Filmes e peças

Entrevista da Vogue com Radcliffe traduzida na íntegra

Ontem nós divulgamos os scans de uma entrevista que o ator Daniel Radcliffe concedeu à revista Vogue e a tradução de sua prévia. Hoje, conforme prometido, estamos trazendo a tradução da matéria na íntegra. Confiram um trecho abaixo:

Eu me encontrei com Radcliffe para tomar Cocas Diet uma tarde no Soho Hotel em Londres, aonde ele chega diretamente do set de ‘Harry-Potter e o Enigma do Príncipe’. Vestindo jeans e uma camiseta preta, ele é baixo e compacto, com uma face vívida e olhos atentos. Ele é aberto e afável – claramente sem vestígios de Lothario que ele fez como uma paródia de si próprio em um episódio de ‘Extras’, embora, ele admite, “Eu adoraria ter essa confiança cega, esquecer totalmente de como o mundo te vê.

Filho único de pais envolvidos com as artes, Radcliffe anunciou aos cinco anos que ele talvez quisesse ser ator. “Minha mãe disse, ‘Não você não quer,’” ele recorda. Ela finalmente abrandou e o deixou participar de uma audição para um filme de televisão de ‘David Copperfield’ quando ele tinha nove anos, principalmente porque, ele diz, “Eu estava tendo dificuldades na escola, sendo ruim em tudo e sem talento algum.” Radcliffe também sofre de dyspraxia, uma desordem de desenvolvimento que afeta as funções motoras, e ele ainda tem problemas para amarrar seus sapatos. “Algumas vezes eu penso, porque, oh, porque o Velcro não fez sucesso?” ele diz.

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DANIEL RADCLIFFE
Cavalo Obscuro

Vogue
15 de agosto de 2008
Tradução: Raquel Monteiro

A estréia de Daniel Radcliffe nos palcos em ‘Equus’, escreve Adam Green, marca a chegada de um sério, maduro talento.

Como caixas do leite, a maior parte das estrelas infantis carrega uma “data de validade”, que geralmente coincide com o ataque da puberdade, depois do qual eles começam a coalhar. Houve exceções notáveis, é claro – Jodie Foster vem à cabeça, e Christian Bale – mas na maioria dos casos, uma vez que as crianças que cresceram sob os olhos do público param de serem adoráveis, eles se encontram presos a imagem de quem eles foram e tendem a se autodestruir ou desaparecer.

O que faz a metamorfose de Daniel Radcliffe, também conhecido como Harry Potter, um bom truque. Desde que se tornou a encarnação para as telonas do herói de óculos de J.K. Rowling aos onze anos, a estrela dos $4.5 bilhões – grande privilégio conseguiu com que ele navegasse a Scylla e o Charybdis (NT: dois monstros marinhos da mitologia grega) da adolescência e da fama emergente, aos dezenove, um encantador e rapaz-da-cidade não afetado – quase um líder mas ainda assim, como milhões de garotas pré-adolescentes excitadas podem atestar, um sedutor de menininhas. Suas reviravoltas sólidas no ano passado no drama de época ‘December Boys’ e no de choroso filme sobre a Primeira Guerra Mundial ‘My Boy Jack’ foram um bom agouro para a vida após Potter. Mas foi sua estréia muito polêmica nos palcos no West End, em ‘Equus’ de Peter Shaffer, que o fez tirar a capa do menino bruxo, desnudando-se, emocionalmente e literalmente, para revelar um ator sério de intensidade carismática e profundidade.

Esse mês, o público de Nova York vai finalmente ver Radcliffe quando ele reprisar sua performance, diferente de uma co-estrela Potter, o brilhante Richard Griffiths, na primeira encenação do psico-religioso suspense de Shaffer de 1973 sobre um adolescente que cega seis cavalos com um espeto de metal e o psiquiatra designado pela corte que tenta entender porque.

Eu me encontrei com Radcliffe para tomar Cocas Diet uma tarde no Soho Hotel em Londres, aonde ele chega diretamente do set de ‘Harry-Potter e o Enigma do Príncipe’. Vestindo jeans e uma camiseta preta, ele é baixo e compacto, com uma face vívida e olhos atentos. Ele é aberto e afável – claramente sem vestígios de Lothario que ele fez como uma paródia de si próprio em um episódio de ‘Extras’, embora, ele admite, “Eu adoraria ter essa confiança cega, esquecer totalmente de como o mundo te vê.”

De fato, Radcliffe medita sobre como ele é percebido, particularmente pelos colegas de trabalho. “Eles estão sempre esperando que você se torne uma pessoa terrível,” ele diz. “Então você tenta fazer com que eles saibam que você é inteligente, e não horrível. Então você tenta ser forte e sexy – mas antes, esperto e amável.”

Outros dois adjetivos que vem a mente são hiper-articulado e volúvel. Palavras saídas de sua boca em aparente perseguição dos seus impetuosos, pensamentos mercuriais, dirigindo-se, nos nossos dez primeiros minutos juntos, de uma discussão sobre o público dos teatros de Nova York para um ataque contra gramática ruim, um recital de Keats “Ode a um Rouxinol”, um peão aos Sex Pistols, e a análise do patinete Segway como um emblema de preguiça epidêmica. “Um amigo meu disse uma vez, ‘Deus – as coisas que você fala!’” Radcliffe recorda. “Eu pensei, imagina as coisas que eu não falo. Você não pode imaginar como é realmente viver nessa cabeça.”

Como Alan Strang, em ‘Equus’, Radcliffe vive dentro de uma mente muito diferente – torturada e coradamente psicótica. Socialmente desajeitado, devagar na escola, e rasgado por confusão sexual e culpa Cristã, Alan escapa para uma elaborada, criada religião baseada no ritual de adoração de cavalos. Um menino estável de dia, de noite ele despe-se e encontra a liberdade extática sobre um garanhão que ele nomeou Equus, “o Servo de Deus, Fiel e Verdadeiro.” Em um curso de colisão entre desejo pessoal e a ira de uma deidade ciumenta, ele galopa em direção a sua terrível apoteose. “Eu acho que todo mundo tem mais em comum com Alan do que gostaria de admitir,” Radcliffe diz. “Eu nunca furei olhos de cavalos, é claro, mas você se vira pra suas emoções – a tristeza, a raiva, a solidão – e as explode.”

Filho único de pais envolvidos com as artes, Radcliffe anunciou aos cinco anos que ele talvez quisesse ser ator. “Minha mãe disse, ‘Não você não quer,’” ele recorda. Ela finalmente abrandou e o deixou participar de uma audição para um filme de televisão de ‘David Copperfield’ quando ele tinha nove anos, principalmente porque, ele diz, “Eu estava tendo dificuldades na escola, sendo ruim em tudo e sem talento algum.” Radcliffe também sofre de dyspraxia, uma desordem de desenvolvimento que afeta as funções motoras, e ele ainda tem problemas para amarrar seus sapatos. “Algumas vezes eu penso, porque, oh, porque o Velcro não fez sucesso?” ele diz.

Sua performance em ‘David Copperfield’ levou a uma participação especial em ‘O Alfaiate do Panamá’ e, eventualmente, a Harry Potter, um papel que o fez um rosto reconhecível e ganhou para ele uma fortuna. Como alguém que cresceu indo ao teatro e pode falar demoradamente das virtudes de Sodheim e Mamet, Radcliffe foi natural em dar um pulo das telas para os palcos. “Uma boa peça vai além de qualquer coisa que um filme pode atingir porque você sabe que viu algo especial, algo que as pessoas de gerações futuras não verão,” Radcliffe diz. “É como um show ao vivo – aconteceu uma vez, e você esteve lá.”

Que jeito melhor para um jovem ator anunciar sua maioridade do que encenando um famoso garoto problema que quase não chegou, para dizer o mínimo. ‘Equus’, que franziu muitas penas psicoterápicas no passado por sua visão decididamente ambivalente da cura falada, é o trabalho de um escritor com um olho para espetáculo, ansioso para transcendência, e um presente por tornar idéias nas coisas de conflito humano. Como em ‘Caça Real ao Sol’, épico de Shaffer de 1964 sobre a conquista Espanhola do Peru, ‘Equus’ é animado pelo esplendor da devoção. Ele partilha com a peça e com o tardio ‘Amadeus’ uma preocupação com uma grande questão – Como nós vamos viver sem acreditar em Deus? – e o estrondo entre a razão Apoloniana e o êxtase Dionisíaco, entre mediocridade e genialidade.

Para essa nova produção, o talentoso jovem diretor Thea Sharrock trouxe de volta o designer original, John Napier, do qual espaçoso modular set e o icônico cavalo com mascara e cascos metálicos trouxeram elementos essenciais para a peça. “A coisa excitante sobre ‘Equus’ é que é completamente sem medo de ser teatral no sentido mais importante,” ela diz. “Tendo dito isso, é também um intenso drama pessoal.”

Esse drama acontece entre Radcliffe, de quem a loucura do personagem é acessa por uma faísca do divino, e Griffiths, de quem o terapeuta infeliz, Martin Dysart, com inveja da habilidade do garoto de experimentar um êxtase que ele nunca conhecerá, mata sua alma para curar sua mente, destruindo a si mesmo no processo. “Esse homem precisa do mesmo tanto de ajuda que o garoto precisa,” diz Griffiths, que ganhou um Tony em 2006 por ‘Fazendo História’. “Espiritualmente, ele está se segurado com arame farpado e fita de tubo. Ele é como a figura no poema de Stevie Smith ‘Not Waving But Drowning’. Ninguém entende – eles apenas acenam de volta para ele – e ele é deixado em desespero no fim da peça porque ele vai fazer o que a sociedade quer concertando o garoto e fazendo-o normal, mas ele se questiona se o que a sociedade quer merece um bocado de saliva.”

Radcliffe está ansioso para voltar à sala de ensaio e para conhecer Nova York. Enquanto ele novamente explora a paixão privada do seu personagem, ele vai continuar a explorar uma obsessão sua: escrever poesia no modo clássico. “Poesia é essa coisa incrível, meio secreta, que você tem e não conta a ninguém sobre,” ele diz. “A menos, é claro, que seja publicada ou que você fale sobre isso a um jornalista. Atuar tem limites; poesia não.”

Apesar de seu ardor, parece improvável que Radcliffe vá desaparecer em um sótão logo mais. “Eu sinto um queimante desejo dentro dele de continuar com o teatro, de explorar o que está acontecendo dentro dele,” Griffiths diz. “Ele tem todo o tipo de profundidades ocultas. Ele é terrivelmente maduro sem ser remotamente chato, e ele é extremamente complexo sem ser estragado. Tudo em tudo, eu acho que ele terá uma vida invejosamente interessante.” Griffiths pausa, e adiciona com sua voz mais teatral, “O pequeno bastardo.”