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O abacaxi, o simplesmente e a audácia

O abacaxi, o simplesmente e a audáciaO abacaxi, o simplesmente e a audácia
Uma crônica sobre maledicência, uma reflexão sobre o porquê de amarmos HP e uma resenha das aulas de antropologia: Breno, Larissa e Rodrigo enviaram textos bem diferentes para o processo seletivo de novos colunistas.
Abaixo, vocês, leitores, têm acesso aos sigilosos textos, todos na íntegra. Para o processo, não eram necessários textos sobre Harry Potter, daí a variedade de assuntos coberta. Porém, cada um à sua maneira, estes textos mostraram que os três novatos têm backbone, como diria a vovó de Neville Longbotton (e como diz Luis Nakajo, orgulhoso das escolhas que fez).Os comentários, pelo amor de Santa Edwiges, devem levar isto em consideração. Os textos, você lê na extensão.


DESCASCANDO O ABACAXI
por Breno Alvarenga

Supermercado. Lugar em que se encontra sempre alguém conhecido e em que se cumprem as normas do bom samaritano: cumprimenta-se a primeira vez com um “Oi”; na segunda , já em outra prateleira, usa-seum sorriso; e na terceira, já em frente à bombonière, o “Só comprando, em?” típico.

Dona Lurdes, dona de casa, conhecia o Supermercado Quidelícia como a palma da sua mão gorda e sempre que encontrava alguém conhecido (o que era um fato mais do que usual) seguia todas as normas do bom samaritano, principalmente a terceira, que fazia questão de ser enfática o bastante para conseguir ofender. Quando o falava, observava dos pés a cabeça do alvo, parando propositalmente na barriga e depois olhava para o objeto em a pessoa segurava, já pronta pra devolver à prateleira, e então fazia uma cara de “Que pena! Será que vale mesmo a pena comprar isso?” e então se afastava com um sorriso de vitória. Tão contente ficava que se esquecia de suas próprias desvantagens corporais.

Eis que hoje, ao virar a prateleira enxergou uma mulher de costas, alta, loira e acompanhada de um bebê deitado em seu carrinho. Estavam em frente à seção de frutas escolhendo abacaxis. Dona Lurdes logo percebeu que era a prima rica de seu marido que tanto fazia questão de ser amiga. Rapidamente pegou a caixa de bombons que estava namorando e saiu andando exorbitantemente em sua direção para que todos pudessem ver o nível de seus contatos. Cutucou então a moça:

– Maria Alice!Tudo bem, querida?

A moça então se virou. Para a surpresa de Dona Lurdes não era Maria Alice. A moça em questão tinha exatamente o mesmo corpo, no entanto seu rosto era completamente diferente e estranhamente inchado. Mas não estava tudo perdido, Lurdes daria um jeito de contornar a situação e sair em vantagem.

-Oh, querida!Desculpe-me. Achei que era uma prima de meu marido. É porque o seu corpo é parecido demais com o dela…
-Não, é que…
-No entanto o rosto é completamente diferente. Ela tem um rosto angelical, limpo… Bem típico da família de meu marido. Com exceção do queixo, que parece mais uma deformação geográfica. – disse isso quase explodindo por dentro com tamanha felicidade: conseguira ofender o rosto da desconhecida, enaltecer a família de seu marido e ainda criticar algo em Maria Alice, a quem tanto invejava em segredo.

A moça sorriu desconcertada e disse:

-Lurdes, na…
-Você me conhece querida? – disse Lurdes estranhando e ao mesmo tempo feliz. Já podia ensaiar em sua cabeça como contaria ao marido que até os desconhecidos no supermercado a conheciam.
-É, que na verdade eu sou mesmo a Maria Alice. O meu queixo já me incomodava há tempos, e foi então que meu médico me deu a idéia de fazer cirurgia plástica e acabei resolvendo melhorar tudo de uma só vez. Mudei o queixo, as orelhas, a bochecha e o nariz. – disse isso tentando ser o mais calma possível, para engavetar toda a raiva que sentia.
-Nossa, me desculpe… Eu… É…
-Tudo bem, querida. Ninguém está me reconhecendo mesmo. Toda hora eu tenho que falar “Oi, é a Maria Alice aqui!” e é então que eles lembram de mim.
-Que engraçado!Nossa, mas o seu filho está uma gracinha, em?Mas deixa-me ir, tenho muito que fazer ainda. – disse o mais rápido que pôde para esconder seu nervosismo e vergonha. Mal acabara de falar e já estava indo embora quando Maria Alice a segurou pelo braço.

-Fica mais, fofa!Não se envergonhe. Mas e aí?O que está fazendo aqui? – disse abaixando seus olhos para a mãe trêmula de Lurdes que segurava uma caixa de bombons. Foi então que encontrou ali seu grand finale. Começou então a ensaiar em seus lábios o sorriso mais irônico que conseguia – Só comprando, em?

O abacaxi, o simplesmente e a audácia
POR QUÊ HARRY POTTER?
Por Larissa Silveira

Se você é fã, certamente já lhe fizeram essa pergunta. E creio que a maioria não encontra uma resposta exata. Segundo um artigo do jornal The Times, as pessoas lêem Harry Potter “simplesmente porque amam”.

JK Rowling fez toda uma geração de crianças e adolescentes em plena ‘era tecnológica’ parar para ler. Revolucionando a literatura infanto-juvenil mundial, ela deixa a seguinte questão: Que mistério aquelas páginas escondem?
Não há mistério algum. Há apenas a extraordinária capacidade de uma escritora que consegue prender o leitor até a última página. Ela não criou somente uma história, criou um mundo. Um mundo em que qualquer criança e adolescente adoraria entrar. Rowling se difere dos demais escritores de fantasia por nos mostrar seu mundo de forma equiparada ao nosso, retratando coisas extremamente cotidianas. A trama central se passa numa escola, onde ela nos mostra relações de amizade (e inimizade, também) entre estudantes, romances, brigas, estudos, desobediência às regras… coisas que vivenciamos no nosso dia-a-dia ‘trouxa’.
Ela nos apresenta o trio, os amigos que qualquer um gostaria de ter. Dessa forma, nos dá a lição de que amizade e união são essenciais.

Ela nos mostra a delicada relação entre Rony e Hermione, o típico amor escondido em meio a discussões e ciúmes.
Conhecemos também os Weasley, a grande e humilde família que nos ensina que dinheiro não é sinônimo de felicidade.
Em meio a tantos personagens encantadores, cenas engraçadas, emocionantes… Rowling nos narra de forma mágica a história de Harry, focando sempre que o poder mais forte que existe é o AMOR. Ela nos tira sorrisos inesperados, lágrimas sofridas… Ela nos leva para dentro desse mundo e faz com que não queiramos mais sair. Ela nos encanta.

Há muitas coisas a se dizer sobre Joanne, mas me agradam as palavras de Lia Wyler: “… uma exímia contadora de histórias, cujos livros serão sempre lidos, relidos e lidos mais uma vez.”
Ela prendeu não só uma geração de leitores, mas gerações futuras que provavelmente também embarcarão no Expresso de Hogwarts a cada 1º de setembro. Tudo isso vai ser passado adiante, porque quem lê Harry Potter nunca esquece. Por todos os risos que já nos fez esboçar, todos os pulos de alegria, todos os ataques de histeria, todas as lágrimas derramadas, todas as brigas canon/fanon, todas as conversas empolgantes com as teorias mais malucas, todas as vezes que queríamos bater em alguém por ter passado spoiler, todas as vezes que saímos do cinema reclamando das partes cortadas, todos os amigos que conhecemos devido a Harry Potter, todas as lições aprendidas… essas marcas são para sempre. Essas são as NOSSAS ‘cicatrizes’.
E só quem ama consegue entender o que estou dizendo; Harry Potter é mais que livros e filmes, já se tornou um pedaço de cada um de nós.

Portanto, quando te perguntarem “Porque Harry Potter?”, responda sem dúvida: simplesmente porque amo.

O abacaxi, o simplesmente e a audácia
AUDÁCIA [fragmentos]
Por Rodrigo Scalfo

As idéias de uma época marcada por sentimentos de insegurança e instabilidade: a “pedagogia do medo” é a antagonista nas relações humanas e em tudo o que as permeiam. E não é um medo abstrato e imaginário, é concreto e anula o ser humano, traz a sensação contínua de perda: perder o emprego, o salário, os amigos. Não há espaço para ousar, pois alimenta-se a cultura do medo e cerceia-se a cultura da audácia. Tais características o autor designa como elementos da pós-modernidade. Situações que intimidam as escolhas porque se tem medo de escolher.

Mesmo inclinado à atitude passiva diante das opções ainda há que se considerar a diversidade de caminhos a que o ser tem de submeter-se. O autor é enfático ao discriminar os milhares de caminhos que temos à nossa frente. Desta variedade uma coisa é certa: a dúvida. Jesus dizia “Eu sou o caminho”. A prerrogativa abre margem para que o homem se reconheça também como seu próprio caminho. Porém, ainda tem dúvida. Como se não bastasse ele é mais: é caminho dos outros. A decisão sai de “si mesmo” para o próximo. A responsabilidade se estende. Há medo em decidir. Entretanto, o caminho é horizonte e não há nada mais desolador que não ter caminho, uma via. Nessa dicotomia, o caminho seduz. Apesar de tudo, ele seduz.

Nesse ínterim, o texto contagia. Hora melhor para que Arduini traga uma das mais relevantes idéias deste capítulo: arriscar-se. Palavra que indica ação, mas também estado. Arriscar-se traduz-se em coragem, elemento essencial para ousar. Uma coragem madura, ativa e lúcida, que empenha a vida e que supera o medo. Em momento algum confunde-se com violência, pois o corajoso tem audácia e acolhe, enquanto que o violento é truculento e usa de um poder que, na verdade, é recurso para mascarar-se, proteger-se. Além de tudo, a coragem é modo de ser. Algo que lhe é dado e construído.

Se o arriscar-se implica em coragem, esta implica em audácia. A partir disso o autor traz o audacioso, caracterizando-o com o olhar errante, que não tem parada. Vem de uma busca íntima que parte para seu redor. Busca o futuro, sondando a verdade. Além disso, “reivindica a justiça como novo paradigma e instaura a igualdade social”.

O abacaxi, o simplesmente e a audácia
Breno, Larissa e Rodrigo são três dos novos dez colunistas incorporados ao Potterish em 9 de maio.