sobre o poder daquele item mágico singular me ensinara que não era tão fácil quanto parecia à primeira vista dar as voltas necessárias e emergir no passado. O tempo é algo infinitamente complexo; mexer nele pode ser bem perigoso. E a voz da razão (apropriadamente personificada pela voz de Hermione) me dizia que o vira-tempo não me fora confiado para que eu me arriscasse inutilmente a mudar o irreversível, mas sim para me impulsionar a ajudar alguma coisa já concretizada a ser bem sucedida.

Um clarão de entendimento me invadiu quando lembrei que Jo Rowling já havia cogitado matar Rony. Era isso. Por isso ela me mandara o vira-tempo. Eu tinha de salvar Ronald Weasley e, para todos os efeitos, isso já havia acontecido. Não pensei duas vezes, fui ao Beco Diagonal e gastei quase todos os meus galeões numa caixa de bezoares. Depois aparatei em Hogsmeade, entrei em Hogwarts por uma passagem secreta e me disfarcei com as vestes da minha Casa (Lufa-Lufa). Então, peguei a minúscula ampulheta, pendurada em meu pescoço, e a girei diversas vezes, o suficiente para viajar anos de volta ao passado. Parei no número certo que tinha contado para retornar à última semana de Fevereiro de 1997.

Foi como se eu estivesse voando muito rápido para trás, vislumbrando um borrão indefinido de cores e formas passar veloz. Não sei dizer se demorou ou não, mas tudo entrou em foco de repente e me vi no mesmo lugar, embora numa época diferente. Disparei pelos corredores. Dava para ver pelas janelas que era de manhã cedinho, portanto eu precisava agir rápido para não ser notada. Desci as escadas à caminho das masmorras, entrei furtivamente na sala de Poções, abri o armário e depositei a caixinha de papelão atrás de chifres de unicórnio e entrelaçados de ervas secas. Pronto. O resto estava a cargo de Harry e das instruções do Príncipe Mestiço. No dia de seu aniversário, Rony sobreviveria ao envenenamento.

Quando voltei à passagem secreta, apertei o vira-tempo com uma agradável sensação de dever cumprido e comecei a girá-lo para voltar ao presente. Para completar meu contentamento, ontem me deparei com um casal de braços dados andando com duas crianças ruivas pela Charing Cross Road, em Londres. Não pude evitar de sorrir, afinal, Rony e Hermione deviam estar levando Rose e Hugo para passear no Beco Diagonal. Tudo estava bem.

“Entrevista exclusiva”, por Sheila Vieira

Desembarquei em Londres, entrei no primeiro táxi e disse “Rua dos Alfeneiros, número 4, Surrey”. Durante o caminho, chequei se tudo estava em minha mochila: o bloquinho, a caneta bic preta, o iPod com bateria, check. Fui olhar o Twitter no meu celular, mas o aplicativo havia desaparecido. Lembrei que, no ano em que eu estava agora, ele não existia.

Meu vira-tempo no peito era a prova de que eu não estava no presente, mas sim no passado, onde Harry Potter havia acabado de presenciar a volta de Voldemort, prestes a fazer 15 anos. Eu já sabia que o Lorde das Trevas havia morrido, mas não poderia contar a ele. A moça que me mandou o vira-tempo, Hermione Granger, deixou isso muito claro: eu não poderia interferir.

Cheguei na casa dos Dursley e nem precisei bater na porta: Harry estava andando na rua. Abordei o rapaz, que tomou um baita susto, e disse a verdade: que era uma jornalista trouxa brasileira, que sabia da existência do mundo bruxo e queria conversar com ele. Desconfiado, Harry me acusou de ser uma espiã de Voldemort.

Passei 30 minutos tentando convencê-lo a me dar uma entrevista para o “Profeta Diário”, que me contratou para fazer uma entrevista com o Harry-de-15-anos. Ele não quis, alegando que o jornal estava em campanha contra ele e Dumbledore (o que realmente era verdade na época em que estávamos). Decepcionada, aceitei a sua recusa, mas disse a ele: “não fique assim tão revoltado, Harry. No final, tudo dará certo”.

A equipe de colunistas do Potterish se orgulha de completar mais um ano com contribuições à série e ao fandom e deseja, a cada um de seus leitores, que o futuro seja ainda melhor do que o passado.