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Continue falando, JK!

Nosso colunista, Victor Martz, continua nossa área de Crônicas abordando algumas declarações da nossa querida autora J.K. Rowling que tem causado polêmica durante as últimas semanas: a questão da influência da religião nos livros e a sexualidade de Alvo Dumbledore.

Se você ainda não leu Harry Potter and the Deathly Hallows e não quer saber de spoilers, não aconselhamos a leitura.

Você pode conferir a coluna completa aqui.

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Continue falando, JK!

Por Victor Martz

Harry Potter, acreditem ou não, é um assunto polêmico. Injusta e desnecessariamente, mas é. Simples comprovar: tente discutir sobre os livros em qualquer lugar (repito: qualquer lugar. Não na sua rodinha de amigos que o lêem) e observe atentamente as reações. Acusado de cultura de massa, livro vazio, obra do diabo, o best-seller e, conseqüentemente, sua autora podem ser considerados recordistas de crítica na história da literatura mundial. E, com o fim da série e as recentes declarações de JK, isso se intensificou tanto que até mesmo os fãs devotados atiram suas próprias pedras na obra que acompanharam por tanto tempo.

Antes de qualquer coisa, algo tem que ser deixado muitíssimo claro: Harry Potter é uma obra infanto-juvenil e com metas modestas, claramente percebido no primeiro livro. Não tenta ser um livro revolucionário, um livro que vá de encontro às normas vigentes. Não. A série potteriana apenas deseja contar uma boa história com alguns ensinamentos para as crianças e pré-adolescentes. Ensinamentos bastante valiosos, devo acrescentar, pois a JK tem o dom raro de conversar com a criança sem trata-la como alguém mentalmente incapaz. Mortes, amores, separações, o que vemos em seus livros é um ótimo relato da realidade com pitadas de magia. Joanne Kathleen Rowling é, acima de tudo, uma ótima retratista. O que talvez explique a sua fama em quase todas as faixas etárias, mesmo que não fosse o planejado.

Blábláblás de lado, o que quero explicar é que julgar Harry Potter como uma leitura de massa ou vazia talvez esteja superestimando o enredo, assim como esperar que o livro seja realmente um louvor a cultura pagã e um protesto contra o cristianismo. JK não quer causar e nem quer falar com o universitário, pai de família, adulto. Ela quer falar com as crianças. E se puder utilizar de todos os recursos mitológicos, imaginários, pagãos, cristãos para que a sua mensagem chegue até ela, o fará.

Porém a série foi escrita simultaneamente com a sua leitura pelo mundo e muitas dessas crianças, que tinham lido Sorcerer’s Stone, agora são país de família, adultos. Cresceram lendo a história de Harry e seus amigos, espalharam o trio pela escola, pela família e adquiriram um carinho tão grande por eles, que se confundiram. Os personagens não são mais da tia Jo, são deles. A história pertence-lhes. Afinal, qual a verdadeira razão do título de Harry Potter possuir o maior número de fics no mundo inteiro? E o silêncio dela em dar detalhes nas entrevistas pré-livro sete só aumenta essa sensação. Dá a liberdade necessária ao fã para imaginar, criar, viajar.

Então, vem a decepção. “Poxa vida, o personagem ‘x’ é bom; odeio a JK!”, “O quê?! Por que ‘y’ fez isso?; A JK escreve mau pra caramba!”, ”Dumbledore é gay? CALA A BOCA, JK!”. Quando a autora não diz aquilo que o fã quer ouvir, sofre até mais do que quando quem criticava não tinha lido nenhum livro.

Chamam de golpe de propaganda, vontade de chamar a atenção, mas esquecem que ela é uma das mulheres mais ricas do mundo. Esquecem que talvez ela esteja falando mais do que antes porque não tem que esconder mais nada. Esquecem que a “tal enciclopédia” pode nem estar escrita e propaganda sem o produto feito é a coisa mais idiota de todas (Ainda têm mais dois filmes pra sair, ocasiões perfeitas para o lançamento da enciclopédia: propaganda agora por quê?). E esquecem algo que acho quase imperdoável: que ela só está RESPONDENDO AOS FÃS.
Há pessoas que agora dizem que se ela não escreveu nos livros, não é verdade. Absurdo! A escritora não tem mais domínio sobre o próprio personagem? Pode doer sim, mas por mais que algum fã goste de Dumbledore, quem mais sabe sobre ele é a autora. Enquanto (notem o paradoxo) exigem a informação nos livros, a consideram totalmente desnecessária.

O leitor brasileiro geral de Harry Potter não é mais leitor, enfim. Não se contenta com o fim. Quer um livro só de bobagens e detalhes, mas que seja aquilo que ele estava esperando. Eterno espectador de novelas. Deseja respostas inúteis e previsíveis, que se não o agradarem, são tomadas como mentira. Mesmo quem copiava trechos de entrevistas para embasar teorias, renega o que JK disse, tão de boa vontade porque simplesmente a perguntaram.
E por que (por mais desnecessária que fosse) ela mesmo assim não colocou isso no livro? Simples, por duas razões: uma, ligada ao enredo, é que a história é contada a partir da visão de Harry, que parece não estar interessado na sexualidade nem nos relacionamentos de ninguém. Seu objetivo era matar Lord Voldemort. Qualquer assunto alheio a isso dentro do livro é “encheção de lingüiça” e pode alterar a mensagem que ela quer passar. O outro motivo é ainda mais simples. JK teve medo, e ela mesma disse. Harry Potter AINDA é infanto-juvenil, sem grandes pretensões. Tratar sobre certos assuntos com crianças é complicado e se você não é, azar o seu. O livro não é pra você.

Zeca Camargo disse algo deveras interessante depois do lançamento do livro sete, após ser atacado por vários fãs em fúria, devido a uma declaração sua em uma coluna anterior. Que a esperança de ter fomentado a leitura no Brasil com Harry Potter morreu, pois apenas fez surgir uma horda de fanáticos que não sabem acompanhar um épico, não sabem ouvir críticas e não sabem buscar diferentes interpretações, diferentes visões sobre um fato. Os livros não são cultura de massa, mas são lidos pela massa justamente com essa cultura, que prega que homossexuais são sempre pulantes, fracos e burros. E quando o maior personagem da história se revela gay, aí há a negação e o ódio.

Nesse ponto, considero a JK brilhante. Era óbvio que ela já preparava essa revelação relativamente após o lançamento (quatro meses) do último livro, já que as vendas não seriam prejudicadas em nada e não pareceria propaganda barata. A pergunta da garotinha só tornou o momento propício. Ela fez com que todos adorassem, venerassem, louvassem Dumbledore, e mostrou que a força dele não depende em nada de sua disposição sexual. Jogou na cara dos leitores um preconceito retorcido, fez com que diversas opiniões florescessem em todos os cantos e a verdadeira aceitação surgisse. Um gênio! Enquanto batiam palmas em sua frente, hordas de fãs em fóruns, sites e comunidades se amotinavam contra seu ídolo só porque à noite, na cama, ele resolve levar um homem. E Isso é realmente triste.

Mas calma. Não há razão para a sua visão mudar em relação a Alvo Dumbledore, criança. Se a negação for muito forte, leia os livros de novo e esqueça o que ela disse. Felizmente para você, ela não colocou essa informação nos livros. Construa o seu próprio personagem, com toda masculinidade que deseja. Feche-se em seu mundinho de preconceito, e se não quiser saber mais verdades sobre a história.

Victor Martz é formado em Design Gráfico.